Por Raquel Rolnik, Aluizio Marino, Pedro Mendonça, Pedro Peixoto, Gisele Brito*

O LabCidade vem produzindo uma série de análises sobre a disseminação do novo Coronavírus na Região Metropolitana de São Paulo, várias delas em parceria com outros grupos e pesquisadores. Essas análises procuram trabalhar em uma escala mais próxima, para permitir a compreensão detalhada do processo de disseminação e  circulação da COVID-19 nas cidades, possibilitando   fornecer subsídios para estratégias territorializadas de enfrentamento a pandemia.

Dando continuidade a esse trabalho, apresentamos aqui uma leitura atualizada da disseminação espacial da COVID-19 a partir do CEP de residência dos pacientes que foram hospitalizados  com COVID-19 (confirmados) e outras Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAG) não identificadas (suspeitos). Os mapas, a partir de “manchas de calor”, representam os locais com maior concentração de pessoas hospitalizadas,  incorporando a variável tempo.

Esse mapa compreende nove quinzenas epidemiológicas (entre 23 de fevereiro e 11 de julho) e está representado através de uma animação que sobrepõe a concentração de casos confirmados e suspeitos pelas quinzenas – definidas a partir da data do primeiro sintoma. Esse material, ao introduzir a temporalidade nos mapas de concentração,  revela um quadro epidemiológico dinâmico, mostrando o movimento de circulação do vírus na metrópole.

Esse movimento das concentrações reforça a importância de uma ação de prevenção e contenção que leve em consideração a heterogeneidade dos territórios (o que não tem ocorrido),  e dos múltiplos fatores que aumentam os riscos de disseminação do vírus, como a circulação para o trabalho e a adesão ao isolamento social, mesmo no interior dos distritos, unidade de análise que vem sendo privilegiada na divulgação dos dados e mapas institucionais e na formação do olhar da opinião pública.

A leitura do mapa pelas quinzenas epidemiológicas nos mostra que a região central da cidade de São Paulo, especificamente os bairros: Santa Cecília, Vila Buarque, Santa Efigênia e Campos Elíseos tem persistido como local crítico ao longo de todo o período. A disseminação da pandemia para às áreas mais periféricas começa a ganhar força a partir na segunda quinzena de julho, inicialmente em setores da Brasilândia como o Elisa Maria, Jardim dos Francos e Parque Belém, onde observamos uma diminuição da concentração de casos na primeira quinzena de maio – e Sapopemba, nos bairros Parque Santa Madalena, Sinhá e Promorar que ainda persistem no período analisado como um dos grandes  focos de concentração da COVID-19.

As  maiores favelas da cidade, Heliópolis e Paraisópolis, se tornam locais de concentração a partir da primeira quinzena de abril; em Paraisópolis observamos um movimento acelerado de concentração e diminuição de casos, com o  pico acontecendo na segunda quinzena de abril e seu controle e diminuição progressiva já na segunda quinzena de maio – o que provavelmente está relacionado às ações específicas de enfrentamento da pandemia que acontecem no local. O pico de concentração em Heliópolis acontece entre a segunda quinzena de maio e a primeira de junho, diminuindo em seguida  – também provavelmente em função da ação das associações locais, embora com menos estrutura e recursos financeiros do que a Favela de Paraisópolis –  e volta a aparecer como um dos locais de maior concentração na última quinzena analisada, podendo indicar um novo ciclo de contaminação.

A disseminação da COVID para além das fronteiras da capital ganha impulso a partir da segunda quinzena de abril, inicialmente em Osasco (Munhoz Júnior e Aliança) e posteriormente em Diadema (Campanário, Taboão, Casa Grande)  e em Guarulhos (Picanço, Bela Vista, Pimentas). Observamos também que em regiões de fronteira, como o Jardim Brasil na zona norte, Jardim Helena e Itaim Paulista na Zona Leste e o bairro dos Pimentas em Guarulhos, os picos de concentração de casos permanecem desde a segunda quinzena de abril.

A persistência de concentrações nestes locais, bem como a observada na região central, exige, no mínimo, uma maior atenção nas estratégias de testagem e rastreamento dos casos.

Essa leitura que articula tempo e espaço pode se configurar como mais um recurso para o  rastreamento do coronavírus. O rastreamento é uma das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e, num cenário ideal, está conectado a uma política de testagem em massa. Os custos e a dimensão territorial do Brasil dificultam essa testagem em massa,  portanto o rastreamento a partir das informações produzidas pelo SUS pode contribuir para  orientar a definição de territórios prioritários para testagem,além dos indicadores que já estão sendo utilizados,  desde que revisada a estratégia de atualização das bases de dados.

Os resultados aqui apresentados compõem um processo mais amplo de pesquisa, e serão aprofundados em um futuro próximo. No momento estamos trabalhando em um modelo estatístico para observar a territorialização da pandemia levando em conta  características da população,  como faixa etária, raça/cor e ocupação profissional.

Baixe e veja aqui o mapa completo.

* Raquel é professora da FAU-USP, coordenadora do LabCidade;
Aluízio é doutorando em Planejamento e Gestão do Território (UFABC) e pesquisador do LabCidade;
Pedro Mendonça é graduando em Arquitetura e Urbanismo na FAU-USP e pesquisador do LabCidade;
Pedro Peixoto é professor do departamento de Matemática Aplicada do IME-USP;
Gisele é mestranda na FAU-USP e pesquisadora do LabCidade;