Rua alagada com caminhões para o resgate de pessoas. Agentes e voluntários se moviementam na água para ajudar pessoas isoladas.
Resgate de pessoas em área alagada na região metropolitana da Porto Alegre em 2024

Por Raquel Rolnik,

Minhas Reflexões sobre a Reconstrução no Rio Grande do Sul: É Tempo de Sair da Caixa

Recentemente, tive o privilégio de visitar as áreas devastadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul, com foco especial no Vale do Taquari, mas também na região metropolitana de Porto Alegre. O que eu observei me levou a uma série de questionamentos cruciais sobre a forma como estamos conduzindo o debate e as ações de reconstrução naquela região.

A questão central não deve ser apenas poder ou não ocupar aquela área de novo que foi inundada. É imperativo que nos perguntemos: qual é o modelo de ocupação que nós vamos adotar? Estamos, de certa forma, aprisionados aos modelos de ocupação praticados nas últimas décadas, que são os mesmos que contribuíram para o aquecimento global, com o uso intensivo de asfalto, cimento, ferro, aterros. A grande lacuna no debate é a falta de capacidade de pensar completamente fora da caixa e imaginar outras formas de fazer cidade. Não podemos simplesmente repetir aquilo que nos trouxe a essa concentração de chuvas e essa desgraça da intensidade das inundações.

Reconstrução a partir das especificidades

Além do desafio de repensar o modelo de ocupação, eu também pude constatar uma enorme dificuldade das pessoas em acessar os meios para reconstruir o que perderam. Há uma enorme oferta de programas do governo federal, e, em menor escala, do governo estadual e administrações municipais, e também da filantropia e sociedade civil. No entanto, esses programas são, em sua maioria, produtos estandardizados/padronizados. Cada um possui  seus próprios critérios, como limites mínimos ou máximos de renda, a definição do que pode e o que não pode ser feito e isso nem sempre corresponde às necessidades específicas de cada família atingida. Além do mais, muitas das necessidades não são individuais, de cada família, mas coletivas, de cada localidade. O resultado é que as pessoas se sentem perdidas numa espécie de “cipoal de ofertas” e faltam recursos para atender as necessidades concretas.

O que é absolutamente essencial é o atendimento caso a caso, de cada comunidade, de cada território que tem suas especificidades, necessidades e demandas. Essa abordagem não está sendo contemplada, e acabamos vendo pessoas desatendidas, que não passam nas peneiras dos programas. Fiquei pensando: por que nós não somos capazes de promover um apoio na reconstrução para projetos locais de reconstrução com as suas especificidades? Em vez disso, continuamos mobilizando programas e projetos pré-definidos que não necessariamente atendem essas necessidades.

Precisamos sim, fazer uma distinção de fases, na hora da emergência não há espaço para discutir nada, tem que sair, e isso está absolutamente correto, as ações imediatas são corretas e necessárias, mas agora que já se passou um ano desde os eventos, agora é o momento de se pensar comunidade a comunidade, território a território, situação específica a situação específica, buscar soluções coletivas e individuais que atendam cada situação.

A reconstrução no Rio Grande do Sul exige uma mudança profunda de paradigma. Não podemos nos limitar a re-ocupar as áreas da mesma forma, nem a oferecer soluções pré fabricadas. O futuro das cidades e comunidades do Vale do Taquari, e de outras regiões impactadas, depende da nossa capacidade de inovar, de construir cidades resilientes ao clima e, fundamentalmente, de respeitar as particularidades de cada território e de cada vida afetada. Reconstruir o passado que nos levou a este desastre não é uma opção; precisamos construir um futuro diferente.