Débora Ungaretti*, Paula Freire Santoro**

Conselho Gestor de ZEIS não deve legitimar processos de remoção. Eles deveriam ser o início de um processo de planejamento participativo do território, mas têm sido montados para aprovar planos elaborados na esfera técnica. Este é o argumento central da nota técnica elaborada pela Defensoria Pública, pelo LabCidade FAUUSP e pelo Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

Se, desde a reabertura democrática, a regulação das Zonas Especiais de Interesse Social de áreas ocupadas teve como objetivos e princípios norteadores a segurança na posse e a gestão democrática das cidades, na prática, não é isso que vem acontecendo. Um levantamento dos conselhos gestores de ZEIS da cidade de São Paulo feito por Bromfield e Santoro em 2019 levou as autoras a apontar que esses instrumentos de participação social são sistematicamente mobilizados pela Prefeitura para a realização de remoções. Os conselhos, assim, servem apenas como uma etapa formal do processo de remoção, e como apoio à gestão das formas de atendimento habitacional. 

Apoiada no processo de resistência da comunidade Futuro Melhor, na Zona Norte de São Paulo, a nota técnica identifica como os Conselhos Gestores de ZEIS operam para derrubar as garantias para as quais foram concebidos, e propõe caminhos na constituição e condução dos conselhos para que isso não aconteça. 

Constituída na década de 1990 na fronteira da cidade com a mata, a Serra da Cantareira, a Futuro Melhor se forjou na luta coletiva de mulheres por melhores condições de vida e moradia, conforme relato da articulação #AtingidospelaPPP. A sua demarcação como zona especial de interesse social pela regulação urbanística municipal desde o Plano Diretor de 2002 foi uma forma de reconhecimento, pelo poder público, das reivindicações históricas da comunidade pela permanência e urbanização. Esse reconhecimento, no entanto, se deu de forma contraditória. Ao longo das últimas décadas, a consolidação da comunidade se deu a partir da autoconstrução das casas e da construção coletiva dos espaços comuns, contou com investimentos públicos em serviços ou melhorias sempre de forma descontinuada, nos moldes da urbanização a conta-gotas descrita por Rolnik em 2009.

Mulheres trabalhando na construção de uma creche no início da ocupação Futuro Melhor. Fonte: Acervo da Associação Futuro Melhor, 1996.

Em 2018, o lançamento da parceria público-privada da Habitação, promovida pela COHAB-SP, ignorou e atravessou o histórico de reivindicações e de construção coletiva da comunidade com um projeto de remoção para implantação de um parque linear e de empreendimentos habitacionais, cujas condições de acesso impedem a comunidade de ocupar suas unidades. Como se trata de uma área de ZEIS, a Prefeitura deu início à constituição do conselho gestor de ZEIS, condição prevista, inclusive no edital da PPP Habitacional, para realização do projeto na área. 

Um amplo processo de resistência está se dando para evitar que o conselho gestor legitime um processo autoritário de apagamento da comunidade. A articulação #AtingidospelaPPP se formou a partir da rede multiescalar de apoiadoras da Futuro Melhor e de outras comunidades e ocupações ameaçadas de remoção pelo projeto. Do processo de resistência se estrutura também um plano popular, financiado pelo CAU-BR e conduzido pela Associação Futuro Melhor com o apoio das assessorias populares técnicas e jurídicas, FIO e Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, bem como do Br Cidades e de outros apoiadores. 

Nesse contexto é que a nota técnica apresenta condições mínimas para criação e funcionamento do Conselho Gestor de ZEIS de forma a de fato promover de forma democrática a construção de um plano de urbanização, e sem as quais a própria ideia de ZEIS, como historicamente concebida, pode ser completamente descaracterizada. São voltadas a garantir condições materiais de participação da comunidade na formulação de um plano de urbanização, e a vedar a aprovação de projetos que promovam remoções. 

A Futuro Melhor é apenas um das diversas comunidades, ocupações e favelas que estão atualmente ameaçadas pela PPP da Habitação, promovida pela COHAB. Todas elas devem ter o direito à permanência e à urbanização respeitado. 

 

*Doutoranda pela FAUUSP, pesquisadora do LabCidade. 

** Professora doutora da FAUUSP, coordenadora do LabCidade.