Paula Victória de Souza, Henrique Canan, Paula Freire Santoro e Laisa Stroher*

Demolição no entorno da Estação Brooklin, região da Operação Urbana Consorciada Águas Espraiadas (Foto: Paula Santoro, 2022)

No dia 19 de outubro, de forma presencial, algumas investigações desenvolvidas no LabCidade foram apresentadas na etapa da FAUUSP no 30º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP (SIICUSP). Destacamos aqui duas delas, que estão inseridas em um grupo de estudos sobre a relação da produção imobiliária com a regulação urbanística e a política habitacional em São Paulo, atualmente em andamento.

Uma análise trata da dinâmica imobiliária nos Eixos de Transformação Urbana, considerados territórios de intensificação da transformação urbana na última década, antes e depois de 2014, quando foram previstos pelo Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2014 e depois transformados nas Zonas de Estruturação Urbana (ZEUs) da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de 2016. Outro estudo tratou da dinâmica imobiliária no Centro, recortando o território do perímetro do Projeto de Intervenção Urbana Setor Central (PIU-SCE), aprovado em 2022, como revisão da Operação Urbana Centro.

Ambas as análises procuram compreender quais são os incentivos da regulação para produção de habitação de interesse social (HIS) e de mercado popular e se estes estão sendo mobilizados para essa finalidade. Para isso, analisou-se a expansão da produção de imóveis de preço até R$ 240 mil, equivalente ao teto do valor do imóvel financiado pelo Programa Casa Verde e Amarela na Região Metropolitana de São Paulo, e entre R$ 240 mil e R$ 350 mil, segmento classificado como econômico, segundo a EMBRAESP (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio) em valores atualizados para 2019. O foco nestas faixas de preço também se deu face ao crescimento destes produtos nos últimos anos, responsáveis por alavancar um “mini boom” imobiliário, concentrado na cidade de São Paulo, como já trataram autoras como Carolina Pozzi e Letícia Sígolo.

Duas pesquisas de iniciação científica deste grupo foram apresentadas no SIICUSP deste ano por alunos de graduação da FAUUSP, orientados pelas professoras Paula Freire Santoro e Laisa Stroher. Uma delas é do graduando do terceiro ano de arquitetura e urbanismo Henrique Giovani Canan intitulada “Cartografias desiguais e combinadas: múltiplas dimensões dos conflitos socioterritoriais acentuados no centro de São Paulo durante a pandemia”. 

No trabalho, o Projeto de Intervenção Urbana Setor Central (PIU-SCE) aprovado em 2021 ganhou destaque, uma vez que sua recente aprovação pelo governo de São Paulo trouxe como principal argumento a questão do incentivo à produção habitacional via mercado. Essa estratégia de incentivos já existia de forma semelhante antes da aprovação desse PIU, portanto Henrique analisou a produção imobiliária realizada até então, a fim de problematizar se essa estratégia replicada teria condições de produzir habitação a preços acessíveis.

Em linhas gerais, os dados permitiram aferir que entre os anos de 2010 e 2017 houve um aumento no percentual de imóveis com valor acima de R$ 500 mil, representando mais da metade dos lançamentos até 2014, o que se relaciona com um retorno das classes mais abastadas ao centro.

Por outro lado, entre 2017 e 2019, houve uma tendência de aumento expressiva no número de unidades com valor até R$ 240 mil, que poderiam ser entendidas como mais acessíveis financeiramente, se não fosse pelo aumento no preço médio do m², que foi de 96% entre 2006 e 2019, o que é explicado em parte pela queda no tamanho das unidades, que foi de quase 30% no mesmo período, chegando a uma média de área útil de 32 m² em 2019.

Espacialização dos lançamentos imobiliários no PIU-SCE por faixa de preço de 2006 a 2013 (Mapa: Henrique Canan, 2022)

 

Espacialização dos lançamentos imobiliários no PIU-SCE por faixa de preço de 2014 a 2016 (Mapa: Henrique Canan, 2022)

Espacialização dos lançamentos imobiliários no PIU-SCE por faixa de preço de 2014 a 2016 (Mapa: Henrique Canan, 2022)Dessa forma, pode-se concluir que a produção de habitações até 2019 na área do PIU-SCE não atende a real demanda entre as diversas formas de morar no centro de São Paulo. Grande parte dos imóveis que se enquadram na faixa de HIS são unidades pequenas e com oferecimento de serviços pey-per-use, sendo crescente o número dessas unidades vendidas para investimento e serviços de aluguel. Ainda, é possível observar um vetor de encarecimento vindo das bordas sudoeste, com surgimento de unidades de alto padrão. Assim, confirma-se o descompasso, que a produção imobiliária não parece estar voltada ao atendimento da população que realmente mais precisa de moradia na região central.

O outro trabalho, da aluna do oitavo semestre do curso de arquitetura e urbanismo Paula Victória S. G. de Souza, é o intitulado “Estudo da produção imobiliária financeirizada nos Eixos de Estruturação Urbana do Plano Diretor Estratégico”. O projeto analisou como se deu a produção imobiliária financeirizada nos Eixos de Estruturação Urbana do Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2014 e Zonas de Estruturação Urbana (ZEUs) da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS) de 2016.

Através das análises espaciais e quantitativas realizadas, usando como base os dados de lançamentos imobiliários da EMBRAESP, entendeu que o objetivo do eixo, que é adensar construtivamente as regiões melhor servidas de transporte de média e alta capacidade, e mais próximas da oferta de empregos, transformou quadras inteiras, na escala de um projeto urbano para a cidade. Os mapas nos diferentes eixos mostram que esta produção variou, a depender do território onde o Eixo incide e da dinâmica imobiliária existente anteriormente na região.

A pesquisadora realizou trabalho de campo no entorno da estação de metrô da Linha Lilás, a estação Brooklin, escolhida dentro de um conjunto de áreas interessantes para a pesquisa, devido à quantidade de lançamentos e demolições, e também da presença de tipologias frequentemente encontradas ao longo dos eixos de metrô, que parecem ter se aproveitado dos incentivos de construção.

As análises quantitativas mostraram que esse eixo passou em 2019 a ser um dos que tem o maior número de empreendimentos lançados, totalizando 75 edifícios residenciais verticais compreendendo 655,7 novas unidades por km². Nesse perímetro, 75,3% das unidades lançadas entre 2014 a 2019 apresentam faixa de preço maiores que R$ 500 mil reais, acima do chamado “segmento econômico” que tratam das unidades habitacionais com preços até R$ 350 mil.

EIxo Linha Lilás do Metrô – lançamentos imobiliários de 2014 a 2019 por faixa de preço total da unidade. Elaboração (Mapa: Paula Victória dos Santos Gonçalves de Souza, 2022)

 

EIxo Linha Lilás do Metrô – lançamentos imobiliários de 2014 a 2019 por faixa de preço de m2. Elaboração (Mapa: Paula Victória dos Santos Gonçalves de Souza, 2022)

 

O trabalho de campo permitiu compreender a estruturação das vendas das unidades produzidas com incentivos de habitação de interesse social. 

Em conversa realizada com os corretores de vendas em diferentes lançamentos na região, eles contam que as unidades de HIS nos empreendimentos lançados não são destinadas de fato às famílias de baixa renda, pois a forma de financiamento exige um pagamento considerável na entrega das chaves, exigindo um avalista que o garanta, sem falar que a prestação mensal varia, mas fica próxima de R$ 1 mil, e considerando que nos financiamentos tradicionais a prestação deve corresponder a 30% da renda mensal familiar no máximo, a renda a ser comprovada segue sendo alta, exigindo novamente um avalista para a operação. Dentre as falas, aparece esta: “Aqui não é Casa Verde e Amarela, é outra ‘pegada’, são unidades de alto padrão, aqui não compra ninguém que é de HIS. Tem muito empresário comprando duas, três unidades (dos estúdios enquadrados como HIS) para investir”.

As pesquisas ainda estão em andamento e as próximas etapas deverão aprofundar as análises já apresentadas.

 

* Paula Victória de Souza e Henrique Canan são estudantes na FAUUSP e pesquisadores de iniciação científica no LabCidade; Paula Freire Santoro é professora na FAUUSP e coordenadora do LabCidade; e Laisa Stroher é professora na FAU-UFRJ e pós-doutoranda na FAUUSP.