Elaboração: Pedro Lima a partir de dados das ocupações de Mariana de Freitas Andrade (2021) e informações de cortiços do Habitasampa (sem data).

Ana Gabriela Akaishi, Celso Carvalho, Laisa Stroher, Paula Freire Santoro, Guido Ottero, Francisco Comaru, Toni Zagato*

No texto anterior, comentamos como o Projeto de Intervenção Urbana Setor Central (PIU-SCE), recém-sancionado pelo prefeito Ricardo Nunes, ao dar descontos abusivos e gratuidades no pagamento da contrapartida da outorga onerosa do direito de construir, ampliava a zona de privilégios para o complexo imobiliário-financeiro. No fim, este projeto é para estimular (mais ainda) a produção imobiliária!

Sem este pagamento, o PIU-SCE não terá recursos para fazer as intervenções que a região precisa, e acabará servindo única e exclusivamente para o estímulo à produção imobiliária-financeirizada. Para isso, não era necessária a aprovação de um novo projeto de intervenção. Mas para que era necessário um PIU? Para produzir habitação para quem precisa, para os mais pobres que vivem e trabalham no Centro! Mas o PIU ignora as demandas por moradia dos mais pobres…

Não reconheceu e mensurou a diversidade das necessidades habitacionais do Centro

A elaboração deste PIU não partiu de uma leitura que reconhecesse e quantificasse a diversidade de necessidades habitacionais existentes no Centro, da população em situação de rua, moradores de cortiços, favelas, ocupações, inquilinos etc. O Censo de cortiços, que seria um importante insumo, ainda está ainda em fase de desenvolvimento, com previsão de finalização em dezembro de 2022, portanto não foi considerado. Assim como não há menção ao Censo de população em situação de rua, recém-elaborado.

Elaboração: Pedro Lima a partir do Censo de População de Rua da Prefeitura de São Paulo (2021)

 

Elaboração: Pedro Lima a partir de dados do Censo (2010)

A diversidade dos modos de morar no Centro de São Paulo demanda soluções habitacionais não desenvolvidas no Projeto, como propostas para locação social, albergues, repúblicas, centros de acolhimento e regularização fundiária. Não há garantias para que as pessoas possam permanecer morando no Centro, condição essencial à sua sobrevivência, visto que muitos dependem de trabalhos ligados a atividades praticadas na região.

A falta de estudos que subsidiem a proposta deixou evidente o apagamento do Centro como território popular negro, imigrante, pobre. Deixar a população e a moradia popular na invisibilidade é mais uma estratégia de valorização imobiliário-financeira.

E ainda, não percebeu que são intensos os processos de ameaça, remoção e despejo provocados pelo poder público, mas também pela valorização imobiliária que a região vive.

Elaboração: Pedro Lima a partir de dados Observatório de Remoções e TJSP

Carimba porcentagem de recursos para Habitação de Interesse Social de um fundo sem recursos

O PIU Setor Central prevê destinação mínima de 40% dos recursos segregados do Fundurb para atendimento habitacional de interesse social destinado a famílias com renda de até 2 salários mínimos (art. 80), o que na prática não significa nada. Isso porque, como a arrecadação é extremamente baixa, 40% de zero é zero. Esta numerologia contraditória torna ainda mais grave a situação da população de baixa renda, aumentando as ameaças de remoções, despejos e violações de direitos.

Ainda, se tiver recursos, não há garantias para que eles sejam gastos com Habitação de Interesse Social, pois a Prefeitura priorizará a execução de obras de transposição viárias na região em detrimento de outras ações, já que essa possibilidade está prevista no art. 108 da sua lei, e foi recém-anunciado um repasse de R$100 milhões do orçamento municipal para este fim.

Os descontos abusivos das contrapartidas – a outorga onerosa do direito de construir que já comentamos anteriormente – foram, ironicamente, justificados por gestores e vereadores que defenderam a aprovação do projeto de lei, com o argumento de que eles incentivariam a produção de habitação de interesse social.

Mas a lei anterior, da Operação Urbana Centro, já trazia incentivos e isenções, inclusive para a produção de HIS, e o que vimos sendo construído? Apartamentos minúsculos, de 10 a 40m², com preços muito elevados do m², que além de serem inacessíveis à população de menor renda, atendem configurações familiares muito reduzidas em função do seu tamanho diminuto, servindo mais a interesses de investidores buscando rentabilizar com estratégias de aluguel, airbnb e similares.

Foram estendidos ainda para todos os bairros do PIU, os incentivos urbanísticos para reforma de edifícios antigos, criados pela Lei Requalifica Centro (Lei nº 17.577/2021), antes aplicados só a Sé e a República. Esses incentivos não estão integrados com nenhuma política de habitação de interesse social, que possa evitar, por exemplo, processos de despejo e remoção de edifícios antigos ocupados ou alugados por famílias de menor renda.

Sem compreender o quadro de necessidades habitacionais, sem o Censo de Cortiços estar terminado, sem reconhecer o Centro como território de diversidade, negro, imigrante, sem recursos para promover as intervenções habitacionais, que sequer estão quantificadas e listadas… Certamente não, o PIU-SC não servirá para melhorar a vida de quem vive e trabalha no Centro.

* Ana Gabriela Akaishi é pós-doutoranda na FAUUSP; Celso Carvalho é engenheiro civil, membro da coordenação do BrCidades; Laisa Stroher é professora da FAU UFRJ e pesquisadora do LabCidade na FAUUSP; Paula Santoro é professora na FAU USP e coordenadora do LabCidade; Francisco Comaru é professor da UFABC; Guido Ottero é mestre pela fau usp, representa o IABsp na comissão executiva da operação urbana centro; Toni Zagato é Arquitete e Urbanista na Secretaria de Cultura do Estado e Conselheire Municipal de Política Urbana