Famílias durante o incêndio. Foto: Benedito Barbosa

A ocupação da Avenida Prestes Maia é a maior do Brasil e nesta quarta feira, 21 de novembro por volta das 22h00 teve inicio um foco de incêndio no 6. andar deste gigante edifício de 24 pavimentos. Nenhuma vítima, ninguém se feriu. O que aconteceu?

Desde o incêndio e desabamento do Edifício Wilton Paes, também conhecido como torre de vidro do Largo Paissandu em 01 de maio deste ano, iniciou-se um processo intenso e importante de formação de um grupo de trabalho técnico integrado por membros da defesa civil, da secretaria da habitação da prefeitura de São Paulo e técnicos que assessoram os movimentos de moradia da região central de ONGs e de universidades e seus laboratórios de pesquisa e extensão.

Este processo, como pode-se imaginar foi difícil e intenso, mas deixou algumas marcas, resultados e aprendizados. O GT realizou visitas técnicas em pouco mais de 50 edifícios ocupados pelos sem-teto na região central de São Paulo.

Antes de iniciar as visitas foram pactuados pelo menos três pontos entre poder publico e os técnicos da sociedade civil: o foco do trabalho seria a melhoria das condições de segurança (e não o risco); usaríamos a expressão visitas técnicas (e não vistoria); continuaríamos denominando essas situações de Ocupação (e não Invasão).

Durante a preparação das visitas, as ocupações com movimentos mais organizados adiantaram-se mobilizando recursos próprios para melhoria das condições e segurança. Algumas ocupações ja dispunham de alguns extintores e de mangueiras, mas necessitavam complementações. Outras ocupações precisavam readequar toda a instalação elétrica e outras necessitavam de limpezas, retirada de excesso de materiais com potencial combustível como madeirite, além de outras que necessitavam de desobstrução das rotas de fuga.

Havia, no entanto, um aspecto central que praticamente nenhuma ocupação possuía de forma bem organizada: uma brigada de incêndio treinada e preparada para atuar em caso de emergência. Para a nossa surpresa e alegria a profa. Debora Sanches trouxe em uma noite de reunião na Ocupação Mauá, sua ex-aluna do curso de arquitetura da Faculdade Belas Artes, a Bombeira Civil Ana Flores, que naquela noite de planejamento e preparação para as atividades das visitas técnicas ofereceu-se para a realização de cursos de Brigadistas de Incêndio para as ocupações do centro de Sao Paulo.

Enquanto equipes de engenheiros e arquitetos acompanhavam a prefeitura em visitas e reuniões naqueles meses de maio, junho e julho, a bombeira civil Ana Flores agendou e realizou cursos e treinamento de brigadistas nas ocupações em que era convidada a atuar. Todo esse trabalho por parte dos integrantes da sociedade civil teve um caráter voluntário.

A ocupação Prestes Maia foi uma das ocupações visitadas pelo grupo técnico e onde foi realizado o treinamento de brigadistas de incêndio pela Ana Flores. João, morador e uma das lideranças mais atuantes e presentes participou ativamente tanto das reformas e adequações do prédio quanto do treinamento.

Quando o incêndio teve inicio no sexto andar por volta das 22h, João que conhecia muito bem o prédio e as técnicas mobilizou-se rapidamente. Utilizou os extintores para tentar vencer as primeiras chamas. Lançou mão dos hidrantes que haviam sido testados e tentou combater as chamas. Percebendo que não teria condições de superar o processo àquela altura, mudou a estratégia. Acionou os alarmes e instou todos os moradores a descer e evacuar o prédio. Desceu ao térreo e desligou a chave geral de energia de todo o prédio para evitar novos focos de incêndio a partir do sistema elétrico e imediatamente ligou 193 para chamar os Bombeiros, que chegaram um pouco depois e conseguiram controlar as chamas.

Todos saíram ilesos, muitas crianças, jovens, estudantes, mulheres e trabalhadores, entre deficientes físicos e idosos. O fogo foi controlado e não alastrou-se pelo prédio. Soubemos que João havia perdido sua pequena filha de 4 anos nesta semana – certamente estava abalado psicologicamente, mas foi capaz de utilizar seus conhecimentos para salvar muitas vidas.

A Bombeira Ana Flores elogiou o trabalho de João e dos demais moradores que procederam exatamente como foi orientado nos treinamentos. Um grande susto e ao final, a boa noticia da ausência de vitimas e de maiores consequências.

Ficam aprendizados e a confirmação de uma hipótese que já havia sido levantada ao longo deste processo desde maio de 2018. Todos os prédios em qualquer lugar do mundo, convivem com algum grau de risco. Todos os prédios podem ter suas condições de segurança melhoradas.

A organização, capacitação e treinamento dos moradores e usuários mostrou-se um aspecto central neste caso. Situações em que o conhecimento e o preparo tornam-se ingredientes cruciais para salvar vidas e prevenir tragédias. Que novos processos de melhorias, cursos e treinamentos possam ser realizados. E que as lições da Ocupação Prestes Maia possam servir de inspiração para muitos moradores e usuários dos prédios das cidades brasileiras.

Francisco Comaru, professor associado da Universidade Federal do ABC, integra a coordenação do Observatório de Remoções e do LabJUTA, Laboratório Justiça Territorial da UFABC.