Por Raquel Rolnik*
Com 60 mil unidades lançadas em 2020, o mercado imobiliário em São Paulo apresentou o melhor resultado na cidade em 17 anos, desde quando o SECOVI, sindicato das incorporadoras e construtoras, começou a registrar o volume de lançamentos e vendas. E a previsão é de que continue crescendo fortemente neste ano.
Em pleno ano de 2020, ano de início da pandemia, com crise econômica, tivemos um crescimento do mercado imobiliário de quase 10%, muito acima do crescimento de qualquer setor. Mas, será que significa que a emergência habitacional que estamos vivendo na cidade finalmente está sendo enfrentada, considerando os números tão positivos de venda de imóveis residenciais?
Sempre que há uma grande oferta do mercado residencial e muitas realizações de venda surge o perigo de cair em falácia, a falácia de que isso significa que a crise habitacional finalmente vai ficar para trás. Grande parte das vezes, é muito pelo contrário.
O crescimento no mercado imobiliário tem muito mais a ver com a dinâmica do mercado financeiro do que propriamente com a dinâmica do mercado residencial. No ano passado inteiro, tivemos uma taxa de juros muito baixa. A taxa Selic chegou a um mínimo histórico de 2% ao ano. Nesse contexto, grande parte dos investimentos de quem tem um capital excedente remuneram muito pouco. Nesse contexto, com uma taxa tão baixa, o capital excedente vai migrar para o setor imobiliário. Por outro lado, as taxas de juros baixas afetam o custo do financiamento de imóveis. Começaram a surgir, portanto, financiamentos com taxas muito atraentes e possibilidades de alta rentabilidade. Além disso, também apareceram no mercado startups imobiliárias que agilizam intensamente o processo de comercialização e locação de imóveis, penetrando em alguns nichos que ainda não haviam sido penetrados.
O resultado é o aquecimento desse mercado. Isso significa que mais gente terá onde morar e não ficará uma situação complexa do ponto de vista de moradia? Não necessariamente.
Analisando os números envolvidos nessa alta, ainda segundo o SECOVI, um pouco menos da metade das unidades lançadas é do chamado “segmento econômico”, imóveis geralmente de 2 dormitórios, situados em sua maioria em bairros periféricos e fortemente sustentados pelo programa Minha Casa Minha Vida, agora rebatizado de Casa Verde Amarela. Houve também uma retomada de lançamentos de imóveis de alto padrão (em torno de 15 mil dos 60 mil imóveis lançados). Mas a grande novidade do mercado são os chamados “compactos”, imóveis de até 1 dormitório com áreas de até 30 metros quadrados de área útil, que abocanharam 33% do mercado e se concentraram no chamado Centro Expandido e apresentam os maiores valores por metro quadrado do mercado paulistano.
Esses não são exatamente imóveis para quem não tinha casa ou não tinha onde morar. Boa parte desta oferta está muito mais relacionada com fluxo de investimento financeiro do que propriamente com uma oferta para quem não tinha onde morar. São imóveis que devem entrar em esquemas de locação, do tipo Airbnb e outras que têm crescido no mercado residencial paulistano, conforme estudos do LabCidade já têm demonstrado.
Resultado: mercado imobiliário aquecido, preços cada vez mais altos, cada vez mais difícil para as pessoas terem um lugar onde morar. Trata-se de uma dinâmica muito estranha, perversa até. Mas muito real, infelizmente.
* Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade. Coluna originalmente publicada no UOL.
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