* Por Matheus Martins e Raquel Rolnik

Em fevereiro, logo após as chuvas intensas no litoral norte do estado de São Paulo, que ocasionaram centenas de desabrigados, o Observatório de Remoções publicou uma nota técnica expressando preocupação a respeito das remoções de moradores efetuadas pelo governo do Estado.

Naquela ocasião uma das preocupações centrais foi que remoções foram feitas sem que se estabelecesse com transparência e clareza os critérios de avaliação de risco e as alternativas de reassentamento oferecidas aos moradores, bem como as medidas de curto, médio e longo prazo para garantir soluções habitacionais adequadas. O perigo é que nestas circunstâncias se repetiria o ciclo de ocupações de áreas ambientalmente sensíveis. Em que pese todo o esforço feito na direção da construção de conjuntos habitacionais provisórios e definitivos na região e do abrigamento provisório dos atingidos em pousadas, essas preocupações parecem estar se concretizando.

As “Vilas de Passagem”, moradias temporárias de 18m², com beliches, pia, tanque e um banheiro, para onde estão sendo levadas as famílias que perderam suas casas com as chuvas e ficaram abrigadas até o momento em pousadas, começaram a ficar prontas no dia 4 de maio e, até agora, cerca de 40 famílias já foram transferidas, embora o conjunto ainda esteja em obras, sem infraestrutura completa e com problemas de acesso a serviços públicos. Outra preocupação das famílias, sobretudo as maiores, é com o tamanho das casas.

 

A situação das famílias que não perderam suas casas, mas evacuaram o local por estarem em área de risco, também é problemática. Os laudos elaborados pela defesa civil classificaram as casas em: ID – Interdição Definitiva (ou área vermelha); ITP – Interdição Temporária Preventiva (ou área laranja); SMI – Setor de Monitoramento Intensivo (ou área amarela). As famílias que tiveram suas casas classificadas como SMI estão sendo obrigadas a deixar as pousadas e retornar, mesmo ainda estando inseguras sobre o estado de suas casas. E aquelas classificadas como ITP (laranja), estão sendo reavaliadas para as categorias amarela ou vermelha, o que define seu destino. São vários os relatos de moradores que não se sentem seguros em retornar, não apenas pelo risco, mas também pela situação precária ou instável de algumas casas após as chuvas.

Em ofício enviado ao governo do estado, CDH, MPE, MPF e à Prefeitura de São Sebastião, o Comitê União dos Atingidos da Tragédia Crime do dia 19/02/2023, em conjunto com a Campanha Nacional Despejo Zero e o Instituto Pólis, elencou uma série de problemas graves relativos à moradia, à saúde, à infraestrutura e à educação. Destacam, entre outras coisas, a falta de infraestrutura e o tamanho das soluções habitacionais temporárias, a não inclusão das famílias que pagam aluguel nos programas habitacionais, a falta de transparência nos laudos técnicos, o prejuízo à saúde dos afetados causado pelos entulhos deixados nos locais atingidos e pela contaminação da água e a necessidade de interdição da Escola Estadual Plinio Gonçalvez em Juquehy, que voltou a funcionar mesmo em situação calamitosa.

As habitações definitivas estão sendo construídas no bairro Baleia Verde (518) e Maresias (186), totalizando 704 moradias direcionadas ao atendimento das famílias que perderam suas casas. Já para as famílias que estão sendo retiradas das pousadas e voltando para áreas de risco que estão sob “monitoramento intensivo”, o poder público promete o atendimento em uma “segunda etapa”. Aquelas que moravam de aluguel nas áreas atingidas estão sendo mantidas em abrigos até conseguirem alugar um novo local, já que não serão contemplados pelas novas unidades.

Processos de reconstrução pós desastres são oportunidades para se remediar e prevenir situações que antes destas ocorrerem já eram inadequadas. A reconstrução não é a “recomposição de propriedades perdidas”, mas sim o encaminhamento de uma resposta a uma situação habitacional prévia precária que precisava – e agora precisa mais do que nunca – ser enfrentada. Assim, locatários que agora são sem-teto, assim como moradores há menos de cinco anos no município, também precisam ser contemplados com as soluções habitacionais. Mais ainda, estas soluções – seja o retorno ao antigo bairro e antiga casa e seu restauro e recomposição ou a um novo empreendimento deve ser fruto de um processo construído e debatido com os atingidos, de forma a ser ao máximo aderente às suas necessidades. E, portanto, evitar que novas situações de risco e precariedade se reproduzam.

* Matheus Martins é graduando na FAUUSP e pesquisador de iniciação científica no LabCidade; Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e coordenadora do LabCidade.