Vista aérea da Água Branca, margeada pelo Rio Tietê (Imagem: Google Maps)

CARTA ABERTA

O que a cidade perde com a proposta de revisão da Lei da Operação Urbana Consorciada Água Branca?

Revisão da Lei 15.893/2013 mediante o PL 397/2018

A proposta de revisão da Lei da Operação Urbana Consorciada Água Branca, feita pela Prefeitura, é parte integrante de um processo de revisão de várias leis urbanísticas (Lei de Zoneamento, leis das outras operações urbanas consorciadas), que impactam aspectos centrais do Plano Diretor Estratégico (PDE), que é a lei que define as diretrizes gerais de organização e crescimento da cidade. Estas revisões impactam diretamente a capacidade de planejamento global do PDE. Portanto, não deveriam ser tratadas como revisões pontuais e separadas. Cabe ainda lembrar que tal reivindicação de revisões foi publicamente liderada pelo setor imobiliário, em detrimento dos outros setores da sociedade civil, o que fica claro ao observar os critérios priorizados, como demonstraremos a seguir no que se refere à Operação Urbana Consorciada Água Branca. Destaca-se ainda que o Grupo de Gestão  desta operação, que possui entre as suas atribuições a prerrogativa de indicar revisões legais, em momento algum indicou tal necessidade.

O que está em jogo?

  1. Redução drástica da capacidade de arrecadação e de indução de melhorias urbanas estruturais    

Uma operação urbana tem como finalidade fomentar “transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental de um determinado território (Lei Federal 10257/2001 – Estatuto da Cidade)”. O mecanismo de financiamento dessas transformações (Cepac – Certificado de Potencial Adicional Construtivo) se baseia na cobrança, pela Prefeitura, pelo direito de construir acima de uma vez a área do terreno. Nesse sentido, o preço do Cepac é um aspecto chave de qualquer operação urbana consorciada. Por um lado, se for muito reduzido não é suficiente para financiar qualquer tipo de transformação estrutural; por outro, se for muito elevado, pode gerar um desinteresse dos empreendedores imobiliários em construir naquela área. Por isso mesmo é um objeto de disputa muito grande, como o que estamos presenciando na revisão da lei da Operação Urbana Consorciada Água Branca. Esse virou o principal tema priorizado pela prefeitura na revisão em curso.

Basicamente, a proposta define a redução do valor mínimo do Cepac à metade do valor definido pela lei da operação (Lei 15.893/2013) e, mais que isso, aumenta substancialmente o seu “poder de compra”. Na lei original, na maioria dos setores da operação 1 Cepac correspondia ao direito de construir 1 m² a mais. Na proposta de revisão, em grande parte dos setores 1 Cepaccorresponde a 3,5 m². Na prática, o valor do Cepac foi reduzido a muito mais da metade. Enquanto em alguns lugares o valor do metro quadrado adicional era R$1.500,00 agora passa a ser R$200,00 (redução de 7,5 vezes).

Se essa redução drástica do preço do Cepac levar a uma intensificação da atividade imobiliária na região, como defende a Prefeitura, isso significa que teríamos mais prédios privados com menos investimentos públicos (infraestrutura, mobilidade, áreas verdes, equipamentos públicos…). Mas afinal, qual era o objetivo da operação urbana consorciada? Não era promover transformações urbanísticas, sociais e ambientais estruturais? Reside justamente aí a nossa crítica. Uma redução do valor de Cepac de tamanha magnitude coloca em xeque o próprio sentido de existir uma operação urbana.

  1. Inviabilização das intervenções urbanas & insuficiência dos estudos técnicos que justifiquem  a revisão da lei

Não é preciso falar que a redução do valor do Cepac gera uma redução violenta da previsão geral de arrecadação, minando a viabilidade da totalidade das intervenções previstas em lei. Deve haver uma coerência entre o projeto urbano socialmente acordado e a previsão de arrecadação, sem a qual o programa de intervenções é reduzido a uma mera carta de intenções. Ao mesmo tempo em que a Prefeitura propõe uma redução de arrecadação, não rediscute e revisa o programa de obras, revelando um descomprometimento antecipado com as melhorias acordadas com a população. Embora a Prefeitura assuma o impacto na redução de arrecadação geral, não apresentou em nenhum momento um estudo que demonstre qual a sua dimensão, o que evidencia mais uma fragilidade da proposta.

Além de incompleto, o estudo econômico que balizou a revisão encontra-se desatualizado, o que é fundamentalmente importante, ainda mais considerando o contexto atual de redução da taxas de juros com impactos diretos na dinâmica imobiliária. Minimamente, o processo de revisão deveria incluir a atualização das peças técnicas exigidas pelo Plano Diretor Estratégico (no art.141), que incluem o projeto urbanístico e estudo econômico.

  1. Negligência à opinião da população e aos fóruns legítimos de controle social

Primeiramente, cabe destacar o processo ímpar de mobilização popular que envolve essa operação: participaram mais de 1.600 votantes em cada uma das duas últimas eleições do Grupo de Gestão da operação. Além de contar com a presença dos representantes eleitos, as reuniões do Grupo de Gestão  contam com grande participação de moradores do bairro, refletindo um grande interesse da sociedade civil pelas melhorias nesse território. As audiências públicas também constituem momentos de intenso engajamento, com destaque para a única audiência pública em que foi apresentada a proposta de revisão em curso (em março de 2018), que contou com a presença de cerca de 600 pessoas.

Dito isso, destacamos que tanto nas reuniões do Grupo de Gestão  como na audiência pública em que a proposta de revisão foi apresentada, a maioria dos participantes rechaçou as alterações aqui citadas. Mesmo diante da massiva manifestação contrária, a Prefeitura encaminhou à Câmara Municipal a revisão da lei (PL 397/2018) sem apresentar uma proposta alternativa para os pontos questionados.

Cabe ressaltar que a proposta de revisão foi encaminhada pelo executivo à Câmara de Vereadores  sem conhecimento do Grupo de Gestão, mesmo após insistentes cobranças por parte de seus membros.  A minuta final do PL só foi apresentada ao grupo de gestão após o envio à Câmara, negando o direito de análise do conteúdo ao fórum legitimamente eleito para realizar o controle social da operação, antes de submetê-lo ao legislativo.

Enquanto isso o recurso em caixa continua parado e a população esperando…

Por fim, cabe destacar a nossa perplexidade a respeito da gestão dessa operação urbana consorciada. Há uma evidente priorização da agenda de revisão da lei, em detrimento da execução das obras, muitas das quais já contam com recursos em caixa, terrenos disponíveis e projetos elaborados. Hoje, há R$ 600 milhões parados nos cofres públicos, que já contam com destinação definida (realização de obras de habitação de interesse social, melhoramentos viários e drenagem) e boa parte dos projetos realizada. Cabe destacar a situação de extrema vulnerabilidade em que se encontram as 1.061 famílias que há mais de 10 anos aguardam por tais habitações, sem terem (ainda) um horizonte de tempo claro para serem atendidas.

Os fatores aqui listados são os principais motivos pelos quais o Grupo de Gestão  da operação, além da maioria da população que participou da audiência e as entidades aqui sub assinadas são terminantemente contrários à revisão da lei.

São Paulo, 14 de agosto de 2018

Assinam esta carta,

 

ENTIDADES

Associação Artemis

Associação de Apoio à Infância e Adolescência Nossa Turma

Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo – Ciclocidade

Associação dos Moradores do Conjunto Água Branca

Associação dos Trabalhadores Sem Terra da Zona Oeste e Noroeste

Associação Viva Pacaembu por São Paulo

Associação Nacional dos Empregados da Caixa no Trabalho Social – SOCIALCAIXA

Central de Movimento Populares – CMP SP Capital

Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

Coletivo Lapa Sem Medo

Fórum de Trabalho Social

Fórum Social da Vila Leopoldina

Instituto A Cidade Precisa de Você

Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico

Instituto Casa da Cidade

Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB SP

Instituto Integra para o Desenvolvimento

Instituto Pólis

Instituto Rogacionista Santo Anibal

Laboratório Espaço Público e Direito a Cidade – LabCidade, FAU-USP

Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos – LabHab, FAU-USP

Movimento Água Branca

União dos Movimentos de Moradia de São Paulo – UMM SP

REPRESENTANTES DA SOCIEDADE CIVIL

Adriana Bogajo, representante do Segmento Organizações Não Governamentais com atuação na região no Grupo de Gestão da OUCAB

Ana Carla Pereira, representante do Segmento Moradores e Trabalhadores no Grupo de Gestão da OUCAB

Ana Carolina dos Santos, representante do Segmento Moradores e Trabalhadores no Grupo de Gestão da OUCAB

Antonio Zagato, conselheiro do Conselho Participativo da Lapa

Caio Boucinhas, representante do Segmento Moradores e Trabalhadores no Grupo de Gestão da OUCAB

Carlos Gilardino, conselheiro do Conselho Participativo da Lapa

Dulcinea Pastrelo, representante do Segmento Organizações Não Governamentais com atuação na região no Grupo de Gestão da OUCAB

Emerson da Silva, representante do Segmento Moradores e Trabalhadores no Grupo de Gestão da OUCAB

Erminia Maricato, professora FAUUSP

Gislene Sant’Ana, representante do Segmento Moradores e Trabalhadores no Grupo de Gestão da OUCAB

Guido Otero, arquiteto, pesquisador FAU USP, membro IAB/SP

Ilma Pinho, representante do Segmento Moradores e Trabalhadores no Grupo de Gestão da OUCAB

José de Jesus da Silva, representante do Segmento Movimentos de Moradia com atuação na região no Grupo de Gestão da OUCAB

Jupira Cauhy, representante do Segmento Moradores e Trabalhadores no Grupo de Gestão da OUCAB

Laisa Stroher, representante do Segmento Entidades Profissionais e Acadêmicas com atuação em questões urbanas e ambientais, no Grupo de Gestão da OUCAB

Leonor Galdino, representante do Segmento Moradores e Trabalhadores no Grupo de Gestão da OUCAB

Marcela Barretta, conselheira do Conselho Participativo da Lapa

Maria Elena Ferreira, representante do Segmento Movimentos de Moradia com atuação na região no Grupo de Gestão da OUCAB

Paula Santoro, representante do Segmento Entidades Profissionais e Acadêmicas com atuação em questões urbanas e ambientais, no Grupo de Gestão da OUCAB

Paulo Cauhy Jr., representante do Segmento Moradores e Trabalhadores no Grupo de Gestão da OUCAB

Pedro Nabuco,  conselheiro do Conselho Participativo da Lapa

Ros Mari Zenha, geógrafa, pesquisadora na área do ambiente construído

Severina Ramos, representante do Segmento Moradores e Trabalhadores no Grupo de Gestão da OUCAB

Vanessa Matarazzo, conselheira do Conselho Participativo da Lapa