Pressionada a cortar os custos envolvidos na aplicação e processamento do Censo Demográfico de 2020, a direção do órgão acaba de propor uma nova versão do questionário que comprometerá o entendimento e dimensionamento das necessidades habitacionais do país

* Por Raquel Rolnik

Há décadas as variáveis do Censo Demográfico são amplamente utilizadas por pesquisadores e gestores públicos – de todos os níveis de governo – para entender como moramos e, sobretudo, para dimensionar as chamadas necessidades habitacionais do país. São estes dados que permitem não apenas desenhar um retrato atual, mas também estabelecer uma série histórica, já que podemos contar com o Censo a cada 10 anos e portanto, comparar a evolução e inclusive o impacto das políticas implementadas.

Há décadas também foram adotados, tanto por governos como pela sociedade indicadores que retratam estas condições: as condições materiais das casas, sua densidade, seu custo mensal para as famílias e indivíduos, as condições dos bairros aonde estão inseridos do ponto de vista da infraestrutura, entre outros.

Parte destas informações simplesmente desaparecerá do Censo 2020 em função da pressão que sofre o órgão por parte do Ministério da Economia para cortar custos. Um dos indicadores que desapareceu na proposta atual é o gasto mensal com o aluguel, justamente o que hoje vem crescendo assustadoramente e se constituiu nos últimos anos o componente que mais tem incidido na piora dos indicadores de moradia.

“Ônus excessivo com aluguel” e “alto adensamento domiciliar” são duas das variáveis consideradas pela Fundação João Pinheiro no cálculo do chamado ” déficit habitacional”, uma forma de medir as necessidades habitacionais que, embora utilizada principalmente para medir quantas novas moradias devem ser produzidas, é amplamente utilizada no país como uma medida confiável, por governos, empresários, cidadãos e movimentos.

Outras variáveis, como as informações sobre o entorno dos domicílios – fundamental para pensarmos a moradia não como um teto e quatro paredes e sim como uma possibilidade de inserção na cidade, também já foram cortadas. O destino do lixo – informação difícil de se obter de forma exata nas prefeituras do país, também já foi eliminado do questionário. Isso sem falar em informações preciosas sobre mobilidade, como os deslocamentos casa – estudo, a posse de motocicletas e outras que oferecem os (poucos) indicadores que temos para pensar políticas de transporte coletivo que atendam de verdade quem necessita.

Sr. Ministro, sra. Presidente do IBGE: o barato sai caro. Nenhuma outra pesquisa ou indicador sobre as condições de moradia tem a abrangência e confiabilidade do Censo. Não precisa ser especialista no tema para saber que em termos de moradia estamos mal… Mas só sabendo aonde, como e por quê podemos ter alguma esperança de superar esta situação, desenhando políticas específicas para as necessidades concretas. Conhecer melhor as condições atuais por si só não garante que iremos avançar no desenho de políticas adequadas, mas desconhecê-las certamente contribui para que as políticas sejam erráticas, eleitoreiras e motivadas puramente por interesses negociais.

Assita o vídeo de Raquel Rolnik defendendo a manutenção do Censo 2020

*Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade. Coluna originalmente publicada no Uol.