por Raquel Rolnik
Vista érea da cidade de Curitiba, PR. foto: Francisco Anzola / CC 2.0.
Direto de Curitiba no principal encontro nacional sobre os estudos urbanos no Brasil, que é o ENANPUR, temos um espaço privilegiado para discutir os rumos das cidades brasileiras. Curitiba, capital do Paraná, gozou (e ainda goza?) de enorme prestígio entre urbanistaas brasileiros e estrangeiros como “cidade modelo” cheia de inovações urbanísticas. Um dos painéis do encontro retoma este debate .
Desde os anos 1990, trabalhos como da geógrafa professora da UFPR já desmistificavam o mito da cidade modelo, a cidade de Curitiba como o planejamento ”que deu certo”. O mito foi construido desde dos anos 70, muito alicerçado na ideia de um planejamento que relaciona o uso do solo com mobilidade – a ideia de projetar um “adensamento“ do entorno de eixos de mobilidade. Mas também foi reforçado nos anos 1990, quando a cidade ficou conhecida como capital ecológica em função das grandes áreas verdes. Naquele momento, o chamado “city marketing” , ou a promoção da cidade passou a ser cada vez mais relevante em um cenário de competição das cidades por investimentos privados.
O que temos para contar para todos é que embora se possa dizer que Curitiba, comparada com outras capitais brasileiras, nas áreas de classe média e alta possa ser mais organizada ou ter uma melhor qualidade urbanística, do ponto de vista de organização da cidade ela também exportou os pobres e pretos para as periferias, inclusive com políticas que montaram conjuntos habitacionais fora da Curitiba “cidade modelo”, ou seja, uma área urbanizada para poucos, inclusive em condições bastante precárias.
A porcentagem de moradores em favela em Curitiba é igual à porcentagem de moradores em favela do Rio de Janeiro: em trono de 9% de sua população total. E no RJ se fala das favelas e em Curitiba se fala do espaço organizado… Mas na verdade, enquanto modelo, ele é um modelo bastante segregador: essa cidade branca, ordeira e planejada esconde que ela também tem uma população preta e parda muito significativa, a maior de todas as capitais do sul do Brasil, e em condições bastante precárias.
Lições de Curitiba para São Paulo
E o que podemos trazer para São Paulo do debate sobre Curitiba? Um dos elementos que mais notabilizou a experiência de Curitiba, que é a relação entre corredores exclusivos (o chamado “ ligeirinho)” e uso do solo, foi justamente o modelo que também inspirou a transformação do plano diretor de São Paulo de 2014, dizendo: “tem que construir mais para ter mais residências perto dos eixos transporte que tem mais capacidade de carregar passageiros”.
E de fato todos os estudos mostram que esse adensamento – esses prédios em torno do Ligeirinho – é composto por renda média e alta, que valorizou o solo e expulsou os pobres. Exatamente o que está acontecendo nos tais eixos também aqui na cidade de São Paulo.
Aquilo que está sendo produzido nesses eixos não é habitação social , embora essa tenha sido a “intenção”.
Não é habitação para incluir os mais pobres, mas sobretudo habitação de classe média e novos produtos imobiliários financeiros para aluguel, como mostram os estudos. Aliás, os eixos estão sendo bastante debatidos no ENANPUR.
Confira os trabalhos apresentados pela equipe do LABCIDADE no XXI ENANPUR.
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