Por Carolina Almeida* e Denise Morado**

As políticas públicas de intervenção e reestruturação dos territórios têm sido, na maior parte das vezes, ineficazes e excludentes diante da realidade social, econômica e política das cidades brasileiras atuais. Argumentos técnicos e institucionais, balizadores dos processos de tomada de decisão e utilizados no planejamento urbano, acabam por validar ideias e indicadores que reduzem a vida cotidiana a questões genéricas e universais (estruturados pelo modelo de análise problema-diagnóstico-solução), insuficientes para a compreensão das singularidades, diversidades e desigualdades dos territórios.

Amparados pelas teorias de Ricardo Sanín-Restrepo e Pierre Bourdieu, elaboramos a plataforma Leitura do lugar a partir de argumentos e resultados de pesquisas que têm os seguintes pressupostos: (i) a dominação se dá onde o poder é exercido por aquele que captura a linguagem dos que produzem diferença e impõe esquemas qualificados e codificados (portanto, encriptados) de unidade e de identidade da linguagem; (ii) a violência simbólica opera essencialmente na e pela linguagem, como origem e manutenção de exclusão.

Inferimos, que o diagnóstico urbano é mecanismo de encriptação da linguagem, em que moradores da cidade são ocultados por meio de práticas legitimadas e consolidadas por especialistas (Estado, entidades, universidades, instituições intergovernamentais, etc.), que não incorporam olhares, vivências e percepções daqueles que moram e ocupam os territórios. A prática operada pelo uso da linguagem, atrelada aos significados das palavras e ao modo como os outros agem de acordo com o uso das palavras e as relações de poder, constitui-se em jogo de linguagem. A plataforma Leitura do lugar, assim, propõe representar outra abordagem teórico-metodológica sobre o território onde o olhar técnico-institucional é deslocado, subvertendo o jogo de linguagem vigente do diagnóstico urbano.

Síntese teórica para outro jogo de linguagem. Fonte: PRAXIS-EA/UFMG, 2019

Para contrapor a lógica do diagnóstico e construir outro jogo de linguagem, elaboramos 13 linhas de análise que surgiram no campo, a partir das narrativas de moradores. Como primeiro território a compor a plataforma, escolhemos a Vila Mariquinhas, por se inserir em processos de disputas e reconfigurações econômico-territoriais que ocorrem no eixo norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte, por integrar planos gerais de planejamento público municipal e por possuir uma menor escala de análise territorial.

Linhas de Análise. Fonte: PRAXIS-EA/UFMG, 2019
Cruzamento de dados institucionais e de pesquisas. Fonte: PRAXIS-EA/UFMG, 2019

Realizamos entrevistas com moradores da vila, posteriormente transcritas, sistematizadas e organizadas na plataforma, que possibilita: (i) o gerenciamento das fontes de informação e aplicação de mecanismos de busca, a partir dos lugares e da proposta teórico-metodológica das linhas de análise; (ii) organização das informações qualificadas e representação da leitura do território, amparada em narrativas, fotografias, mapas e montagens, integralmente coletadas em visitas no campo.

Capturas de telas da plataforma em operação

Mesmo cientes de que as informações obtidas na Vila Mariquinhas são limitadas, a plataforma potencializa-se como modo que cada morador lê o seu lugar, para muito além das categorias-conceitos e indicadores-índices construídas por outros. Portanto, constitui-se como proposta de desencriptação da cidade por meio da inserção de outro jogo de linguagem na arena política. É preciso evidenciar que nossa proposta não objetiva retratar o território, mas demonstrar a complexidade das dinâmicas urbanas, comumente encriptadas.

Este trabalho apresenta argumentos e resultados frutos das pesquisas realizadas por:
Profa. Dra. Denise Morado Nascimento: (i) “O sistema de exclusão na cidade neoliberal brasileira” (Pós-Doutorado, Instituto Geociências – IGC/UFMG, e Programa Residente do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares – IEAT/UFMG)

PRAXIS-EA/UFMG: (ii) “Ocupações, remoções, despejos e resistências: intervenções territoriais na produção das metrópoles”; (iii) “Territórios populares: reestruturação territorial, desigualdades e resistências nas metrópoles brasileiras”
Carolina Almeida: (iv) Trabalho de Conclusão de Curso EA/UFMG – [Re]Pensar o jogo de linguagem no território;
Pesquisadores PRAXIS-EA/UFMG: Denise Morado, Daniel M. de Freitas, Mauricio Lage, Renata Salas, Marina Lima, Carolina Almeida, Marcos Dias e Thais Melo. Participantes: Daniel Braga, Eduarda Assis, Gabriel Nascimento, Philip Weimann e Wallace Iglessias.
Oficina Leitura do Lugar: Barbara C. B. Ferreira, Bruna L. Bueno, Clarice F. Fialho, Danieli C. Wollmann, Isabela M. R. Lara, Lilian J. R. Cunha, Leo Scharfmann, Raul de O. Silva, Stefane E. S. de Carvalho, Thais G. de M. Camargos e Vinicius P. Pereira
Colaboradores: Thaís Nassif e Estudantes EEMCC Geografia 2o ano Ensino Médio, Profa. Daniela Silva.

* Carolina Almeida é graduanda do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMG e pesquisadora do grupo PRAXIS-EA/UFMG.
** Denise Morado é Professora Associada da Escola de Arquitetura da UFMG e coordenadora do grupo PRAXIS-EA/UFMG