O Seminário Internacional Virtual Lutas Urbanas Feministas: corpo, território e políticas de produção de espaços periféricos vai explorar pesquisas feministas críticas e novas epistemologias a partir das lutas urbanas das mulheres em torno da produção de territórios periféricos.

Veja o Programa preliminar, ainda sujeito a alterações, aqui.

Esse evento inaugura uma série de seminários que conta com o apoio da Urban Studies Foundation, cujo foco é a luta feminista na produção e transformação de territórios periféricos em diferentes contextos do Sul Global, particularmente, África Austral e América Latina. Incluirá palestras especiais de pesquisadoras envolvidas em estudos feministas críticos, assim como mesas de trabalho de resumos selecionados a partir da chamada de trabalhos.

 

Confira os vídeos selecionados:

 

As vivências de gênero na cidade pela ótica da arte urbana

Autoras: Carolina Pinho e Jade Jares
Filiação institucional: Laboratório da Cidade (representado por Jade Jares de Belém-PA)

Este artigo, originado da pesquisa “Mulheres e Muros” feita em maio de 2021, em parceria e a convite da arquiteta e urbanista Carolina de Pinho de Belo Horizonte, pesquisadora entusiasta do tema, junto com a coordenadora do coletivo Cidade para Mulheres, Jade Jares de Belém do Pará, versa sobre a vivência e ocupação de mulheres no espaço urbano, com o recorte sobre o trabalho de mulheres artistas do grafite e muralistas. A pesquisa feita de forma online, buscou mapear a experiência desses corpos femininos nas cidades brasileiras, e o impacto e desafios de se apropriar dos espaços públicos pensados e planejados majoritariamente por e para os homens.

O desenvolvimento trabalha com uma análise teórica sobre gênero, direito à cidade e arte urbana, e como a construção da nossa sociedade impacta diretamente e consequentemente nessas três áreas. O foco desta reflexão é a crítica à lógica patriarcal presente na concepção de nossas cidades e na formulação das políticas públicas para o desenvolvimento urbano, assim como no meio artístico, cujas consequências repercutem negativamente na produção e disseminação da arte feminina. Foram coletados dados referentes à raça, idade, forma de mobilidade utilizada, barreiras urbanas e artísticas, localização, tempo de atuação com arte urbana, dentre outros.

Para além do mapeamento dos entraves urbanos, o projeto buscou também relatos das experiências das artistas em seu dia a dia ao circularem pelos ambientes públicos para executarem seus trabalhos. Esta pesquisa visa dar continuidade à investigação da problemática com a complementação de buscas por soluções urbanas pautadas em gênero no Brasil e no mundo, como também dos movimentos de resistência e união entre as mulheres artistas urbanas que têm acontecido no país.

“Caminho se conhece andando…” Paletadas Culturais como instrumento de afirmação do direito à cidade

Autora: Lorena Stephanie Santos Cerqueira
Filiação institucional: PPGAU/UFBA e ODARA – Instituto da Mulher Negra

Paletar é um verbo conhecido pela/o soteropolitana/o que realiza deslocamentos a pé em seus trajetos pela cidade. Este trabalho nasce de uma perspectiva de vivências com a cidade a partir de percursos construídos a pé. Olhares consolidados desde a minha primeira infância, na década de 90, no bairro do Rio Sena, Subúrbio Ferroviário de Salvador. A ideia de andar por necessidade foi substituída pela possibilidade de acesso à contemplação. Pensando neste verbete em bom baianês e em partilhar experiências, sensações, surge em novembro de 2021 a iniciativa Preta Paleteira.

Cartografando a violência contra a mulher: uma experiência com jovens do ensino médio do município de Duque de Caxias, Rio de Janeiro

Autoras: Cleonice Puggian; Ivanete Conceição da Silva; Carla Tatiana Chagas de Oliveira; Monique Dias de Freitas Debortoli Pereira; Daniel Souza Monteiro de Jesus; Cyntia Matos Pereira Irineu
Filiação institucional: 1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF), Programa de Pós-graduação em Educação, Cultura e Comunicação (PPGECC), Laboratório de Pesquisa em Educação, Natureza e Sociedade (LabPENSo/CNPq), PROCIENTISTA UERJ, Jovem Cientista do Nosso Estado (FAPERJ); 2 Laboratório de Pesquisa em Educação, Natureza e Sociedade (LabPENSo/CNPq), Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ), Bolsista TCT FAPERJ; 3 Laboratório de Pesquisa em Educação, Natureza e Sociedade (LabPENSo/CNPq), Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ), Bolsista TCT FAPERJ; 4 Laboratório de Pesquisa em Educação, Natureza e Sociedade (LabPENSo/CNPq), Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ), Bolsista TCT FAPERJ; 5 Laboratório de Pesquisa em Educação, Natureza e Sociedade (LabPENSo/CNPq), Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ), Bolsista TCT FAPERJ; 6 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF), Programa de Pós-graduação em Educação, Cultura e Comunicação (PPGECC), Laboratório de Pesquisa em Educação, Natureza e Sociedade (LabPENSo/CNPq);

Nesta comunicação apresentaremos uma cartografia social digital conduzida com estudantes do ensino médio, entre 14 e 18 anos, de quatro escolas públicas de formação de professores de Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Foi conduzida como parte do projeto “Ciência e Tecnologias para os Direitos das Mulheres”, financiado pela FAPERJ por meio do Edital n. 09/2021 – Programa Meninas e Mulheres nas Ciências Exatas e da Terra, Engenharias e Computação – 2021.

Este projeto se justifica pois Duque de Caxias está entre os três municípios mais violentos para as mulheres do estado do Rio de Janeiro. Justifica-se também pois o Plano Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres prevê mapeamentos que auxiliem o planejamento e desenvolvimento de uma “cidade no feminino”. A coleta de dados aconteceu nas próprias escolas durante o primeiro semestre de 2022 e novamente em março de 2023. Empregou o software Google Earth para que as estudantes pudessem marcar pontos, linhas e polígonos que indicassem espaços em que se sentiam inseguras e sujeitas à violência de gênero.

Durante a pesquisa criou-se coletivamente um arquivo no formato .kmz, com 98 pontos. O uso da plataforma Google Earth também alinhou-se aos objetivos da pesquisa principal, que pretendia familiarizar as jovens a recursos tecnológicos, utilizando-os como ferramenta para o combate à violência. Durante a elaboração do mapa, as estudantes narraram episódios de assédio e medo, que as impediam de circular e aproveitar os espaços da cidade. O período da volta para casa, nos fins de tarde, após as aulas, emergiu como o momento mais vulnerável do cotidiano.

As estudantes relataram casos de assédio na porta da escola, no ponto de ônibus, dentro dele e na rua que as levava à casa. Segundo as estudantes, o uso obrigatório do uniforme, com saias e meias longas, acentuava os casos de assédio nas ruas. O fetiche sexual envolvendo tais uniformes já foi documentado em trabalhos acadêmicos e problematizado pelas próprias normalistas. Conclui-se que a cartografia social e a produção do mapa, que será disponibilizado online e apresentado para o Fórum Municipal dos Direitos da Mulher, apoiaram a emergência de um espaço de diálogo sobre o espaço urbano, podendo ser utilizado para orientar políticas públicas que assegurem a todas as cidadãs o direito à cidade.

Direito à cidade através de práticas comunitárias

Autoras: Geisa Bugs; Phamela Alves; Kátia F. de Oliveira; Laís Leão; Juliana Marques e Danielle Paula Martins
Filiação institucional: Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e Universidade Feevale

A cidade contemporânea, permeada de ambivalência, embora seja por vocação um lugar de convívio e troca entre os diferentes, apresenta-se como um território desigual, violento e hostil para grande parte da população. Essa desigualdade afeta particularmente as mulheres, que devido às construções sociais, políticas e econômicas, enfrentam grandes dificuldades para acessar as oportunidades do meio urbano de forma igualitária e segura. O debate acerca do direito à cidade para mulheres alcançou relevância recentemente, aumentando o interesse por casos empíricos para subsidiar políticas e intervenções urbanas conectadas ao cotidiano.

O direito à cidade para mulheres envolve não somente o acesso a uma série de serviços públicos, mas também o direito de participar e contribuir com o debate por meio de suas ações e experiências. Redes de mulheres estabelecidas pela solidariedade comunitária mostram-se excelentes canais de cuidado e saúde coletiva, respeito ao meio ambiente e inovação social. Logo, partimos do entendimento de que voltar a atenção para as práticas comunitárias estabelecidas pode fornecer conhecimentos específicos sobre as experiências e as necessidades/dificuldades vivenciadas pelas mulheres no ambiente urbano, fomentando a construção coletiva de novas lógicas de direito à cidade. Para tanto, o projeto intitulado ‘Mulheres e o Direito à Cidade: Fortalecimento e Divulgação das Práticas Comunitárias Cotidianas’ investiga as relações solidárias e os saberes e práticas que sustentam redes de mulheres das comunidades Vila Torres (Curitiba/PR) e Favorita (Araucária/PR).

O intuito do projeto é que, a partir da realização de oficinas de compartilhamento, troca e produção de conhecimento acerca das realidades e práticas locais, seja possível ampliar a visibilidade, instrumentalizar e apoiar essas redes. A Vila Torres possui cerca de nove mil habitantes e localiza-se na entrada de Curitiba, às margens do Rio Belém, num território sujeito a alagamentos, cuja maior parte da população vive da coleta, triagem e venda de resíduos recicláveis. A Comunidade Favorita localiza-se no bairro Capela Velha, a noroeste do município de Araucária, próxima à represa do Rio Passaúna.

Segundo dados da organização social TETO, são aproximadamente 400 domicílios, onde mais de 62% dos adultos não possuem renda fixa mensal ou essa está abaixo de um salário-mínimo. Neste contexto, objetiva-se, com este relato, documentar a fase de reconhecimento e aproximação com as mulheres das duas comunidades, e apresentar direcionamentos resultantes da pesquisa teórica de embasamento conceitual e metodológico. A metodologia de estudo, de natureza qualitativa, envolve pesquisa participante, cartografia social, e rodas de conversa sobre histórias de vida, dentre outras. O projeto contempla, de maneira indissociada, atividades de pesquisa e extensão e conta com equipe multidisciplinar.

Epistemologia feminista negra do barulho: A produção epistêmica a partir da música eletrônica periférica

Autora: Steffane Santos
Filiação institucional: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

No Brasil amplia-se um expoente do movimento hip-hop a partir da música eletrônica periférica. Ritmos com grime e drill tomam contas das ruas e da vida cotidiana de jovens negres periférices. O movimento, a batida, as letras envoltas em um misto de expressões de pensamento, as muitas batidas por muito apresentam um barulho – a construção de uma sonoridade que dá vazão ao narrar a si próprio, a tornar-se sujeito de seu próprio discurso, como traz Lélia Gonzalez. Mulheres negras cis, transexuais e transvestis são agentes epistemológicas dentro de diversos espaços, inclusive no cerne da musicalidade. Onde o sentido ao viver é enunciado, nomeado, sonoridade e masterizado.

Neste sentido, o presente trabalho se debruça a esmiuçar como artistas como Sé da Rua, Iza Sabino, N.I.N.A, Natalhão, Irmãs de Pau, SODOMITA, entre outras, produzem conhecimento através do seu fazer artístico através da música, a partir da composição de letras e da produção sonora. Enquanto uma mulher negra, cis, bisseuxal, periférica e inserida na cultura hip-hop aciono minha experiência enquanto ouvinte e vivente da vida envolta à epistemologia feminista negra do barulho. A episteme produzida no fazer e narrar a si próprio, em primeira pessoa, é uma faceta constitutiva da composição da epistemologia feminista negra do barulho, demarcando lugar de sujeitas de nossos corpos marcados por opressões mas também por faces de resistência, saber, ancestralidade e vivência cotidiana.

Fórum Municipal dos Direitos da Mulher de Duque de Caxias: pela vida das mulheres, a luta na cidade

Autoras: Cleonice Puggian e Ivanete Conceição da Silva
Filiação institucional: 1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF), Programa de Pós-graduação em Educação, Cultura e Comunicação (PPGECC), Laboratório de Pesquisa em Educação, Natureza e Sociedade (LabPENSo/CNPq), PROCIENTISTA UERJ, Jovem Cientista do Nosso Estado (FAPERJ); 2. Especialista em Políticas Públicas de Enfrentamento a Violência Contra Mulher (PUC/RJ), Laboratório de Pesquisa em Educação, Natureza e Sociedade (LabPENSo/CNPq), Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ), Bolsista TCT FAPERJ

O movimento de mulheres no estado do Rio de Janeiro tem a marca da diversidade e do encontro nas ruas, nas passeatas pelo “8 DE MARÇO”, pelo “ELE NÃO”, outras pautas de defesa dos direitos de toda sociedade, também nas lutas cotidianas que a partir de cada segmento e território são abraçadas. No entanto a região metropolitana deste estado ainda permanece invisível aos olhos e projetos do poder público, como na Baixada Fluminense, dentro dela a cidade de Duque de Caxias, que ocupa o terceiro lugar em população, com mais de 50% de mulheres. Com um orçamento invejável a muitas capitais brasileiras, Duque de Caxias também ocupa o terceiro lugar no ranking da violência contra mulher, em todas as formas de violências, apresentadas pela Lei Maria da Penha, nº 11.340/06, majoritariamente negra e periférica, sua população vive a margem das políticas públicas.

No entanto, as mulheres ativistas herdeiras dos Quilombos de Hidra do Iguaçu e do movimento de mulheres, não desistem, nem baixam a cabeça, se reinventam e resistem. A resistência das mulheres deste lugar passa por muitas iniciativas que se dão a muito tempo, nosso recorte, apresenta as iniciativas de instituições e movimentos organizados por mulheres, ou não só por elas, mas que possuem trabalho especificamente voltados para as mulheres ou reivindicam a implementação das diversas políticas públicas ausentes ou insuficientes, como: segurança, alimentação, educação, saúde, trabalho, moradia, cultura ou seja os direitos das mulher para a garantia de uma vida digna, com qualidade, autonomia e independência.

Encontramos a articulação destas demandas, no espaço conhecido como Fórum Municipal dos Direitos da Mulher de Duque de Caxias, que existe há vinte anos na cidade, com uma contribuição política importante na luta e organização das mulheres por política pública e consequentemente se colocando de forma pedagógica na formação política destes coletivos, enquanto uma pauta dos Direitos Humanos.

Injustiça reprodutiva: corpos periféricos em ação na produção de saberes localizados

Autoras: Elaine Reis Brandão e Ana Carolina Lessa Dantas
Filiação institucional: Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB)

Nosso trabalho aborda a mobilização social e digital de mulheres urbanas, mães, residentes nas periferias de grandes metrópoles do Brasil e usuárias do Sistema Único de Saúde. São mulheres que buscam reconquistar sua saúde e seu direito à assistência na rede pública através da retirada do dispositivo permanente de esterilização Essure®, após os muitos efeitos colaterais e danos à saúde por ele provocados. Acompanhamos, há alguns anos, o processo dramático de adoecimento crônico por que elas passaram em razão da implantação do dispositivo biomédico em hospitais públicos de referência nas principais capitais do país. Em decorrência dele, grupos de mulheres que se autointitulam “vítimas do Essure” se organizaram politicamente – inicialmente, através das redes sociais e, em sequência, em atos públicos em suas cidades – para produzir “evidências” que comprovem a relação entre o sofrimento vivido e o dispositivo propriamente dito.

Neste processo, as mulheres têm tensionado as relações epistêmicas estabelecidas pelas instituições de Estado e pelos profissionais de saúde, contestando saberes médicos que duvidam dos sintomas experienciados ou que negligenciam os cuidados com as pacientes afetadas, a exemplo das cirurgias para retirada do dispositivo. Em nossas pesquisas etnográficas no Rio de Janeiro e em Brasília, demonstramos como tal engajamento político em busca da reparação e por justiça social tem se constituído em um percurso de aprendizado feminista frente ao Estado e à sociedade civil, diante das autoridades e das instituições públicas com as quais se relacionam, sejam parlamentares, profissionais de saúde, operadores do direito, defensores de direitos humanos, profissionais de mídia, entre outras.

Os deslocamentos espaciais e institucionais pela cidade para manifestações públicas, audiências e reuniões, também significam deslocamentos simbólicos entre diferentes arenas de poderes e de saberes, enriquecendo a trajetória destas lideranças feministas, na direção a um ideário de justiça reprodutiva e social para todas as mulheres periféricas, pobres, negras, com pouca escolaridade e dificuldades de inserção no mercado de trabalho. Salientamos que as práticas de cuidado e de solidariedade mútua entre elas moldam os espaços que as mulheres ocupam de modo coletivo, politizando na esfera pública a reprodução do corpo feminino negro e periférico. Uma rede de ajuda mútua tem surgido entre elas, a exemplo da organização de cursos/oficinas de profissionalização para reinserção no mercado de trabalho, em Brasília.

Argumentamos que os percursos empreendidos pelas mulheres não são – ou, pelo menos, não deveriam ser – uma via de mão única. Se as mulheres aprendem, em seus trajetos por instituições públicas, a fortalecer suas estratégias de mobilização, elas também oferecem a estas instituições uma perspectiva parcial privilegiada, uma forma de saber localizado, a respeito do que o dispositivo Essure® é e de como os problemas que ele causou podem ser melhor abordados pelas políticas públicas, pelos serviços de saúde e pelas ciências biomédicas. É hora destas instituições aprenderem a ouvi-las.

O direito à moradia em Maceió e a luta de lideranças femininas de movimentos sociais

Autoras: Paula Regina Vieira Zacarias; Vivianny Kelly Galvão e Débora de Barros Cavalcanti Fonseca
Filiação institucional: Centro Universitário de Maceió, Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas, Observatório de Democracia e Interdisciplinaridade; Centro Universitário de Maceió, Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas, Observatório de Democracia e Interdisciplinaridade; Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas do Espaço Habitado e Núcleo de Estudos do Estatuto da Cidade

As cidades brasileiras são marcadas historicamente por desigualdades sociais, econômicas, raciais e de gênero, ao mesmo tempo em que são palco da resistência e das disputas de práticas e narrativas políticas dos movimentos sociais urbanos. Esses movimentos possuem dinâmicas específicas em relação a outros, mas enfrentam, também, ciclos de repressão, confrontos e violações, assim como de conquistas, avanços e garantia de direitos. Dentre esses, os movimentos de moradia reivindicam o acesso ao direito à moradia como forma de superar a ausência ou ineficiência da política habitacional implementada no Brasil e as vulnerabilidades vivenciadas pelos residentes de assentamentos precários, conjuntos habitacionais populares e bairros periféricos.

O protagonismo das mulheres na organização, gestão e coordenação é uma das características dos movimentos de moradia. Contudo, esse protagonismo também sugere que as mulheres enfrentam as desigualdades habitacionais de forma diferente, já que são normalmente responsabilizadas pelo trabalho reprodutivo e de cuidados da casa e da família. O objetivo da pesquisa foi investigar a atuação dos movimentos sociais pelo direito à moradia em Maceió, estado de Alagoas, a partir dos relatos de experiências das suas lideranças femininas. O estudo de caso descritivo-analítico contou com dados coletados a partir de entrevistas semiestruturadas com as lideranças de quatro movimentos: Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e União Nacional por Moradia Popular (UNMP). Os dados foram tratados por meio do método da Análise de Conteúdo.

Como conclusão, foi possível caracterizar a trajetória local dos movimentos de moradia, sua forma de organização, conquistas alcançadas e a relação com os entes públicos, além de identificar a percepção das lideranças femininas acerca das garantias ou violações do acesso ao direito à moradia adequada por parte das mulheres em condição de maior vulnerabilidade. O perfil das lideranças femininas entrevistadas (mulheres negras e periféricas) aponta um percurso de vida semelhante, dado que as precariedades habitacionais vivenciadas as levaram a assumir o protagonismo nos movimentos que integram. Ademais, as percepções coletadas podem servir como um importante instrumento para formulação de políticas públicas habitacionais mais inclusivas e direcionadas ao enfrentamento das violações identificadas e o impacto delas nas condições de vida das mulheres maceioenses.

O PLANO POPULAR DAS VARGENS: ação emancipatória sobre o espaço urbano baseada no cuidado

Autora: Luciana Amorim
Filiação institucional: Programa de Pós-graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROURB/UFRJ)

O presente estudo procura evidenciar uma abordagem do ecofeminismo e da ética do cuidado para a organização social e política das lutas urbanas. Traz, como caso-referência, o desenvolvimento do Plano Popular das Vargens, proposto em novembro de 2017, na cidade do Rio de Janeiro, em paralelo e se contrapondo à tramitação do Projeto de Lei relativo ao Projeto de Estruturação Urbana das Vargens, o PEU das Vargens ou PLC n. 140/2015.

O Plano Popular das Vargens se destaca como uma ação sobre o espaço urbano, fruto da articulação entre grupos diversos do bairro de Vargem Grande da cidade do Rio de Janeiro, mas com o protagonismo de mulheres, onde temas ambientais, associados a lógicas não hegemônicas de produção de cidade, são abordados com a finalidade emancipatória.

Trata-se de uma mobilização feminista produtora de um planejamento insurgente em um território ambientalmente sensível que passa por um longo processo de pressão do mercado imobiliário, instrumentalizado pela atuação do Estado, com flexibilização dos parâmetros urbanísticos, viabilizando o adensamento construtivo para fins do mercado imobiliário de alto padrão.

Como contraponto, o Plano Popular se encarrega de demandas locais vinculado a grupos vulneráveis, voltadas ao direito à moradia e à manutenção de práticas ligadas à agroecologia; além de reivindicar pela proteção da biodiversidade local, representados pelos Campos de Sernambetiba e pelo Parque Estadual da Pedra Branca.

Compreende-se que essa luta faz parte do contexto em que, historicamente, nas “lutas locais contra a destruição do meio ambiente ao redor do mundo, as mulheres aparecem na linha de frente e em maior número”, realidade que tem como reflexo a feminização da pobreza no atual estágio do capitalismo.

Como contraproposta, o Plano Popular das Vargens desenvolve um planejamento urbano voltado para valores vinculados à corrente de pensamento ecofeminista fundamentada na Ética do Cuidado. Resulta que o Plano Popular das Vargens se diferencia da lógica hegemônica voltada para a produção imobiliária, presente no planejamento urbano institucional, a partir de uma prática de cuidado em que se privilegia o estabelecimento de uma relação de responsabilidade com o meio ambiente, defendendo a perpetuação da vida ao mesmo tempo que propõe uma alternativa de transformação urbana.

Sagacidade citadina: a experiência das mulheres grafiteiras nas ruas do Rio de Janeiro

Autora: Nicolly Barbosa
Filiação institucional: Universidade Federal Fluminense (UFF)

A cidade é um lugar de disputa. Apagamentos, construções, corpos e narrativas. Este trabalho pretende lançar luz aos corpos femininos que praticam a pintura de intervenções gráficas urbanas, no campo da legalidade e da ilegalidade. Contudo, são nas práticas não autorizadas, que essas sujeitas precisam criar artimanhas e formas de autoproteção para sua integridade física, na elaboração de táticas diversas, compartilhando o conceito do historiador Michel de Certeau. Foi investigado de que forma a lógica da conjuntura urbana marcada pela insegurança a esses corpos é manejada para sua ocupação.

Essas ações repletas de sagacidade aproveitando as brechas do tempo sobre o espaço urbano foram identificadas através do método etnográfico a partir de entrevistas com três interlocutoras. Elas são moradoras de bairros periféricos da cidade do Rio de Janeiro e possuem trabalhos nas diversas frentes relacionadas ao campo das artes, atuantes há pelo menos 5 anos no meio do graffiti. Ao abrir o campo investigativo, por vezes voltado à experiência masculina, a partir de um recorte de gênero, observamos as criações em coletividade, agilidade na elaboração de letras e personagens e identificação das lacunas legislativas. Estas disposições são essenciais para a permanência delas na cena das intervenções marcada, dentre outras características, pela efemeridade disputando e tensionando o espaço.

Palavras-chave: Intervenções urbanas, táticas, autoproteção.

Vila Nova Esperança: Margens e a construção do enraizamento

Autora: Aline Silva
Filiação institucional: graduada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Sâo Paulo (FAUUSP)

Vila Nova Esperança (VNE) é um território onde se pode ter abundante contato com a natureza, quando comparada à maioria do território urbano da Região Metropolitana de São Paulo, principalmente no que tange às margens espaciais – são tratados de temas que delineiam os contextos de opressão e que levam grande parte da população brasileira¹ a uma situação de vulnerabilidade ligada à moradia, raça e classe, associadas a uma necropolítica. A proximidade com área verde é um dos motivos que moradores apontam para gostar de viver lá, mas também utilizado pelo poder público para justificativa de remoção.

São analisadas neste estudo as principais dinâmicas que de fato impactam o meio ambiente, ao mesmo tempo que o enfoque se dá nas construções das sujeitas centrais para a resistência no território. Para mostrar a convivência com o entorno com o mínimo de degradação, foram implantadas ações para tornar o território “mais sustentável”, estas capitaneadas pela líder da Associação de Moradores, Lia Esperança.

Para isso, foi preciso que fossem questionadas as construções em torno das motivações da ordem de despejo. A justificativa que a população estaria degradando o meio ambiente, envolveu construções sobre territórios periféricos e populações pobres. Assim a autodefinição – construção de uma imagem própria de si e não uma aceitação da imagem imposta (Colins, 2016 , apud in³)- na construção de uma identidade política foi de suma importância e resultou na estruturação de espaços, alguns que não são do “hall” comum de equipamentos urbanos promovidos pelo poder público.

No entanto, era preciso que as autodefinições de si alcançassem as esferas de poder. Lia e a Associação de Moradores o fazem através do trabalho realizado e das aberturas para visitantes e imprensa e assim modificam a visão sobre o bairro e dos que nele moram a partir da autoavaliação. A nova forma como vêm a si próprios é espelhada para outros e, assim, enfatizando, o conteúdo das autodefinições de maneira que as imagens externas sejam substituídas pelas autodefinidas. Exemplos são as reportagens a respeito do bairro, nas quais VNE é associado à sustentabilidade e ao cuidado com o meio ambiente, muito diferente da fala do poder público como justificativa de remoção.