No terceiro trimestre de 2021, o Observatório de Remoções registrou 9 remoções na Região Metropolitana de São Paulo. Conflitos em torno da posse e risco protagonizam as disputas que levaram às remoções, promovidas por meio de reintegrações de posse (5) ou de procedimentos administrativos extrajudiciais (4). Também aconteceram 4 incêndios, em uma favela e três ocupações em áreas periféricas de São Paulo, que destruíram casas e deixaram mais pessoas sem moradia. Com isso, ao menos 607 famílias foram impactadas – o número é ainda maior, já que em parte dos casos não foi possível identificar o número de famílias removidas. Outras 2.029 famílias estão ameaçadas de remoção, somando os 16 casos registrados nesse período. A maioria das ameaças envolve disputas em torno da posse, nas quais pessoas, entes públicos ou empresas reivindicam a área em processos de reintegração de posse – muitas vezes em comunidades e bairros consolidados, outras em ocupações recentes.

Os incêndios, embora possam ter causas específicas em cada caso, se relacionam à negligência histórica do poder público na implantação de políticas sociais e de habitação, somadas às condições precárias de moradia sob as quais a população tem sido cada vez mais submetida com o agravamento da crise econômica. Em julho, o fogo causou graves danos materiais na comunidade do Parque do Gato, no Bom Retiro, e na ocupação Moreira Neto, em Guaianases. Já em agosto, incêndio na ocupação Nova Esperança deixou mais de 80 pessoas sem casa, roupas e alimentação. No mesmo mês, a ocupação Morumbizinho também foi atingida.

As remoções também compõem esse cenário de emergência urbana: na cidade de São Paulo, a maioria das remoções foi de ocupações formadas na pandemia, promovidas por reintegrações de posse – ou pelas subprefeituras, de forma extrajudicial. Revelam o descumprimento, por parte dos governos e do próprio judiciário paulista, da decisão do Supremo Tribunal Federal na ação que questionou a constitucionalidade das remoções na pandemia, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828. As remoções extrajudiciais violam, ainda, a Resolução Nº 17 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos.

Cada incêndio e remoção pode levar ao surgimento de novas ocupações, no centro ou nos extremos das cidades, como na Zona Norte (ver a história de uma delas aqui) e na Zona Leste (caso de uma recente formada por cerca de 150 famílias no distrito de Vila Prudente). De julho a setembro de 2021, foram identificados ao menos 13 casos de ocupações formadas durante a pandemia, seja por estarem ameaçadas de remoção (8 delas estão nessa situação), seja por terem sido efetivamente removidas (5 delas foram removidas). São ocupações formadas, em grande parte, por removidos, despejados e deslocados da pandemia, muitas delas localizadas em áreas de preservação ambiental. Nesse sentido, foram registradas diversas ameaças e remoções no entorno de represas, tanto na Zona Sul de São Paulo, quanto na região do ABC, especialmente em São Bernardo do Campo, zona demarcada como de preservação ambiental; mas ocupada por assentamentos marcados por precariedades urbanísticas que acaba figurando entre as possibilidades de sobrevivência da população mais impactada pela crise.

Esse cenário também foi agravado pelo aprofundamento de conflitos pelo solo urbano que se estendem há mais tempo em áreas de transformação urbana. A consequência direta tem sido a substituição da população local dessas regiões, majoritariamente negras e populares, caso por exemplo no Centro de São Paulo, onde durante a pandemia a Prefeitura removeu duas quadras inteiras que estavam ameaçadas de remoção desde 2017 para implantação da parceria público-privada da habitação. A região é fronteira do avanço imobiliário, promovido e incentivado pela Prefeitura por meio de isenções e incentivos fiscais e alterações de parâmetros urbanísticos, como o Triângulo SP, de 2020, o Programa Requalifica, de 2021, e o Projeto de Intervenção Urbana Setor Central (PIU Central), este último ainda em tramitação na Câmara. Segue, portanto, como foco de disputa imobiliária que tende a se acirrar ainda mais nos próximos meses, com a pressão pela aprovação do PIU Central e pela regulamentação e análise de projetos de empreendimentos amparados na nova lei de retrofit.

De forma similar, a Vila Andrade, um dos distritos de maior expansão imobiliária dos últimos 25 anos, aparece mais uma vez no mapeamento com concentração de ameaças de remoção. Desde 2018, a população residente nestas áreas tem sido ameaçada de expulsão, o que gerou diversos conflitos, alguns deles relatados pela articulação Vila Andrade. No período de julho a setembro, foram identificadas pelo menos mais duas ameaças de remoção a comunidades que se inserem no perímetro de intervenção do PIU Arco Jurubatuba, projeto proposto pela prefeitura para a região, que não equaciona o destino dos muitos assentamentos populares – aproximadamente 30% da área abrangida pelo projeto é  demarcada como ZEIS (Zona Especial de Interesse Social).

O acirramento de conflitos fundiários de ameaças também se deu no caso da Ocupação dos Queixadas, no bairro de Panorama I, em Cajamar, que abriga, há quase dois anos, mais de 100 famílias em terreno abandonado há 19 anos, segundo lideranças locais. Os moradores instalaram biblioteca, horta comunitária, espaço para alfabetização, brinquedoteca, entre outros esforços coletivos para a melhoria de vida da população da região. Caso a liminar judicial não seja revertida em favor das famílias, terão até 07 de dezembro para deixar o terreno. A ocupação está em mobilização e resistência contra a remoção

Embora o cenário seja de emergência habitacional, as resistências contra remoções colheram resultados importantes. Apesar do descumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal em várias situações, também ocorreram suspensões em ao menos 6 casos, totalizando ao menos 1.006 famílias poupadas provisoriamente de perder suas casas na Região Metropolitana de São Paulo. Ao lado da organização e resistência dos próprios moradores, a atuação da advocacia popular, como do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e da Defensoria Pública, foi importante para obter estas suspensões.

Não só isso. No final de setembro, depois de um mês de pressão popular e articulação política conduzidas pela rede de movimentos sociais articulada em torno da Campanha Despejo Zero, o veto do presidente Jair Bolsonaro ao PL 827 foi derrubado pelo Congresso. Pela Lei 14.216, de 7 de outubro, remoções coletivas, judiciais ou não, e as liminares de despejos estão suspensas em áreas urbanas até 31 de dezembro de 2021. Seus efeitos práticos devem aparecer neste último trimestre do ano. A ADPF e a Lei Federal se complementam, cobrindo um espectro considerável de processos de remoção. A Campanha Despejo Zero organizou um quadro comparativo entre a ADPF e a Lei 14.216, bem como modelos de peças jurídicas que podem ser utilizadas nos pedidos de suspensão de remoções.

A garantia dessas medidas, no entanto, acaba no fim de dezembro, o que significa o risco de ocorrer uma avalanche de despejos no início do próximo ano, quando, ao que tudo indica, o drama econômico e social agravado pela pandemia ainda não terá terminado.

ACESSE O MAPA INTERATIVO DO OBSERVATÓRIO DE REMOÇÕES abaixo.
Em tela cheia.


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