Rezoning em Williamsburg-Greenpoint. Foto: Paula Santoro

ATUALIZAÇÃO 10/3: O EVENTO FOI CANCELADO POR CONTA DOS PERIGOS RELACIONADOS AO CORONAVÍRUS

Por Paula Freire Santoro *

No próximo dia 12 de março ocorre em Nova York o seminário  Red Zones: Mapping, Contesting and Reclaiming Neighborhoods in Post-Rezoning in São Paulo and New York, que estou organizando, via LabCidade e FAU USP, junto com professores da New York University – Gianpaolo Baiocchi e Rebecca Amato, ambos do Urban Democracy Lab. O evento pretende discutir como se dá o processo de debate e a definição dos interesses públicos nos processos de reestruturação urbana em curso em Nova York e São Paulo a partir da utilização de instrumentos como o rezoneamento (rezoning) em New York  e os Projetos de Intervenção Urbana (PIUs) em São Paulo.

O evento, viabilizado através do edital Print USP/Capes 2019, é fruto de dois anos da pesquisa Políticas habitacionais inclusivas x processos de (re)estruturação urbana segregadores: um diálogo entre Brasil e EUA” (2017-2019) apoiada pela FAPESP, que procurou compreender como a habitação a preços acessíveis (em inglês, affordable housing) tem sido mobilizada nos processos de (re)estruturação urbana. A investigação observa tanto os Projetos de Intervenção Urbana (PIUs) em São Paulo como os rezonings em Nova York, desde 2017.

As chamadas ”políticas habitacionais inclusivas” envolvem a recuperação da valorização da terra através de contrapartidas obtidas a partir das dinâmicas do mercado imobiliário, que são utilizadas para promover soluções de habitação de interesse social.  Elas podem envolver:

_ alterações nos padrões de uso e ocupação do solo – construir mais, mudança de uso,  etc. – em determinados perímetros;

_ estímulos aos proprietários/empreendedores – incentivos fiscais como desconto ou isenções de impostos, bônus em direitos de construir se determinadas formas urbanas ou usos forem instalados, etc;

_ estímulos associados à políticas de habitação a preços acessíveis, como obrigação de construção de um percentual de área construída com estas moradias no perímetro, especialmente nas Zonas Inclusivas Obrigatórias (as Mandatory Inclusionary Zones), uma espécie de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) novayorquinas;

_ geralmente articulados com recursos públicos – possibilidade de construir sobre áreas públicas ou de empresas públicas ou investimentos públicos na produção de infraestrutura que transforma a região, valorizando-a nos moldes das PPPs habitacionais em curso em São Paulo;

_ através de processos conhecidos como ULURP (em inglês, Uniform Land Use Review Procedure) no qual o empreendedor pode sugerir a transformação urbana desejada e, através deste processo, consegue fazer as alterações de uso do solo articuladas com os estímulos e contrapartidas. Uma espécie de Manifestação de Interesse Privado que, em São Paulo, é viabilizada através do uso do instrumento do PIU.

Rezoning em Williamsburg-Greenpoint. Foto: Paula Santoro

O modelo de fomento ao affordable housing através de rezoneamentos ocorreu na gestão do Prefeito Michael Bloomberg (2002-2013), período quando o instrumento se expande para muitas áreas da cidade como parte de uma estratégia de promover uma “cidade de luxo” que atraísse capital e pessoas com maiores rendas. Estima-se que o rezoneamento atingiu quase 40% da cidade, apoiado em uma estratégia de abertura de fronteira imobiliária nas frentes dos rios (waterfront), onde se concentrou a maior parte dos rezoneamentos permitindo usos mais rentáveis (upzoning).

O atual prefeito de Nova York, Bill de Blasio, não alterou muito este modelo, com exceção de que grande parte das propostas de rezoneamento estão localizadas nas comunidades chamadas “de cor” – afro-americanas, latinas e asiáticas –, articuladas com promessas de que o poder público iria abordar seus problemas e criar oportunidades para construção de moradias a preços acessíveis. Embora tenha sublinhado a questão das desigualdades, em contraste com o seu antecessor Bloomberg, há muito mais continuidade do que se supõe. Diante da enorme crise de moradia na cidade, o atual prefeito propôs, como estratégia para para se releger, a construção de 200 mil unidades em 10 anos, meta que dobrou  para 300 mil em 2017 quando faz uma primeira avaliação dos resultados.

Algumas imagens são síntese dos achados de pesquisa sobre estes processos de transformação recentes, considerados inclusive “cartões postais de Nova York”. Este é o caso do rezoneamento no entorno do Parque High Line, já abordado pelo LabCidade, que transformou a região em uma “Disney World no Hudson” voltada para turistas e não para os residentes, além de ter promovido um dos maiores crescimentos nos preços da terra do entorno, o que alterou consideravelmente o perfil socioeconômico do bairro.

Rezoning em Williamsburg-Greenpoint. Foto: Paula Santoro

Outros resultados, apresentados em uma sequência de postagens aqui no site do LabCidade durante as próximas semanas, tratam de processos:

_que alteraram a população moradora de bairros, como foi o que aconteceu no zoneamento que expulsou parte da população das regioes afetadas, que foram “zoneados para fora” (em inglês, zoned out!) como afirma Tom Angotti e Sylvia Morse em livro com este título, mostrando que estes processos não são racialmente neutros. Para isso, Angotti e Morse contam um pouco da história do zoneamento racializado em Nova York e trazem dados recentes, medindo a saída de latinos, asiáticos e negros do Williamsburg-Greenpoint Rezoning;

_ que criaram uma plataforma construída sobre uma estação de trem em funcionamento para a construção de uma zona muito adensada e luxuosa, em troca de poucas unidades de habitação a preços acessíveis e uma extensão de metrô com impactos ainda pouco evidentes em outra região, no Hudson Yards Rezoning;

_ que sofreram resistências que articularam comunidades e universidade, em uma recuperação da memória do lugar que levou a mobilização e alterações no processo e nas soluções adotadas pelo Essex Crossing Rezoning;

_ que venderam uma transformação que previa a inclusão de mega-torres justificadas para, como contrapartida, poderem arcar com obras para contenção de alagamentos em uma parte de Nova York afetada por eventos extremos, casos do furacão Sandy,  ou do aumento do nível do mar causado pelas mudanças climáticas, no Two Bridges Rezoning. A transformação ignorou os efeitos sobre a comunidade asiática que ocupa o local, que, por sua vez, se organizou e conseguiu algumas vitórias parciais estendendo o tempo de debate do projeto e a construção de algumas das mega-torres – e segue resistindo;

_ que conseguiram, através de uma ação judicial, parar vários processos de rezoneamento em Nova York  e que, a partir da contestação de Inwood Rezoning, pararam dois rezoneamentos em Bushwick Brooklyn e Southern Boulevard no Bronx;

Em síntese, os resultados da pesquisa mostram que as políticas habitacionais parecem ter legitimado processos de transformação urbana concentradores, enquanto as soluções habitacionais adotadas seguem sendo residuais e desarticuladas em relação ao quadro de necessidades habitacionais. E, também, as políticas habitacionais estão centradas na propriedade privada de novas unidades produzidas, diferentemente das políticas que objetivam a permanência e evitam despejos. Assim, os instrumentos mobilizados – ULURP Process e rezoning –, bem como os resultados obtidos, não parecem estar colaborando para a diminuição da segregação socioterritorial em Nova York.

No entanto, a pesquisa também encontrou diversas formas de resistência social que envolvem um grupo de atores sociais – coalisões por moradia, grupos sociais organizados por raça, etnia e país de origem. O que tem feito emergir novos métodos e formas de resistência aos processos tradicionais de planejamento centrados nas alterações de uso e ocupação do solo, e não nos impactos sobre os que efetivamente vivem nas regiões e nem consideram seus desejos de vida e as memórias da construção social dos bairros.

Assim, os resultados da investigação a ser apresentada no seminário identificou que os instrumentos utilizados não são neutros. Portanto, a pesquisa aponta que não se devem importar modelos e sim construir alternativas decolonizantes a partir dos afetados, que sinalizam que as alterações na regulação urbana e no sistema habitacional tem sido uma ameaça à manutenção da oferta de habitação pública e da regulação do aluguel. Neste cenário, cria-se situações de exclusão, ameaça e processos concretos de remoções e despejos forçados, estejam estes no caminho das intervenções públicas propostas ou em situações crescentes de falta de condição de pagar por uma habitação (unaffordability) face aos efeitos sobre os preços da terra.

A resistência social, em NY e diversos outros lugares do planeta, tem mostrado que não há mais sentido em desenhar políticas habitacionais baseadas em oferta para um recorte de renda específico ou a partir de uma definição de preço. Melhor seria promover uma visão interseccional em que as necessidades habitacionais sejam levadas em consideração,  em que raça, etnia, país de origem, mas também gênero, faixa etária, etc., precisam ter o seu lugar.

Confira a programação do evento:

8:30-9am: Coffee & Light Breakfast

9-9:30am: Welcome

Gianpaolo Baiocchi, Professor, New York University, Gallatin; Director, Urban Democracy Lab

9:30-11am: Panel One, Zoning as Planning?

Tom Angotti, Professor Emeritus, Urban Planning and Policy, Hunter College and The Graduate Center of the City University of New York
Paula Freire Santoro, Professor of Urban Planning, Faculty of Architecture and Urbanism, University of São Paulo, Observatory of Evictions at LabCidade FAUUSP
Débora Ungaretti, Doctoral Candidate, Faculty of Architecture and Urbanism, University of São Paulo; former staff member in Land Use and Property Management Departments of the Municipal Secretariat of Urban Development, São Paulo City Hall

11:15am-12:45pm: Panel Two, Contesting Rezoning

Cheryl Pahaham, Co-Chair, Inwood Legal Action
Isadora Marchi de Almeida, Masters Candidate, Faculty of Architecture and Urbanism, University of São Paulo
Yesmin Vega, Senior Program Manager, Community Development, Women’s Housing and Economic Development Corporation (WHEDco)
Alejandro Velasco (moderator), Associate Professor, New York University, Gallatin; Executive Editor, NACLA Report on the Americas

2-3:30pm: Panel Three, Data-Driven Advocacy

Oksana Miranova, Housing Policy Analyst, Community Service Society
Chris Walters, Rezoning Technical Assistance Coordinator, Association for Neighborhood and Housing Development
Sam Raby, mapmaker and interactive media developer, JustiFix.nyc, Anti-Eviction Mapping Project, Urban Displacement Project
Paula Freire Santoro, Professor of Urban Planning, Faculty of Architecture and Urbanism, University of São Paulo, Observatory of Evictions at LabCidade FAUUSP
Salo Coslovsky (moderator), Associate Professor, Urban Planning and Public Policy, New York University, Wagner

3:45-5:15pm: Panel Four, Thriving Communities

Screening: “Defending Your Block: How to Stay, Fight, and Build” by Vivian Vázquez Irizarry

Daniel Aldana Cohen, Assistant Professor of Sociology, Director Socio-Spatial Climate Collaborative, or (SC)2, University of Pennsylvania
Deyanira Del Rio, Co-Director, New Economy Project
Julia Steele Allen, Decade of Fire Filmmakers
Sara Duvisac (moderator), Sociology, New York University and Crown Heights Tenant Union

Keynote

6:30-8:30pm: Nabil Bonduki, Professor of Urban Planning at the University of São Paulo and leader of the São Paulo Strategic Master Plan (2002 and 2014)

* Coordenadora do LabCidade e professora da FAU-USP.