Manifestação contra às PPPs, 2019. Foto: Elineu do Choquito

Este texto faz parte de uma série de publicações em nosso site com os artigos da equipe do LabCidade e parceiros no congresso Fórum SP 21: Plano Diretor e Política Urbana de São Paulo, realizado de maneira virtual entre os dias 21 e 30 de setembro de 2021. Os textos enviados ao evento foram levemente alterados para estar aqui em uma versão mais enxuta.

Por #AtingidosPelaPPP *

#AtingidosPelaPPP é uma articulação organizada desde 2019 como forma de ação e reação às ameaças de remoção trazidas pela PPP Habitacional do Município de São Paulo (conhecida como PPP Casa da Família) contra comunidades e ocupações da Zona Norte de São Paulo. A articulação se consolidou por meio da aproximação e ação conjunta entre as comunidades e ocupações ameaçadas pelo projeto do Lote 12 – Casa Verde/Cachoeirinha da PPP Habitacional, junto à associações, movimentos, entidades, universidades e assessorias jurídicas populares que apoiam suas lutas e reivindicações contra a remoção e pela garantia de seu direito de permanecer, com urbanização e regularização fundiária.

O modelo das PPPs paulistas tem sido difundido como política para construção e gestão de novas unidades habitacionais e de execução de projetos urbanos pela iniciativa privada, que drena esforços e recursos governamentais (ALMEIDA et al., 2020). Mais de 21 mil famílias estão ameaçadas de remoção e mais de 5 mil já foram removidas de áreas que serão disponibilizadas para a PPP Casa da Família (ALMEIDA & MARINO, 2019; UNGARETTI et al, 2020; ALMEIDA et al, 2020). Muitas destas comunidades e ocupações afetadas estão marcadas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), áreas da cidade onde as famílias têm o direito de permanecer garantido pelo plano diretor e pelo zoneamento, onde deve haver a constituição de conselhos gestores com representantes da população local, espaços nos quais devem ser debatidos e elaborados os planos de urbanização e regularização que garantam a sua permanência na área.

Foto da comunidade Futuro Melhor, 2020. Foto: Ale Davanzo

É este o caso das comunidades Futuro Melhor e do Sapo, localizadas no entorno do Córrego do Bispo e que passaram a compor a área destinada à implantação do projeto da PPP para a Casa Verde / Cachoeirinha (Lote 12) – o que resultou, de imediato, em ameaças de remoção a mais de 6.000 famílias estabelecidas no local há pelo menos 30 anos. O projeto proposto pela PPP Habitacional passou a incidir sobre as comunidades do Sapo e Futuro Melhor sem dialogar com sua história e com as demandas e reivindicações de seus moradores.

A PPP reforçou processos de ameaça de remoção anteriormente existentes, em uma aliança do poder público municipal com os antigos titulares das áreas – ISA CTEEP e herdeiros de fazendas – por meio de negociações de doação das áreas com transferência do direito de construir, a ser feita sob a forma prescrita no art. 126, II, do Plano Diretor, que autoriza a transferência do direito de construir em caso de doação de imóvel particular para viabilizar programas de provisão de Habitação de Interesse Social. Ainda, em paralelo a tramitação burocrática da PPP, uma ação justificada por risco removeu cerca de 1500 famílias de uma área que coincide, em grande parte, com o perímetro de incidência do Lote 12, abrindo um novo front de disputa para que essas famílias sejam reconhecidas como tendo sido removidas por obras públicas, o que impacta diretamente no atendimento habitacional destinado à elas.

Ainda, em uma revisão do contrato feita em meados de 2019, outras três áreas da COHAB-SP, localizadas na Cachoeirinha e demarcadas como ZEIS, foram incorporadas ao Lote 12, as três ocupadas por movimentos de moradia vinculadas à Frente de Luta por Moradia. São elas: Elza Guimarães, Imirim e Parada Pinto. Com essa atualização, a ameaça de remoção se estendeu sobre mais 341 famílias.

Sob a legitimidade da pauta habitacional, a PPP Casa da Família e, em especial o Lote 12, promove um projeto que impacta sobremaneira bairros populares,  reestruturando-os em processos de transformação urbana, valorização imobiliária e substituição de população. Desrespeita frontalmente o Plano Diretor, ao ignorar os procedimentos de participação social obrigatórios, e as regras das Zonas Especiais de Interesse Social, que visam a segurança na posse e a garantia do direito à moradia das populações moradoras de territórios populares, exigindo a formação de conselho gestor e aprovação dos moradores do plano de ZEIS – ou seja,  a participação democrática na formulação de intervenções nestas áreas. Promove ameaças e remoções sobre mais de 6.000 famílias, que superam em muito o número de apartamentos que serão construídos pelo projeto (3 mil unidades habitacionais, sendo apenas 1.800 HIS-1). Ao produzir menos moradia do que remove, a PPP se caracteriza como uma política de substituição de população, já que barra o acesso à população que será removida por meio da imposição de critérios socioeconômicos inalcançáveis pelos atingidos para o acesso às novas moradias produzidas; e ao prever a construção de moradia de mercado destinadas às famílias com renda de até 20 mil reais.

Caminhada em protesto à reintegração de posse, comunidade Futuro Melhor, Jd. Pery Alto, 1997. Foto: Ale Davanzo.

Como forma de resistir e incidir sobre a política habitacional – que, na forma PPP, se configura como uma ameaça aos bairros populares sobre os quais recai – a articulação #AtingidosPelaPPP tem atuado em diferentes frentes, mobilizando estratégias diversas, que vão do campo jurídico à incidência no debate público mais amplo sobre a política habitacional paulistana. As estratégias de formação e comunicação da articulação – como a  definição conjunta de estratégias e elaboração de materiais, como vídeos, textos, zapcasts (pequenos programas, no formato de um podcast, desenvolvidos para circular e serem ouvidos pelo Whatsapp), um jornal, uma carta-aberta, dentre outras –, têm subsidiado pesquisas e reivindicações históricas de cada comunidade e ocupação pela permanência e urbanização. Além disso, houve uma significativa alteração na atuação das instituições que conformam a articulação, geralmente reativa às ameaças e pressões pela remoção e organizadora deste processo, para uma atuação propositiva, por meio da elaboração de leituras que possam subsidiar processos de urbanização e regularização que reconheçam as formas de morar e viver populares, não ameaçando-as com remoção e substituição de novas formas, que não atende às necessidades desta população, deste território, e que reproduz as desigualdades na produção e reprodução do espaço.

* Compõem a articulação: comunidades Futuro Melhor e do Sapo, ocupações Imirim, Parada Pinto e Elza Guimarães, Associação Futuro Melhor, Movimento Sem Teto Região Norte, Movimento por Moradia Lutar e Vencer, Unidos na Luta Ide, BrCidades, Campanha Despejo Zero – pela vida no campo e na cidade, Central dos Movimentos Populares, Fórum Regional de Defesa dos Direitos Humanos da Criança e Adolescente Cachoeirinha, Frente de Lutas por Moradia – FLM, Observatório de Remoções, organização social PiPA, Pastoral da Moradia da Arquidiocese de São Paulo, Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, União Dos Moradores e Amigos Do Jardim Antártica – UMAJA, União dos Movimentos de Moradia de São Paulo – UMM SP, LabCidade FAUUSP, Defensoria Pública de São Paulo, por meio do Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo e da Unidade de Santana, e Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos.Alessandra D’Avanzo, Ana Cristina Coimbra, Ana Sueli Ferreira, Benedito Roberto Barbosa, Bruna Simões, Crenildes Jesus da Silva (Dona Nena), Débora Ungaretti, Eliana Takeko, Geni da Fonseca Monteiro, Gisele Brito, Guilherme Lobo, Isadora Marchi de Almeida, João Moreirão, Joselia Pereira, Julia Terron, Larissa Gdynia Lacerda, Luiz Carlos Silva (Nei), Paula Freire Santoro, Pedro Mendonça, Taissa Nunes Vieira Pinheiro, Tatiana Oliveira, Tereza Herling, Vanessa Chalegre de Andrade França, Vitor Inglez, Ulisses Castro.

Referências

ALMEIDA, I.; MARINO, A. “Nova parceria público-privada de habitação, novas ameaças de remoção”. LabCidade, 22 abr. de 2019. Disponível em: <http://www.labcidade.fau.usp.br/nova-parceria-publico-privada-de-habitacao-novas-ameacas-de-remocao/>.

ALMEIDA, I. M. de; UNGARETTI, D.; SANTORO, P. F.; CASTRO, U. A. de. PPPs habitacionais em São Paulo: política habitacional que ameaça, remove e não atende os removidos. In: MOREIRA, F. A.; ROLNIK, R.; SANTORO, P. F. Cartografias da produção, transitoriedade e despossessão dos territórios populares. São Paulo: LabCidade FAUUSP, 2020.

UNGARETTI, D.; CASTRO, U.; SANTORO, P. “PPP Habitacional em São Paulo: nova concorrência e novas ameaças de remoção”. LabCidade, 17 mar. de 2020. Disponível em: <http://www.labcidade.fau.usp.br/ppp-habitacional-em-sao-paulo-nova-concorrencia-e-novas-ameacas-de-remocao/>.