Por Raquel Rolnik(*)
A obra de um complexo viário na região da Avenida Sena Madureira, em São Paulo, trouxe à tona a luta da população moradora do entorno, de organizações e até do Ministério Público que questiona esse projeto elaborado nos anos 1970, no tempo em que se acreditava que a solução de mobilidade do planeta seria a expansão dos modos motorizados movidos a combustível fóssil. Era antes da primeira crise do petróleo, muito antes da constatação da destruição do clima do planeta por gases de efeito estufa. O projeto, licitado em 2011, teve o contrato suspenso em 2013, devido ao envolvimento da empreiteira Galvão Engenharia na operação Lava Jato. Agora, a Prefeitura resolveu retomar essa obra, argumentando que o túnel, que passará sob a Avenida Domingos de Morais, é necessário para melhorar a fluidez do trânsito, já que presta o relevantíssimo serviço de eliminar 1 (UM!) semáforo.
A implantação do túnel não apenas elimina toda a cobertura vegetal da área, mas também aterra e tampona o córrego Embuaçu, o que só vai agravar os problemas de drenagem e manejo das águas na região. E mais: essa obra vai remover mais de 200 pessoas que vivem na comunidade Sousa Ramos, uma favela que está instalada ali há décadas, sem nenhuma previsão do que que vai acontecer com essas pessoas. Onde essas pessoas vão morar? Para onde elas vão? Em uma cidade com 80.000 pessoas morando nas ruas…
Infelizmente, a proposta do Túnel Sena Madureira não está sozinha! A prefeitura de São Paulo também está propondo a extensão da Marginal Pinheiros, eliminando uma enorme área de drenagem, e seu parceiro o Governo do Estado de São Paulo, a ampliação da rodovia Raposo Tavares sobre bairros do Butantã, todas obras de ampliação de sistema viário, todas obras que geraram movimentos contrários importantes… solenemente ignorados por seus proponentes.
O debate sobre essa obra tem sido muito associado à polêmica sobre as árvores que serão destruídas, o que, de fato, é relevante. Mas a questão vai além: o Movimento do Sena Madureira está contestando o próprio modelo de cidade que está sendo imposto. Qual é o modelo de cidade que precisamos agora? Em 2024, enfrentando a emergência climática, o foco deveria ser em repensar os deslocamentos urbanos, investindo mais em transporte coletivo de massa e preparando as cidades para eventos climáticos extremos que já estamos vivenciando. Isso ocorre no momento em que toda a discussão urbanística que está acontecendo no planeta está pautada em repensar a forma de ocupação do solo no sentido de usar soluções baseadas na natureza. Começando por reduzir — e não ampliar as áreas impermeabilizadas destinadas às fábricas de gases de efeito estufa.
O que está sendo feito com o projeto do Túnel Sena Madureira é exatamente o oposto: mais impermeabilização do solo, mais tamponamento de rios, mais eliminação de águas da cidade, mais destruição de árvores e da natureza. Para quê? Além disso, não há qualquer diálogo com a população e os protestos têm sido violentamente reprimidos. Uma vereadora foi agredida e presa enquanto defendia os interesses do movimento contrário ao túnel.
Será que teremos que esperar a cidade ficar completamente tomada pela fúria das águas e ver carros arrastados pela correnteza para reverter estes projetos do atraso?
(*) Raquel Rolnik é professora na FAUUSP e coordenadora do LabCidade.
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