Na iminência de uma reintegração de posse, o direito à moradia une moradores e vizinhos da ocupação Douglas Rodrigues, na Vila Maria, SP.
O Observatório de Remoções acompanha desde o ano passado o caso da ocupação Douglas Rodrigues, na Vila Maria, em São Paulo. Em um curto período de tempo, o terreno particular abandonado foi ocupado por aproximadamente duas mil famílias em situação bastante vulnerável, que se integraram à região e hoje contam com o apoio dos moradores e comerciantes do entorno. As crianças da ocupação vão a pé para as escolas da região, muitos moradores trabalham dentro do terreno ou no entorno e também podem ir a pé para seus locais de trabalho. Moradores também criaram o Movimento Independente de Luta por Habitação Vila Maria (MIVM), para atuar especificamente na defesa da ocupação e por melhorias das condições de moradia.
Situada em um terreno de 50 mil m2 próximo à marginal Tietê, no bairro do Parque Novo Mundo, subprefeitura da Vila Maria/Vila Guilherme, a ocupação está a vinte minutos do centro e se insere numa área bem provida de equipamentos públicos, principalmente de educação e saúde. A ocupação, no entanto, carece de saneamento básico, energia elétrica, coleta de lixo, drenagem, água encanada: um cenário não muito diferente de ruas vizinhas no bairro.
Desde agosto de 2013, início da ocupação, os moradores estão constantemente ameaçados de reintegração de posse que, se ocorrer, contará com forte aparato da Polícia Militar.
A área é de propriedade de uma empresa do ramo de empreendimentos imobiliários, mas o imóvel, antes da ocupação, não cumpria com sua função social e estava abandonado havia mais de vinte anos. Contam os moradores vizinhos e comerciantes locais que apóiam o movimento de moradia que, antes da ocupação, o terreno era usado clandestinamente como depósito de lixo e de automóveis roubados.
Segundo a matrícula do terreno, arquivada no 17º registro de imóveis da capital, a empresa proprietária, denominada Ideal Empreendimentos Imobiliários, recebeu o terreno de outra empresa do mesmo ramo de atividades; porém, em decorrência de dívidas fiscais desta e das proprietárias anteriores, a matricula foi bloqueada e foi registrada a penhora, por ordem da Justiça Federal do Estado de Pernambuco. Isto significa que o imóvel torna-se garantia para pagamento da dívida fiscal em processo de execução promovido pela Procuradoria da União.
Contudo, como não há acordo com a empresa proprietária, o poder judiciário não garante segurança para os moradores permanecerem no imóvel; ao contrário, é ponto pacífico na justiça brasileira que, pela condição de titularidade do imóvel, a empresa tem legitimidade para pedir a reintegração de posse. Desse modo, o juiz do caso pode acolher e conceder a medida liminar sem a necessidade de questionar o não exercício da posse, o problema do abandono, da penhora, da função social e do fato de serem os ocupantes os depositários do terreno junto à Justiça Federal.
Essa conduta do judiciário condiz com um absolutismo do direito de propriedade. Caso semelhante ao da ocupação Douglas Rodrigues aconteceu em 2012, na ocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos, quando, não obstante o investidor Naji Nahas possuir dívidas fiscais, não houve nenhum constrangimento por parte do Judiciário em disponibilizar todo o aparato policial disponível para garantia da propriedade.
Diversos recursos judiciais foram utilizados para garantir o direito à moradia dos ocupantes do terreno. A Defensoria Pública e o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos aguardam, ainda, o julgamento de quatro agravos de instrumento ajuizados para garantir o direito à moradia e à segurança das famílias que enfrentam, mais uma vez, a iminência da reintegração de posse.
Para fortalecer a resistência, o Movimento construiu, junto com o Observatório de Remoções, uma metodologia de mapeamento da ocupação. Tal trabalho consistiu na elaboração de uma mapa georreferenciado da ocupação vinculado à aplicação de questionários em cada residência. Desse modo foi possível produzir perfis das famílias que moram na ocupação, buscando investigar em quais escolas as crianças estudam; se os adultos trabalham, qual o tipo de vínculo de trabalho e como vão para o trabalho; onde moravam antes e por que vieram para a Douglas Rodrigues; se desejam continuar ali e por que; se recebem benefícios do governo; e, de modo geral, os vínculos, atividades e equipamentos públicos utilizados no bairro.
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O Observatório contou com a ajuda dos moradores da ocupação e de voluntários, em sua maioria estudantes de arquitetura, que, em duplas, faziam as perguntas do questionário aos residentes e desenhavam a disposição das casas e o acesso a elas no mapa.
Esse trabalho auxilia o movimento a conhecer melhor a situação dos moradores da ocupação e o processo de consolidação da mesma. Entendemos que o mapeamento é um retrato de um momento da ocupação, que se transforma a cada dia, com pessoas chegando e partindo, casas sendo construídas e repartidas constantemente e cada vez mais os vínculos sendo estabelecidos.
Os dados levantados nesse processo de mapeamento estão sendo trabalhados pela equipe do Observatório de Remoções e os resultados renderão novos posts adiante.