O documento abaixo foi produzido pelo Movimento pelo Direito à Cidade no Plano Diretor de São Paulo, em dezembro de 2013, com o objetivo de contribuir com o processo de revisão do plano que estava em curso na Câmara Municipal.

Surgido no âmbito do processo de revisão do plano, o movimento reúne diversas organizações, associações e coletivos que buscaram analisar, debater e propor conjuntamente contribuições ao novo plano diretor.

Movimento pelo Direito à Cidade no Plano Diretor

O projeto de lei do novo Plano Diretor, encaminhado pela Prefeitura de São Paulo à Câmara Municipal, traz algumas diretrizes e propostas muito importantes para a cidade como, por exemplo, a priorização do transporte público para a mobilidade urbana, a reorganização das densidades da cidade de acordo com os eixos de transporte coletivo de massa e o reequilíbrio dos usos no território entre a oferta de trabalho e o local de moradia.

Entretanto, tal como está formulado, o plano corre o risco de reiterar o histórico padrão de segregação urbana na cidade de São Paulo. Não são introduzidos instrumentos claros de ruptura com a lógica da produção de periferias e da expansão urbana predatória, que pressiona os mananciais e áreas ambientalmente sensíveis, e também não são contemplados adequadamente os grupos urbanos mais vulneráveis, a população de menor renda e o comercio de pequena escala.

A proposta do novo Plano Diretor ainda não supera o paradigma do automóvel, ao ignorar os modos não motorizados como possível padrão de mobilidade, assim como não contempla a heterogeneidade e diversidade dos territórios da cidade, ao considerar apenas os potenciais construtivos e os usos como elementos balizadores do seu processo de transformação. Favorece, assim, um olhar tecnicista e econômico aliado a grandes investimentos na cidade, com pouca ou quase nenhuma atenção a seus aspectos culturais, afetivos e educativos, e de uso dos espaços públicos, que hoje demarcam os territórios urbanos com novas práticas sociais.

O Plano Diretor em discussão propõe áreas mistas mais adensáveis ao longo dos eixos de transporte coletivo, mas pouco avança nas formas de transformar o adensamento construtivo em adensamento populacional de maneira heterogênea e includente, respeitando as especificidades socioculturais e ambientais das diferentes partes do território.

A democratização da gestão da cidade – entendida como ampliação da esfera decisória dos projetos políticos e do controle social de sua implementação – e o efetivo cumprimento da função social da propriedade ainda são lacunas a serem superadas pela proposta do Plano Diretor, que não define as formas de controle e participação social, sobretudo nos principais instrumentos de intervenção na cidade.

Finalmente, o plano não prevê dispositivo específico para salvaguardar direitos de população de baixa renda e submetida a situações de vulnerabilidade no caso de remoções forçadas decorrentes de obras e políticas públicas, ao não introduzir  dispositivos que melhorem as condições de vida das populações atingidas.

O Movimento/Coletivo pelo Direito à Cidade no Plano Diretor de São Paulo, aqui constituído, reivindica a inclusão das propostas descritas na plataforma detalhada a seguir:

PROMOVER A DEMOCRATIZAÇÃO, DIVERSIFICAÇÃO E EQUILÍBRIO SOCIOAMBIENTAL NO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DA CIDADE
INCLUSÃO SOCIOTERRIOTRIAL NOS EIXOS DE ESTRUTURAÇÃO DA TRANSFORMAÇÃO URBANA

  • Demarcação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e autoaplicabilidade da Cota de Solidariedade de forma a garantir no mínimo 30% do potencial construtivo previsto para os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana para Habitação de Interesse Social (HIS);
  • Garantia do reassentamento das populações atingidas pelas intervenções de transporte público dentro do perímetro dos Eixos;
  • Desestímulo do avanço da ocupação nas áreas de mananciais através da delimitação de parques e áreas de proteção, de incentivos à usos compatíveis com a produção de água, da delimitação de área rural e por meio da delimitação de ZEIS e aplicação da Cota de Solidariedade nos eixos que atravessam a Macrozona de Proteção e Recuperação Ambiental;
  • Estratégias para garantir existência de áreas livres dos eixos de adensamento e cotas para espaço público;
  • Criação de instrumentos que garantam a utilização dos espaços públicos às atividades socioculturais e ambientais locais, ao pequeno comércio e ao comércio ambulante;
  • Restrição aos grandes empreendimentos comerciais – dependentes de automóveis – e estímulo ao pequeno comércio;
  • Restrição total as vagas de estacionamento;
  • Diferenciação dos padrões de ocupação dos eixos de acordo com as macroáreas, a capacidade de suporte dos modais de transporte e as características urbanísticas, culturais e ambientais existentes nos territórios pelos quais atravessa.

REGULAR AS ÁREAS NÃO CONTIDAS NOS EIXOS DE ACORDO COM AS DIRETRIZES GERAIS DA POLITICA URBANA
CONTROLE DO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO NA CIDADE

  • Fim dos instrumentos urbanístico de exceção tais como Concessão Urbanística e Áreas de Intervenção Urbana;
  • Fim das áreas não computáveis para efeito do cálculo do coeficiente de aproveitamento;
  • Utilização do Fator de Planejamento por uso, de acordo com os diferentes objetivos, no cálculo da Outorga Onerosa;
  • Regramento para associar o uso de potencial construtivo adicional à produção de espaço público e habitacional;
  • Previsão de zonas especiais para pequeno comércio e perímetros específicos nos espaços públicos para o comércio ambulante;
  • Controle do tamanho máximo das áreas e das frentes comerciais;
  • Garantia da autoaplicabilidade dos instrumentos urbanísticos que visem o cumprimento da função social da terra como IPTU Progressivo no Tempo, PEUC, Instituto do Abandono.
  • Exigência de aumento de áreas permeáveis em grandes empreendimentos e estacionamentos (existentes e novos);
  • Revisão da dispensa do Estudo de Impacto de Vizinhança em caso de realização do Estudo de Impacto Ambiental;

PRIORIZAR O ATENDIMENTO HABITACIONAL DA POPULAÇÃO DE 0 A 3 SALÁRIOS MÍNIMOS

  • Revisão dos percentuais destinados às diferentes faixas de renda nas ZEIS – de acordo com o déficit do município – e atendimento público prioritário à faixa de renda mais vulnerável (0 a 1 S.M.)
    • Dividir a Faixa 1 em 1A (0 a 1 S.M.) e 1B (1 a 3 S.M.), a fim de se garantir o atendimento e a definição de demanda para a faixa de renda mais vulnerável;
    • Ampliar a destinação para HIS em todas as ZEIS, de acordo com o déficit habitacional do município;
    • Retirar HMP de ZEIS 1 e 4, já que estas ZEIS tem como função a manutenção da população residente, cuja renda não ultrapassa o limite de 6 S.M.;
    • Incluir um percentual mínimo para ‘outros usos’ a fim de garantir a manutenção do pequeno comércio nas áreas ocupadas.
  • Definição de uma política habitacional de locação social específica para a população de renda mais baixa e assentados em logradouros e praças públicas;
  • Regulamentação do instrumento da Cota de Solidariedade para produção e HIS
  • Respeito ao direito de posse dos moradores de assentamentos informais, inclusive nos processos de remoção;
  • Estabelecimento de normas de uso e ocupação do solo que garantam a existência de espaços socioprodutivos nos EHIS e promovam a diversificação de usos em seu entorno.

PRIORIZAR PEDESTRES, CICLISTAS E USUÁRIOS DE TRANSPORTE COLETIVO

  • Estímulo à reestruturação da rede de transporte público de modo a promover ligações entre bairros;
  • Instituir órgão responsável pela formulação e implementação da política para veículos não motorizados e pedestres;
  • Garantir a circulação segura de bicicletas e outros veículos não motorizados em todas as vias da cidade, seja através de construção de infraestrutura específica ou da promoção de medidas que facilitem o compartilhamento com os demais veículos;
  • Definição no Plano Diretor de uma rede estrutural de transporte cicloviário articulada aos demais modais de transporte urbano, equipamentos públicos e centralidades;
  • Definição de diretrizes, componentes e ações estratégicas para o sistema de circulação de pedestres;
  • Garantia de fonte de recursos para implementação de infraestrutura cicloviária e de pedestres (FUNDURB e/ou FMDT)
  • Desestímulo ao uso do automóvel com a restrição de vaga de garagem, consolidação dos corredores e faixas exclusivos de transporte público, política de restrição de estacionamento em vias e definição dos estacionamentos como áreas subutilizadas.

AVANÇAR NA PARTICIPAÇÃO E NA EFETIVIDADE DO CONTROLE SOCIAL

Existem muitos espaços participativos, mas poucos espaços de caráter decisório de fato e pouco controle social. Neste sentido, faz-se necessário:

  • Garantia do espaço de participação nos processos decisórios, inclusive na definição das pautas particularmente no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano;
  • Transparência e controle social dos conselhos de gestão dos fundos, particularmente FUNDURB e conselhos de Operações Urbanas com composição paritária e maior participação da sociedade civil;
  • Assessoria técnica independente para os conselhos para apoiar os conselheiros da sociedade civil; e divulgação didática prévia de todo o conteúdo dos projetos
  • Ampliação da participação social na composição dos conselhos participativos;
  • Ampliação de acesso à informação
  • Previsão da exigibilidade de Estudo de Impacto Social em obras de infraestrutura, projetos de regularização fundiária e urbanística, e outras intervenções que provoquem deslocamento de moradores, alteração do perfil de bairros e outros impactos significativos;
  • Obrigatoriedade de formação imediata de Conselhos Gestores desde a etapa de elaboração do projeto sempre que houver qualquer intervenção, pública ou privada, sobre os perímetros de ZEIS 1.
  • Criação de instâncias de integração e articulação das políticas setoriais, das políticas públicas e prestadoras de serviços e dos representantes nos diversos conselhos da cidade em Núcleos Regionais de Planejamento abertas à participação de toda população.
  • Estabelecer formas de controle popular sobre as Parcerias Público Privadas em todas as formas dessa associação, com ampla participação das populações afetadas.


Assinam este documento:

Arquitetura da Gentrificação
Associação Anjos da Paz
Associação Conde de São Joaquim
Associação dos Moradores da Comunidade Pantanal Zonal Sul
Associação dos Moradores e Amigos da Santa Ifigênia e Luz – AMOALUZ
Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste
Associação Estrela Guia da Região Sudeste
Associação Habitação e Dignidade – AHD
Associação Nova Heliópolis
Bike Anjo São Paulo
Central de Movimentos Populares – CMP
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos – CGGDH
Cidades Para Pessoas
Coletivo Perifatividade
Coletivo Prestando Contas
Conselho Gestor da ZEIS 3 C 016 Sé: Representantes da moradia
Ciclo ZN
Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo
Defensoria Pública do Estado de São Paulo – Núcleo de Habitação e Urbanismo
Escritório Modelo – Dom Paulo Evaristo Arns (PUC São Paulo)
Fórum de Ambulantes da Cidade de São Paulo
Fórum Suprapartidário por uma São Paulo Saudável e Sustentável
Frente de Luta pela Moradia – FLM
Grupo de Articulação De Moradia Para o Idoso da Capital – GARMIC
Instituto de Lutas Sociais – ILS
Instituto CicloBR de Fomento à Mobilidade Sustentável
Instituto Pólis
Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos – LabHab (FAU-USP)
Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade – LabCidade (FAU-USP)
Mootiro Maps
Movimento Apropriação da Luz
Movimento de Defesa Do Favelado – MDF
Movimento de Habitação e Ação Social – MOHAS
Movimento de Moradia da Cidade – MMC
Movimento de Moradia da Região Centro – MMRC
Movimento de Moradia Para Todos – MMPT
Movimento Nacional da População De Rua
Movimento Nacional de Luta Pela Moradia – MNLM
Movimento Sem Terra Leste 1
Movimento Sem Teto da Zona Oeste e Noroeste
Movimento Sem Teto do Heliópolis
Pedal Verde
Secretaria Executiva da Rede Nossa São Paulo
União dos Movimentos de Moradia – UMM
União dos Movimentos de Moradia Independente da Zona Sul – UMMZIS
União Independente da Zona Sul – UIZ SUL1
Unificação das Lutas De Cortiços E Moradia – ULCM