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Aluízio Marino, Benedito Roberto Barbosa, Francisco de Assis Comaru, Giovana Milano, Isabella Alho, Júlia do Nascimento de Sá, Raquel Rolnik, Renato Abramowicz Santos, Talita Anzei Gonsales e Ulisses Castro*

Ao longo do ano denunciamos processos de remoção e despejos em plena pandemia. Mesmo durante um período em que as pessoas precisam ficar em casa, milhares de famílias foram removidas de seus lares. Ao mesmo tempo, notamos também o quanto as articulações, especialmente, a campanha nacional Despejo Zero, que buscam resistir a estes processos, se fortaleceram durante esse período.

Na última atualização trimestral, relativa aos meses de julho, agosto e setembro, apontamos que apesar do grande número de ameaças de remoções, articulações de organizações da sociedade civil em diálogo com o judiciário conseguiram atuar para que esse número não fosse ainda maior. No último  trimestre,  essa tendência de embates e resistências se confirmou.

Por outro lado, notamos também que as chamadas remoções “administrativas”, ou seja, aquelas que acontecem pela execução direta do Poder Público de maneira desvinculada do devido processo legal que lhe subsidie, também se intensificaram. Como tratamos na última atualização, são processos ainda mais silenciosos, invisíveis e muitas vezes ainda mais violentos, já que sequer existe espaço para a defesa e o contraditório.

A remoção administrativa expõe de forma dramática a incapacidade dos governos executivos locais (sobre quem recai parte significativa da responsabilidade pela política habitacional) de enfrentar a crise da moradia. Decisões arbitrárias e uso desproporcional da força que violam o direito à dignidade de famílias pobres  e sem teto revelam mais uma faceta cruel da ação do Estado, que deveria prioritariamente proteger a população atingida pela pandemia da Covid – 19.

 Ao longo deste trimestre foram mapeados 20 casos, sendo 12 ameaças de remoção e 9 remoções. Cabe salientar que, em relação às ameaças de remoção, três foram suspensas durante a tentativa de executá-las por atuação das redes de resistência

Dentre os casos de remoção, pelo menos 6 aconteceram de forma  administrativa, e portanto sem ordem judicial para tal. Dessa forma, foram identificadas ao menos 613 famílias removidas, destas, ao menos 270 no município de São Bernardo do Campo, enquanto mais de 7420 estão sob ameaça de remoção na Região Metropolitana.

Exemplo grave desse processo segue sendo o município de São Bernardo do Campo que, após a reeleição do prefeito em novembro,  promoveu três remoções administrativas e uma tentativa de remoção que só  não ocorreu em função  da articulação da comunidade atingida, movimentos de moradia e apoiadores que conseguiram pressionar e suspender temporariamente a reintegração. Ainda assim, apoiadores e moradores sofreram represália da prefeitura que abriu boletim de ocorrência alegando “resistência e desobediência por parte dos moradores, os quais se recusaram em cumprir decisão administrativa”.

Chama atenção o fato do município ter realizado remoções de forma administrativa em processos nos quais não é o requerente da reintegração, como no caso do DER, em que a Ecovias, concessionária do Sistema Anchieta-Imigrantes, é a responsável pela área, ou no caso da Vila União, no qual a EMAE – Empresa de Água e Esgotos do Estado de São Paulo, é a requerente da reintegração. Após reunião com a EMAE realizada na última sexta-feira, envolvendo moradores e apoiadores, foi possível negociar um prazo de seis meses para cobrar uma alternativa habitacional junto à prefeitura.

A invisibilidade das remoções administrativas se demonstra, por exemplo, no caso da remoção ocorrida próximo ao Parque da Aclimação, onde 4 famílias foram expulsas sem nenhum atendimento habitacional por parte da prefeitura de São Paulo. O registro desse caso só pode ser feito pelo fato de uma pessoa próxima aos movimentos de moradia estar passando pela rua na hora em que acontecia a remoção. Infelizmente não se trata de um caso isolado, outros ocorridos neste trimestre, como é o caso do DER, só foram identificados por contatos próximos ou parceiros que conseguiram fazer a denúncia.

Outro exemplo que acompanhamos ao longo deste trimestre foi a remoção e demolição de imóveis nas quadras 37 e 38 no bairro Campos Elíseos. Segundo relato de moradores, a prefeitura vem assediando e pressionando para que as pessoas cadastradas aceitem o auxílio-aluguel e deixem suas casas, mesmo havendo duas decisões judiciais, uma liminar e um cumprimento de sentença, que suspendia a remoção e demolição dos imóveis. Sabemos de, pelo menos, duas famílias moradoras da área há mais de vinte anos que foram removidas. Uma delas, após interdição de seus comércios que funcionavam no mesmo imóvel que residiam e coagida por demolições do entorno que danificaram a sua casa e ainda por conta de ameaça por parte da prefeitura de uso de força policial para sua retirada, acabaram deixando o local e, do centro da cidade, foram para o Grajaú, zona sul de São Paulo – região lindeira aos mananciais. A situação das famílias não cadastradas que continuam morando nas quadras de Campos Elíseos é ainda mais grave já que, para elas, sequer o auxílio-aluguel está sendo ofertado.

Por fim, na última sexta, também acompanhamos o caso da ocupação da Guatemozin na Vila Guilherme SP, em que houve uma tentativa irregular de cumprimento de reintegração de posse de cerca de 25 famílias que moravam no local, pois na ocasião as condições mínimas para cumprimento da reintegração, como a realização de reunião junto ao Batalhão da Polícia Militar para preparar a ação, não foram realizadas. Por essa razão, a advogada do Centro Gaspar Garcia que atuava na ação conseguiu suspender a reintegração.

Com os casos de pandemia crescendo em São Paulo (e em todas as regiões do Brasil), e em pleno período de festas, jogar as pessoas na rua é o resultado de processos que, mesmo diante do avanço das articulações em torno de direitos no âmbito da sociedade civil e suas ressonâncias no Judiciário, prefeituras simplesmente resolvem fazer (in)justiça com as próprias mãos.

*Pesquisadoras/es da rede do Observatório de Remoções.