Bicicletário junto á estação da CPTM em Mauá, o maior da América Latina

Por Vicente Sisla Zeron e Marina Harkot *

Como já dissemos antes, a política cicloviária de São Paulo está em um momento de transição. Entre os anos de 2009 a 2016, principalmente a partir de 2013, quando passaram a implementar políticas públicas que efetivamente colocaram a bicicleta no sistema de mobilidade urbana, a cidade passou por uma implantação intensiva de infraestrutura para circulação de bicicletas. Esta infraestrutura, no entanto, perde parte importante de seu potencial se não houver, associados a elas, equipamentos para a guarda de bicicletas que garantam facilidade e segurança ao usuário que chega a seu destino.

É com foco no aprofundamento do estudo sobre os bicicletários paulistanos – tão importantes para o alcance das políticas cicloviárias que têm impacto fundamental sobretudo para as camadas mais baixas da população, onde o uso da bicicleta como meio de transporte é o mais frequente – que em abril deste ano foi concebido e divulgado um questionário online com o objetivo de compreender qual é a visão do público paulistano sobre os bicicletários que utilizam recorrentemente.

Com isso, buscou-se entender a relação entre ciclistas e os bicicletários – mas não só. Foram investigados aspectos como as características socioeconômicas dos ciclistas, com que finalidade utilizam a bicicleta no dia a dia, qual é a sua percepção sobre a maneira como as mudanças recentes que a política cicloviária da cidade tem afetado os equipamentos que utilizam, e quais são os principais problemas, críticas e questões enfrentadas pelos usuários. Tais informações possibilitaram uma aproximação definitiva às questões próprias da utilização dos bicicletários. A leitura geral dos equipamentos para guarda de bicicletas em São Paulo dentro da qual essa etapa teve papel importante, produzida dentro do grupo “Cidade, gênero e interseccionalidades” do LabCidade FAU USP, encontra-se aprofundada e sintetizada no documento intitulado “Dossiê dos bicicletários”, que será lançado nas próximas semanas na Plataforma do LabCidade.

É importante ressaltar que não se objetivou com esse questionário obter representatividade  estatístico ou um retrato do que pensam “os ciclistas” de São Paulo. O público alcançado não é numeroso ou diverso o suficiente para representar uma amostra fiel do perfil dos(as) ciclistas paulistanos(as). Ainda assim, as informações e opiniões obtidas dos usuários foram profundamente enriquecedoras para a pesquisa em desenvolvimento, principalmente em relação aos problemas identificados no uso dos bicicletários, levantando hipóteses que podem ser investigadas em trabalhos futuros.

Um resultado importante é que a opinião dos usuários sobre os bicicletários é, ainda, muitas vezes oposta à dos funcionários que os planejam, ou mesmo à dos funcionários responsáveis pelo seu funcionamento. Tal constatação é extremamente enriquecedora para o debate sobre a oferta de bicicletários na cidade e o atendimento às necessidade do público.

A ausência de oferta de serviços para os ciclistas que chegam ao equipamento, como água, banheiro e vestiário, por exemplo, é algo que muitas vezes fica em segundo plano para os responsáveis pela implantação e administração desses equipamentos, mas que é fundamental para o usuário. Esse assunto, inclusive, é mencionado com muita raridade em manuais de construção de bicicletários, e são poucos os bicicletários de São Paulo que de fato oferecem serviços como esses. Ainda assim, quando há serviços disponíveis, estes em geral estão limitados ao oferecimento de banheiro e, eventualmente, de bebedouro. Entretanto, na maioria dos casos estes serviços pertencem à estação de transporte à qual o equipamento está associado, e não ao próprio bicicletário em si. Nesse quesito, o bicicletário da estação Mauá da CPTM, está à frente: o equipamento, que é administrado pela Ascobike, oferece os seguintes serviços: café quente e água gelada, caixa para engraxar sapatos, instalações sanitárias, compressor de ar, oficina, empréstimo de bicicletas, plano de saúde, atendimento social a até apoio jurídico! A falta de oferta de serviços, como mostra o gráfico abaixo, foi o problema que os usuários mais encontram usuários ao utilizarem os bicicletários da cidade, mencionado por 51% dos participantes na pesquisa.

É importante mencionar que, nessa pergunta, os participantes do questionário podiam selecionar múltiplas respostas – por isso as porcentagens ultrapassam os 100%. Os números do gráfico dizem respeito à quantos participantes, dentre o total deles, selecionou determinada alternativa.

 

Os participantes reclamaram muito, ainda, de quantidade de vagas insuficiente, indicando que há uma demanda que os bicicletários atualmente existentes não conseguem dar conta: 84% dos usuários disseram encontrar os equipamentos movimentados ou lotados na hora de usá-los. Além disso, 64% dos participantes disseram que o movimento aumentou nos últimos anos.

A falta de vagas onde seja fácil de posicionar a bicicleta, como é o paraciclo em “U” (na figura abaixo), foi outra questão identificada pelos participantes. Os ganchos verticais, muito populares, economizam espaço em espaços restritos, mas exigem que o usuário levante a bicicleta para prendê-la e, portanto, são muito mais difíceis de serem utilizados, inibindo o uso por pessoas de menor estatura ou força, como crianças, idosos, algumas mulheres e até homens mais baixos do que a média. Ainda, assim como os paraciclos do tipo “entorta-roda”, os ganchos verticais também não permitem que a bicicleta seja presa pelo quadro – a forma mais segura de prendê-la – o que não só o torna menos confiável como também podem danificar com facilidade o aro das bicicletas, refletores de toda e sensores de velocímetro, além de não acomodar todos os tipos de bicicletas existentes – como é o caso de bicicletas com cadeirinha de criança acoplada, por exemplo.

 

Adicionalmente, os usuários citaram um número significativo de vezes que encontram problemas como excesso de burocracia para cadastro/utilização dos bicicletários, a falta de funcionários, e o horário de funcionamento incompatível com as necessidades do usuário que precisa deixar a bicicleta cedo ou retirar muito tarde. A restrição muito grande do horário de funcionamento dificulta a utilização do usuário que tem horários fixos de trabalho, ou que mora longe e precisa pegar o transporte público muito cedo ou muito tarde, próximo da hora de abertura ou fechamento das estações por exemplo. A interação entre bicicleta e transporte público, assim, pode ficar extremamente prejudicada, ao ponto de torná-la impraticável, fazendo com o usuário migre da bicicleta para outros meios de transporte. Na tabela abaixo estão os horários de funcionamento em dias úteis dos bicicletários públicos de São Paulo, coletados dos sites das companhias que os administram.

A falta de adequação da oferta e funcionamento dos bicicletários paulistanos às necessidade do público são resultado de uma falta de diversificação de investimentos em mobilidade urbana que tem raízes no contexto histórico de priorização de políticas voltadas ao automóvel. Tal diversificação seria fundamental para a melhoria do quadro da mobilidade da cidade, mas fica engessada pela falta de fôlego das políticas cicloviárias, trazendo consequências graves ao atendimento das necessidades do público e ao alcance das poucas infraestruturas cicloviárias existentes. Esse é o assunto do próximo post sobre os bicicletários de São Paulo, que fechará uma série de três posts sobre o tema.

* Graduando em Arquitetura e Urbanismo na FAU-USP e bolsista de Iniciação Científica; doutoranda na FAU-USP e pesquisadora do LabCidade.