Por Raquel Rolnik

O Brasil enfrenta um déficit habitacional de cerca de seis milhões de domicílios. No entanto, esse número não significa necessariamente a falta desses milhões de casas construídas. O déficit habitacional é um conceito mais complexo, composto por vários elementos, incluindo moradias precárias, a coabitação familiar — quando várias famílias dividem o mesmo espaço — e o ônus excessivo do aluguel, que é o comprometimento de mais de 30% da renda total de uma família para pagar o aluguel.

O componente que mais está crescendo no cálculo do déficit habitacional no Brasil é justamente o ônus excessivo do aluguel. Os dados mais recentes da Fundação João Pinheiro (FJP), de 2022, mostram que mais da metade do déficit habitacional no país, que é, ao todo, de 6.205.314 domicílios, ou seja, 52% ou 3.242.780 domicílios, está relacionado a esse componente do aluguel. Na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), essa porcentagem chega a quase 70%, também de acordo com dados divulgados neste ano pela FJP.

A incapacidade das pessoas em arcar com aluguel também se reflete nas dificuldades que as famílias têm de pagar prestações. Dentre as famílias incluídas no programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) Faixa 1 — destinado à população com renda bruta mensal de até R$ 2.640 —, muitas têm enfrentado grandes dificuldades para arcar com as prestações. Isso reforça que a questão não se resume à falta de unidades habitacionais, mas sobretudo à incapacidade dessas unidades, sejam elas produzidas por políticas públicas ou pelo mercado, de se tornarem acessíveis para quem mais precisa.

Historicamente, a política habitacional no Brasil tem se concentrado na construção de casas próprias, com juros subsidiados, como no caso do MCMV. Contudo, mesmo com subsídios que chegam a 95%, como no caso da Faixa 1 do programa, muitos grupos sociais, vivendo no limite, não conseguem pagar as prestações. Esses grupos ganham o suficiente para sobreviver no dia a dia, mas não para cobrir os custos de uma moradia financiada, o que faz com que os programas acabem beneficiando faixas de renda mais altas.

Neste momento de eleições municipais, é mais do que urgente repensar a política habitacional que, tradicionalmente, tem visto a construção de casas próprias como a única alternativa, quando não se trata apenas da construção de novas moradias, mas sim da criação de mecanismos que tornem essas moradias acessíveis para quem mais precisa.

Com alguns limites, podemos tomar como exemplo os países que por anos operaram sob a política de estado de bem-estar social, como o Reino Unido, Holanda, Alemanha e França. Nessas nações, as políticas habitacionais foram predominantemente baseadas no aluguel, com o valor pago pelo arrendamento proporcional à renda da família, e não ao valor da moradia. Embora esses modelos também tenham enfrentado desafios e não sejam perfeitos, eles nos oferecem lições valiosas.

Ao repensar a política habitacional, é fundamental desafiar a matriz que vê na casa própria a única solução, especialmente se queremos fazer valer o direito constitucional à moradia daqueles que realmente mais precisam.

 

(*) Raquel Rolnik é professora na FAUUSP e coordenadora do LabCidade