Por Raquel Rolnik

A tal crise climática chegou: a gente sentiu na pele, no nariz, no pulmão os efeitos da mudança do clima. Nas últimas semanas, a cidade de São Paulo enfrentou dias terríveis com muita fumaça, calor e ar seco, que ocorreram com o agravamento dos incêndios que assolaram o Brasil. Diante disso, a pergunta que não quer calar é: ainda é possível fazer algo para enfrentar essa crise climática?

São duas as dimensões no contexto do enfrentamento aos efeitos das mudanças do clima: a mitigação, que é fazer algo para evitar que os efeitos aconteçam de uma forma cada vez mais intensa; e a adaptação, ou seja, pensar em como a vida se transforma para adaptar uma condição onde está cada vez mais calor, o ar está cada vez mais poluído, há cada vez mais partículas na atmosfera…

Ao pensar em medidas de mitigação — já que não queremos um futuro cada vez pior —, é fundamental enfrentar e limitar o que provoca o efeito estufa; e, além do mais, o material particulado na atmosfera, que pode ser entendido como a mistura de vários tipos de poluentes em estado líquido e sólido disperso no ar. As cidades, portanto, estão no centro dessa questão: os transportes e a construção civil são os maiores responsáveis pelas emissões urbanas, já que geram mais da metade dos gases do efeito estufa nas cidades.

No caso do transporte, o principal problema apontado no contexto da emissão de poluentes é a queima de combustíveis fósseis feita pelos automóveis, motos, ônibus e caminhões. “Então vamos substituir por carro elétrico”. Não! Substituir o carro comum por carro elétrico não vai resolver o problema, considerando que um dos vilões de liberação de material particulado na atmosfera é a fricção dos pneus ao tocar o solo, o asfalto. Assim, mesmo aqueles automóveis novos ou elétricos emitem poluentes.

Ou seja, como solução, ou é sistema de transporte público sobre trilhos ou é sistema de transporte público sobre trilhos! Essa é a resposta para a cidade de São Paulo, onde mais da metade da população depende do transporte público para o deslocamento para o trabalho. O modelo de cidade que é dependente dos veículos sobre pneus necessita ser revertido de uma vez! O mesmo afirmamos em relação ao modelo hegemônico de produção da indústria da construção civil e de grandes estruturas (como túneis e viadutos) 100% baseada em uma matriz com altíssimo potencial de emissão e de geração de material particulado, que é o combo cimento + ferro. Esta também é uma matriz que necessita ser revertida, mas que não vemos o mínimo movimento acontecer…

 

(*) Raquel Rolnik é professora na FAUUSP e coordenadora do LabCidade