Por Guilherme Carpintero de Carvalho, Paula Freire Santoro, Samira Rodrigues, Gabriella Nunes e Silva Palmeira (*)
Neste mês de março, marcado pelo movimento de celebração da vida e luta das mulheres no #8M, o LabCidade e um conjunto de instituições de ensino e pesquisa da África do Sul, Tanzânia e Países Baixos, organizam o Seminário Lutas Urbanas Feministas em São Paulo. O evento ocorre nesta terça-feira (12), das 10h às 18h, com transmissão ao vivo pelo YouTube do LabCidade (em português) e pelo Instituto Internacional de Gestão Urbana e Habitação da Erasmus Universidade de Roterdã – IHS (em inglês). (Confira a programação completa aqui). Como esquenta, escolhemos algumas reflexões feministas para acompanhar este 8 de março. E começamos pela imperdível palestra de Verónica Gago no Seminário Internacional Virtual Lutas Urbanas Feministas, realizado em novembro de 2023, e que antecedeu o seminário local que acontecerá entre 12 a 15 de março, ambos apoiados pela Urban Studies Foundation.
Verónica Gago é argentina, cientista política, professora da Universidade de Buenos Aires (UBA), da Universidade de San Martín (Unsam) e pesquisadora do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET). É autora de livros como A potência feminista ou o desejo de transformar tudo (Elefante), A razão neoliberal: economias barrocas e pragmática popular, e tem um recente livro Quem deve a quem? com Luci Cavallero e Silvia Federici, recém lançado em São Paulo, que deu muito o que falar.
Verónica apresenta nesta palestra, a sequência de pesquisas que vem desenvolvendo sobre o endividamento como chave interpretativa do avanço do capital financeiro para novas frentes de expropriação do valor do trabalho (mais valia), em especial o não remunerado, e como esse endividamento se relaciona com a precariedade urbana.
Segundo ela, a pandemia se configura como um novo momento, no qual o setor financeiro, através de políticas de inclusão financeira, apresenta soluções para a situação de emergência, promovendo uma aceleração de novas modalidades de intervenções financeiras vinculadas à moradia e a intensificação do trabalho não remunerado, são cruciais para entender como a casa, em tese um ambiente protegido, se torna um laboratório de extração do capital financeiro global.
Em uma continuação das pesquisas feministas sobre o endividamento e sobre a dívida, explica que, se antes tratava-se de dívida pública, com o empobrecimento da população, o trabalho de reprodução social torna-se objeto de interesse de novos instrumentos financeiros, e a dívida, compulsória. A dívida é um instrumento de colonização financeira de reprodução social e, com referência em teorias que tratam das subjetividades, Verônica aponta que a dívida gera a economia de angústia e preocupações, exploração financeira e despossessão.
Buscando entender a relação da dívida com o trabalho não remunerado, e com a forma de empobrecimento da sociedade, Verônica propõe uma virada em termos epistemológicos ao colocar no centro do debate a dívida doméstica e, portanto, os territórios de onde essa dívida extrai valor. As tarefas de cuidado, as pautas de trabalho não assalariado, após ganharem destaque, principalmente durante e pós pandemia, e pelas pautas e teorias feministas que avançaram em busca da sua valorização, são apontadas como uma das pistas para esse avanço do capital financeiro nestes locais.
O conceito de superexploração – cita Maria Mies – dá subsídios para visualizar a casa como esse laboratório: o capital não só se apropria do tempo e do trabalho excedente, nesse nosso tempo e território, o capital se apropria também do tempo e trabalho para produção de subsistência ou para reprodução social. A dinâmica da dívida é uma forma de romper com o discurso da moradia como um lugar protegido.
Verónica atualiza o conceito/discurso de “casa fábrica” das feministas dos anos 1970, sobre economias feministas, com a imagem dos lugares “homoparentais” – que são onde mulheres que combinam trabalhos assalariados (produtivo), reprodutivo, trabalhos do cuidado na organização comunitária e trabalho político de organização territorial.
Verónica chama atenção para como a dívida obriga mais trabalho reprodutivo e se converte em um dinamismo da precariedade, em especial para as mulheres, que trabalham para honrar suas dívidas com um peso moral sobre essa necessidade.
As pontas do triângulo: dívida, moradia e trabalho reprodutivo, são fundamentais para entender onde se localizam essas dinâmicas de colonização financeira, em que as mulheres são as que mais se endividam e as que realizam a maior parte dos trabalhos reprodutivos, compreendendo que o trabalho não remunerado é campo estratégico da reconfiguração das lógicas especulativas financeiras.
Verónica traz duas reflexões finais, sobre a necessidade de estratégias de desobediência financeira e de desendividamento, e sobre a necessidade de ler as dinâmicas do capital financeiro sobre a moradia. A lógica de extração da renda (mais valia) como exemplo o aluguel, é a extração do valor do trabalho produtivo, e a dívida é uma forma de extração da renda do trabalho não remunerado. Essa conexão é importante para entender os territórios precários (periféricos, subalternizados) e trabalhos que não são reconhecidos pelo capital financeiro que aterriza em corpos e territórios que são desconhecidos como produtores de valor e produção política, e é onde a colonização financeira mais intensifica sua violência.
Convidamos a todes que queiram conhecer o conteúdo completo da fala dela, para assistirem o vídeo no YouTube do LabCidade. E, se quiserem saber mais sobre o Seminário Internacional de novembro de 2023, vejam a página do evento, o programa final do evento, os anais com resumos apresentados e selecionados, e a playlist do youtube com os vídeos, permitindo uma visão ampla das pesquisas sobre o tema.
(*) Guilherme Carpintero de Carvalho, arquiteto urbanista, doutorando pela FAUUSP; Paula Freire Santoro é coordenadora dos seminários Lutas Urbanas Feministas, co-coordenadora do LabCidade, profa. FAUUSP, pesquisadora do IEAUSP Programa Sabático e bolsista produtividade CNPq; Samira Rodrigues, arquiteta e urbanista, mestranda pela FAU-USP e conselheira municipal de habitação; Gabriella Nunes e Silva Palmeira é pesquisadora de iniciação científica e graduanda FAUUSP.
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