Calçadas sujas perto de seções eleitorais da Tijuca, zona norte da cidade, durante a votação de 1º turno (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

 

Por Raquel Rolnik*

No primeiro turno das eleições de 2022, a taxa de abstenção foi de 20,9%. O desafio é identificar quem são estes eleitores que não apareceram para votar e a razão para o número de ausentes ter sido o maior dos últimos seis processos eleitorais para presidente.

A abstenção se destaca onde se concentram mais eleitores com voto facultativo, como é o caso de áreas com grandes contingentes de idosos. Esse fenômeno pode ser observado por exemplo nas regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Mas esta não é uma explicação absoluta, pois quantidades significativas de abstenções ocorreram em periferias de grandes cidades e também em áreas rurais.

Pesquisa Datafolha divulgada no sábado (8), uma semana após o pleito, mostrou que 8% dos que se abstiveram não foram às urnas porque o “local de votação é muito longe”. Ainda no mesmo levantamento, 2% dos ausentes alegaram que “não tinham dinheiro para ir votar”, ou seja, sem condições financeiras para custear a locomoção até seu colégio eleitoral.

Esse cenário faz da campanha pelo passe livre, que propõe transporte público gratuito durante os dias de eleição, uma medida absolutamente central para diminuir o número desses casos. No primeiro turno, segundo levantamento do IDEC, ao menos 62 cidades adotaram alguma modalidade de passe livre, incluindo 13 capitais: Boa Vista (RR), Campo Grande (MS), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Maceió (AL), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Luís (MA), Palmas (TO), Goiânia (GO) e Florianópolis (SC). Grandes cidades não-capitais também se destacam nesta lista, como Caxias do Sul (RS) e Pelotas (RS). Em Natal (RN), os eleitores tiveram o benefício de uma tarifa social com desconto de 50% e, em Rio Branco (AC), o passe livre foi garantido no retorno com a apresentação do comprovante de votação.

Entretanto, essa medida foi objeto de judicialização. Em Porto Alegre, a Câmara Municipal derrubou no ano passado a lei em vigor desde 1995 que garantia esse benefício. A dias do primeiro turno de 2022, houve um movimento da sociedade civil e ações no campo jurídico para reverter esta decisão, o que fez a capital gaúcha recuar e retomar com a prática

O partido Rede Sustentabilidade solicitou à Justiça que a medida fosse obrigatória em todos os municípios do país, o que foi negado. Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, a ação teria que estar prevista já em lei e deveria ter um orçamento reservado para essa finalidade. Porém, determinou que a gratuitidade seja mantida nas cidades que já ofereciam o serviço.

A coligação da campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) contestou o passe livre no transporte coletivo, alegando que a medida seria utilizada para transportar eleitores, o que é ilegal e portanto não poderia ser adotada durante o dia da eleição. A ação chegou ao Tribunal Superior Eleitoral e a decisão de Barroso foi que se trata do transporte público gratuito para todos, e não dirigido a um grupo. Portanto, a medida foi mantida nas cidades que a adotaram.

Diante deste contexto, organizações sociais se reuniram antes do primeiro turno com o objetivo de contribuir para a redução da abstenção de votantes através da campanha Passe Livre pela Democracia. As entidades estão pressionando os prefeitos de todo o país a instituírem de forma definitiva o transporte gratuito durante pleitos municipais e federais. 

Das cidades que aderiram à alguma modalidade de passe livre no pleito do início do mês, apenas 19 apontaram que já está decretada a gratuidade do transporte para o segundo turno, segundo o IDEC. Cidades grandes como Salvador, Curitiba, Goiânia e Osasco ainda não se posicionaram.

Essa discussão sobre o passe livre no dia das eleições revela uma questão grave nas cidades brasileiras. Muita gente não pode se movimentar na cidade porque não tem como pagar passagem. Isso no dia das eleições se transforma em uma taxa alta de abstenção e, portanto, em um desequilíbrio na própria democracia. Mas no cotidiano também representa um desequilíbrio na democracia, à medida em que poder circular livremente pelo território é um elemento básico de constituição de cidadania, que por sua vez também é um fundamento da democracia.

 

* Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade.