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Por Aluízio Marino, Benedito Roberto Barbosa, Débora Grama Ungaretti, Isabella Alho, Júlia do Nascimento de Sá, Larissa Lacerda, Raquel Rolnik, Renato Abramowicz Santos, Talita Anzei Gonsales e Ulisses Castro*

No nosso último mapeamento, que cobriu os meses de abril, maio e junho, primeiros meses de pandemia na Região Metropolitana de São Paulo, constatamos um aumento no número de remoções, que contrariam recomendações dos principais órgãos de saúde pública. Agora, na nossa atualização trimestral realizada entre julho e setembro deste ano e, portanto, no segundo mapeamento das remoções durante a pandemia, identificamos um número de novos casos ainda maior do que no levantamento anterior: oito casos de remoção, em plena pandemia — que como sabemos continua.

Esses oito novos casos de remoção registrados impactaram, pelo menos, 285 famílias. Em dois deles (Cristóvão de Salamanca e Parque Sapopemba), não houve a confirmação do número de famílias ou pessoas atingidas. A dificuldade em conseguir informações básicas dos casos, como o número de famílias impactadas ou até mesmo o endereço, é uma questão recorrente ao mapearmos remoções, já que se trata de um  processo histórica e sistematicamente invisibilizado. 

Esta atualização envolveu um número de famílias consideravelmente menor em relação ao mapeamento anterior. Embora não tenhamos confirmado o número de removidos em dois casos, sabemos, no entanto, que não se tratam de casos envolvendo grande número de famílias. Ao analisarmos um a um os processos de remoção, percebemos que revelam questões em torno das quais as remoções têm ocorrido na atual conjuntura: (i) a mobilização da justificativa das restrições ambientais ou de risco, que geralmente estão relacionadas a processos administrativos (e, portanto, sem processo judicial, o que dificulta a possibilidade de defesa dos atingidos), operacionalizados pelas prefeituras; (ii) a forma de fazer remoções aos poucos, de forma paulatina no tempo e no espaço, conformando um ambiente de completa insegurança aos atingidos e reduzindo as possibilidades de organização e resistência, inclusive aos que permanecem no local; e (iii) a importância dos processos de articulação e resistência que tem conseguido parar processos de remoção.

Entre as motivações mobilizadas nos casos em que houve a remoção neste trimestre, observamos que três casos estavam relacionados a restrições ambientais; outros três foram reintegrações de posse; e um caso relacionado à ocupação recente em faixa de domínio, no município de Diadema. Cabe salientar que em um dos casos (Parque Sapopemba) ocorreram  dois eventos com remoção forçada de famílias ao longo do trimestre.

Já em relação aos novos registros de ameaça de remoção, dez são referentes a casos novos e duas são denúncias de ameaças anteriormente mapeadas, mas que tiveram atualizações. Foram levantadas ao menos 1454 famílias ameaçadas, contabilizadas em 8 casos, sendo que 3 deles — Vila Monte Sion, Zaíra 4 e Manuel de Teffe — não possuem informações do número de ameaçados. Dentre esses casos, cinco são reintegrações de posse; seguidos de três casos relacionados à implementação de obras públicas; e três casos de área de risco. Entre as novas ameaças, três acontecem em São Paulo, quatro no ABC, uma em Suzano, uma em Mogi das Cruzes e uma em Guarulhos.

Recentemente, temos acompanhado diversos casos (sobretudo nos municípios de São Bernardo do Campo e ainda mais recentemente em São Paulo) de remoções realizadas pelas prefeituras municipais de forma administrativa mobilizando justificativas relacionadas a restrições ambientais, área de risco ou fiscalização de novas ocupações. Tais casos tendem a uma maior invisibilidade, já que não constam nos bancos de dados públicos, muitas vezes sequer possuem a atuação de entidades que realizam a defesa. São exemplos da forma de fazer remoções aos poucos, conforme mencionado anteriormente. Entre os sete casos de remoção apontados neste levantamento, três aconteceram desta forma, sendo que no Parque Sapopemba, zona leste de São Paulo aconteceram duas remoções administrativas envolvendo poucas famílias ao longo deste trimestre. 

Além desses, um dos casos que consta na atualização como ameaça, o Jardim Regina, localizado em São Bernardo do Campo, resistiu a duas tentativas de remoção administrativas capitaneadas pela Secretaria de Habitação do município ao longo deste trimestre. Moradores, movimentos e entidades se articularam para impedir a demolição de casas sem ordem judicial para tanto. No Morro da Formiga, apesar da remoção de duas casas, a mobilização dos atingidos também conseguiu evitar que mais famílias perdessem suas moradias em meio à pandemia. O mesmo aconteceu no Jardim Aeroporto, em Mogi das Cruzes.

Para além das articulações locais de resistência aos processos de remoção, neste trimestre também foi lançada  a Campanha Despejo Zero, envolvendo mais de cem entidades, movimentos, coletivos e organizações que se articularam para exigir a suspensão dos despejos e remoções durante a pandemia, no campo e nas cidades do país. Lançada nacionalmente no dia 23 de julho, a Campanha já conseguiu realizar uma série de ações e intervenções que vêm fomentando o fortalecimento dos atingidos, bem como as articulações que já existiam. No estado de São Paulo, por exemplo, levantou-se que, neste trimestre, houve ao menos seis casos de suspensão de remoções, sendo cinco na RMSP e um no interior, por conta da ação e incidência construídas em colaboração com a Campanha.

Podemos afirmar, portanto, que sem a mobilização e articulação locais, regionais e nacionais (e até internacionais) fortalecidas pela e organizadas em torno da campanha, o número de casos de remoções seria ainda maior. #DespejoZero!

*Pesquisadoras/es da equipe do Observatório de Remoções