Por Raquel Rolnik*

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Nada como o cinema para falar das coisas mais difíceis diretamente para a alma das pessoas. E nada como um grande filme, merecedor inconteste do Oscar e outros troféus, para conseguir colocar o dedo em praticamente todas as feridas que assolam o país e seus habitantes com graça, sutileza e delicadeza. Meu comentário desta semana na Rádio USP foi sobre o filme Aquarius.

Um dos aspectos mais interessantes tratados na obra do diretor e roteirista Kleber Mendonça Filho é o valor dos lugares. O valor econômico, o dinheiro que o lugar pode gerar, é o único valor possível? A resistência da personagem Clara, interpretada por Sônia Braga, em vender seu apartamento na praia de Boa Viagem, em Recife (PE), traz justamente esses outros valores que também estão presentes no lugar e que podem e devem ser levados em consideração na cidade.

Para além do tema do capital imobiliário, sua força e métodos, o filme também problematiza nossas cidades divididas. A capital pernambucana foi uma das primeiras do país a reconhecer assentamentos precários, trazendo-os para dentro do Plano Diretor por meio da demarcação de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). O mecanismo prometia integrar esses territórios à cidade de maneira definitiva. Mas no filme fica evidente que entrar na comunidade Brasília Teimosa, que fica ao lado da praia de Boa Viagem, ainda é avançar sobre um muro, metaforizado como o esgoto a céu aberto que os personagens têm de atravessar.

Ouçam a íntegra do meu comentário no site da Jornal da USP e não deixem de assistir ao filme!

* Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Publicado originalmente no blog da Raquel Rolnik.