* Por Paula Freire Santoro

Na área da cultura, o novo Plano Diretor Estratégico de São Paulo trouxe alguns avanços, mas ainda é necessário superar alguns desafios  para que os novos instrumentos sejam satisfatoriamente implementados. É preciso, por exemplo, a regulamentação de instrumentos ou, ainda, os desenhos das zonas de preservação, conhecidas como ZEPECs, e do que ficou conhecido como TICPs, os Territórios de Interesse da Cultura e da Paisagem.

Para começar, uma primeira leitura do Plano mostra que todas as macroáreas trazem como objetivo a garantia da dimensão cultural, fundamental para preservar a memória, a identidade e os espaços culturais e criativos, essenciais para a vida das cidadãs e dos cidadãos.

Mas nem só de princípios e objetivos vive um plano. Para cada objetivo é preciso ter instrumentos. No Plano anterior havia as Zonas Especiais de Preservação Cultural (ZEPECs), que reconheceram imóveis e seus entornos; áreas de relevância urbanística; reservas ambientais e paisagens, entre outros elementos que compõem a agenda da preservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental no município.

As ZEPECs são áreas destinadas à preservação, proteção, recuperação e valorização dos bens e áreas de valor histórico, cultural, religioso, paisagístico e ambiental. Envolvem os imóveis ou áreas tombadas pelo patrimônio histórico, cultural e arquitetônico através de leis municipais, estaduais ou federais.

O novo Plano, enfrentando o desafio de preservar os usos culturais com valor de referência para a comunidade, propôs uma revisão dos tipos de ZEPECs. O objetivo foi superar a preservação apenas de imóveis ou bairros, criando áreas de proteção da cultura e memória, com diferentes graus de preservação, traduzidos em novos tipos de ZEPECs ou nos Territórios de Interesse Cultural e da Paisagem – TICPs.

Como novos tipos de ZEPECs, temos:

  • Bens Imóveis Representativos (ZEPEC-BIR) – elementos construídos ou edifícios com valor histórico, arquitetônico, paisagístico, artístico, arqueológico e cultural para toda a comunidade. Aqui estariam as casas bandeiristas, as igrejas, os edifícios históricos, entre outros;
  • Áreas de Urbanização Especial (ZEPEC-AUE) – conjuntos urbanos históricos com características homogêneas de traçado viário, vegetação e ocupação urbana. Aqui estariam, por exemplo, os bairros jardins, cujo conjunto urbano é preservado por órgão do patrimônio histórico;
  • Áreas de Proteção Paisagística (ZEPEC-APPa) – lugares com características ambientais, naturais, como parques, jardins, praças, monumentos, viadutos, áreas indígenas, entre outras;
  • Áreas de Proteção Cultural (ZEPEC-APC) – porções do território de interesse público relacionado ao seu uso ou atividades desenvolvidas, de valor afetivo, simbólico, histórico, memorial, paisagístico e artístico. Sua proteção é necessária à manutenção da identidade e memória da cidade, de seus habitantes e seus modos de vida. Esta é uma novidade que dialoga com um debate que há tempos vem acontecendo na cidade, sobre como preservar regiões da cidade cujos modos de vida possuem um valor afetivo importante para os cidadãos. Para estes casos, o instrumento do tombamento da edificação nunca foi suficiente, por isso criou-se a ZEPEC-APC.

O Território de Interesse da Cultura e da Paisagem (TICP), por sua vez, tem como objetivo evitar a descaracterização de uma área e estimular, através de outros instrumentos urbanísticos e incentivos fiscais, a manutenção dos usos em uma região. Pretende, ainda, ir além disso e valorizar a importância simbólica de um território com lugares significativos para a memória da cidade, além de instituições de relevância cultural e científica.


Mapa: TICP Paulista-Luz

Embora os TICPs devam ser regulamentados por lei específica que preveja formas de gestão democrática e participativa, incentivos fiscais e urbanísticos, e inclusive como será a delimitação de novos territórios, o próprio Plano já instituiu dois deles (ver mapa acima): o TICP Paulista/Luz, que cria um corredor cultural que vai da região da Luz até a Av. Paulista; e o TICP Jaraguá/Perus, que coincide com o Complexo Eco/Turístico/Ambiental, cujo perímetro é hoje formado pelo Centro Cultural da Fábrica de Cimento Portland Perus, pelo Centro Temático da Estrada de Ferro Perus-Pirapora e pelo Parque Anhanguera.

Ainda, o Plano traz uma articulação dos instrumentos urbanísticos com cada tipo de ZEPEC, para além dos instrumentos de preservação cultural, de forma a estimular os proprietários de imóveis para que seja interessante, economicamente, manter os usos culturais em funcionamento na sua propriedade que sejam de interesse da população.

Nas ZEPEC-BIR e ZEPEC-APC, por exemplo, é possível utilizar a Transferência de Potencial Construtivo, obter incentivos fiscais de IPTU e ISS, isenção de taxas e simplificação de procedimentos para instalação de atividades. Nestes casos, os incentivos estão associados à restauração, conservação e manutenção dos imóveis.

Estes instrumentos, em tese, colaborarão para a preservação de usos como os cinemas de rua e teatros na região central, que estão sendo expulsos pelos altos aluguéis impostos por usos mais rentáveis do mercado imobiliário. Nestes casos, não seria necessário tombar o edifício para preservar tais atividades, inclusive porque muitos deles não têm relevância arquitetônica, mas seria sim necessário preservar o uso de atividades coletivas de lazer voltadas para a vida nas ruas (o que hoje não acontece com os cinemas que têm se concentrado nos shoppings centers, cuja relação com a rua é praticamente nula ou permeada pelos carros). O Cine Belas Artes é um exemplo de cinema que ficou um tempo fechado pela pressão por aumento do aluguel, enquanto que usuários e movimentos culturais lutavam por sua manutenção. Se isso acontecesse hoje, talvez o instrumento para esta preservação de uso pudesse ser a ZEPECs-APC, ou ainda o TICP.

Outro exemplo de articulação com outros instrumentos aberto pelo novo Plano Diretor é a possibilidade criada para que tanto as ZEPECs-APC, como os TICPs possam fazer parte ou até mesmo coincidir com os polos que concentram atividades terciárias que devem ser fortalecidas (Polos e Eixos de Centralidade e Polo de Economia Criativa).

*Paula Santoro é arquiteta e urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e coordenadora do projeto ao qual o observaSP é vinculado. Contribuiu com o Movimento pelo Direito à Cidade no Plano Diretor durante seu processo de discussão.