Por Pedro do Carmo Baumgratz de Paula*
A Linha 4-Amarela do Metrô é a primeira parceria público-privada do Metrô de São Paulo, modelo de concessão que seria adotado para outras linhas, mas que pode ter agravado as dificuldades financeiras e de gestão para todo o sistema metroviário e ferroviário paulista.
Nesse modelo, para garantir contratualmente o pagamento à ViaQuatro, consórcio que opera a linha, a solução adotada foi criar duas modalidades de tarifa: uma chamada aqui de “política”, paga pelos usuários na catraca das estações para usar o serviço, e uma “contratual”, desembolsada para a concessionária por passageiro transportado. No modelo tradicional, Metrô e CPTM são remunerados pela tarifa política e pela compensação das gratuidades por meio de repasses do Governo do Estado. Já a ViaQuatro é remunerada por um valor contratual, recebido por cada passageiro transportado.
A diferença é que a tarifa das concessionárias tem seu reajuste contratualmente previsto e absolutamente isolado da definição da tarifa política, aquela que hoje está em R$ 3,80. Isso significa que se o reajuste da tarifa política tiver sido menor que o da contratual, a concessionária, por receber a tarifa contratual, não será afetada. Neste modelo, a existência das gratuidades legais não afeta a concessionária, que recebe o valor acordado em contrato por passageiro transportado, independentemente do tipo (idoso, estudante, convencional, etc.).
No entanto, a existência de tarifas diferenciadas não assegura o efetivo recebimento do valor contratualmente previsto. Para garantir a existência de recursos para pagar a concessionária, também foi criado um mecanismo que prioriza o pagamento delas, evitando a judicialização desses repasses, o que poderia colocá-la na longa lista dos credores de precatórios do Estado. Dessa forma, no contrato de concessão da Linha 4, foi prevista a criação de uma Câmara de Compensação e Pagamentos privada e livre de ingerências estatais. Mas essa Câmara sequer chegou a sair do papel, pois foi criado o bilhete único, em parceria com o Município de São Paulo, unificando todos os pagamentos.
O sistema, de forma simplificada, funciona da seguinte maneira: os recursos pagos pelos usuários da Linha 4, do Metrô, da CPTM e das concessionárias da SPTrans são reunidos em uma conta sistema que, ao final de cada dia, remunera as empresas como exposto na figura abaixo:
Ou seja, a solução encontrada para essas garantias, que foram entendidas como necessárias para viabilizar o modelo, foi usar o próprio volume de arrecadação tarifária de todo sistema a favor da viabilidade econômica da concessão da Linha 4- Amarela.
Com a diferenciação tarifária e esse sistema de priorização da remuneração, o Estado de São Paulo conseguiu fornecer ao parceiro privado a segurança do recebimento de suas tarifas contratuais, mas também gerou uma maior necessidade de repasses seus às suas empresas – Metrô e CPTM.
Um importante esclarecimento é que a adoção de PPPs, em si, não deve ser associada a uma maior geração de despesas estatais para a manutenção do sistema metroviário. Seja operada por uma concessionária ou por um ente estatal, a criação de uma linha adicional de metrô, supondo que se mantenham estáveis todos os demais fatores e custos envolvidos, geraria ao Estado o mesmo custo que o necessário para cobrir as gratuidades e viabilizar algum modelo de subsídio tarifário.
A questão, contudo, é que, ao se criar a tarifa contratual para o operador privado e gerar uma redução do saldo disponível para os demais operadores do transporte sobre trilhos, o Estado de São Paulo criou uma maior necessidade de repasses para essas empresas estaduais, tornando-as mais dependentes de seu controlador, que é ele próprio.
Outro ponto é que, ao optar por realizar a diferenciação tarifária e fornecer a prioridade de recebimento à concessionária, o modelo contratual se distancia e obscurece a compreensão sobre o funcionamento e o financiamento dos diferentes operadores do sistema de transporte sobre trilhos, não permitindo à população a clara compreensão dos limites e das possibilidades de cada um deles. O fato de Metrô e CPTM ficarem com o que sobra do arrecadado nas catracas e necessitar – cada vez mais – de repasses do Poder Executivo Estadual pode, por exemplo, ter impactos na capacidade de investimento em renovação de frota, contratação de funcionários e expansão das linhas.
É importante lembrar ainda que o governo estadual replicou esse modelo no contrato da futura Linha 6-Laranja. A consequência disso é que, na medida em que se concedam mais linhas para a iniciativa privada, a necessidade por maiores repasses ao Metrô e à CPTM, últimos na lista de recebimentos conforme vimos no gráfico anterior, também crescerá. Cada vez mais, a próxima concessionária terá uma prioridade relativa de recebimento, o que a coloca em uma posição melhor que a CPTM e o Metrô, mas inferior às empresas que a antecederam na contratação de parcerias.
Por fim, ao analisar o modelo adotado, sem qualquer pretensão de questionar a utilidade do modelo de PPPs em si, mas pensando sobre as alternativas contratuais adotadas pelo Estado de São Paulo nesse caso e limitando-me à questão do sistema de pagamentos e dos repasses estatais, é inevitável concluir que as concessões privadas só são, e só continuarão a ser, jurídica e economicamente viáveis na medida em que existirem empresas estatais do porte e com o fluxo de caixa do Metrô e da CPTM, pois o fluxo de passageiros (e de caixa) gerado por elas é usado como garantia para a PPP. É sempre possível, também, ainda que improvável ou mesmo financeiramente inviável, que o Estado de São Paulo venha a destacar vultosos fluxos de recursos não afetados ao patrimônio público para assegurar a liquidez dos sistemas de pagamentos.
Há, aqui, portanto, um claro paradoxo no modelo de PPPs do Metrô de São Paulo: a desestatização do setor, por conta de barreiras jurídicas e econômicas, depende da existência e permanência de empresas estatais fortes (ou, ao menos, grandes), que o modelo – em tese – visava substituir.
*Pedro do Carmo Baumgratz de Paula é Mestre em Direito Econômico pela USP. Professor da Universidade São Judas Tadeu e Advogado
Professor, independentemente de qualquer outra consideração a pergunta que faço é a seguinte:porque não usar-se um modelo contratual no qual o setor privado, interessado no negócio , proponha a execução e operação de uma linha de metrô. O governo aprova o traçado em função da rede desejada. O Estado faz as desapropriações necessárias e cobra do empreendedor o seu valor mais taxa de administração desse serviço .O empreendedor constrói e opera a linha à mercado, cobrando a tarifa que entende conveniente. Essa tarifa deixa, é claro, de ser preço público. Afinal , aí se terá um empreendimento com todas as suas características de riscos e vantagens de empreendimento privado. Ao se fazer as tais PPPs, e mantendo a tarifa , nesse caso, com preço público, começa um conjunto de problemas como os apontados em seu texto, além de se criar um tipo de investimento privado sem as características de efetivo negócio privado. Ou seja o empreendedor tem todas as garantias e o seu parceiro , o Estado, fica com todos os problemas e riscos. Fica a questão.;as PPPs tal como se apresentam, são de interesse do capital privado que não tendo como se realizar em outros empreendimentos, se faz parceiro do Estado de modo a não correr riscos e garantir sua rentabilidade. Ou seja, tal como se formuladas as PPPs são convenientes para o setor privado e não, como apresentadas, de interesse público.Grato pela atenção
Pedro, interessante sua explicação sobre a sistemática de pagamentos no setor de transportes. Os concessionários de PPPs recebem primeiro, as empresas públicas recebem se sobrar… É curioso observar as semelhanças com a modelagem contratual das PPPs propostas na área habitacional. A Prefeitura de São Paulo está formulando uma PPP voltada para a locação social em edifícios a serem reformados (“retrofitados”, segundo o jargão dos idealizadores do projeto) na área central de São Paulo. No caso dessa PPP, está prevista a destinação dos recebíveis da COHAB (ou seja, os fluxos de receita a serem gerados pelo conjunto de contratos de financiamento à compra de imóveis geridos pela companhia) num fundo, e o oferecimento de cotas desse fundo como garantia do contrato de PPP. Simplificadamente, se por algum a Prefeitura atrasa os pagamentos da concessionária do contrato de PPP, as receitas da COHAB garantem o pagamento.
Estamos assistindo a um processo massivo de transformação de bens e receitas públicas como garantia de contratos privados. Além disso ser uma mera fuga pra frente enquanto alternativa para o financiamento da provisão de infraestrutura e serviços, isso provavelmente trará dificuldades para a realização de atividades como a manutenção da rede de metrô e trem, a provisão de moradia subsidiada para a população de menor renda, e assim por diante.