Por Raquel Rolnik*

Entre os avanços garantidos pelo Plano Diretor Estratégico (PDE) para a cidade de São Paulo, em sua última atualização, há quase 10 anos, a criação do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb) tem lugar de destaque. Garantido por meio dos recursos arrecadados pela chamada Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) – tudo aquilo que se paga para construir acima de um coeficiente básico – relação entre a área construída e a área do terreno – o Fundurb prevê a destinação obrigatória de 30% dos “para projetos e produção de Habitação de Interesse Social” e de 30% para a “implantação dos sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e de circulação de pedestres”.

Ou seja, iniciativas que têm relação com bicicletas, calçadas, mobilidade a pé e não motorizada. Esta equação foi fruto de uma luta de décadas por uma nova forma de mobilidade em nossa cidade. Mas na contramão do Plano Diretor, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), enviou, em março, o Projeto de Lei (PL) 115 que desvia a finalidade do fundo para que seus recursos possam ser usados no recapeamento de vias e asfaltamento, reafirmando a hegemonia histórica do complexo automotivo e petrolífero que promoveu o deslocamento sobre pneus: automóveis, caminhões e ônibus, o que definimos como rodoviarismo.

Para ficar apenas no campo da mobilidade, a proposta do Fundurb era investir em ciclovias, corredores exclusivos para ônibus e em melhorias e implantação de calçadas, que fazem muita falta na cidade mais rica do país. O projeto do Executivo, porém, segue tramitando na Câmara Municipal de São Paulo. No último dia 27 de março, o PL chegou a ser aprovado por maioria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, mas não sem resistência de entidades e movimentos sociais, que apontam seus efeitos perversos.

Aliás, este conflito tem relação com a origem da militância antipetista do empresário Luciano Hang, também conhecido como “Véio da Havan”. O que começou com uma briga do mais engajado varejista bolsonarista com o ex-prefeito de Brusque (SC), Paulo Eccel, eleito pelo PT em dois mandatos ​​( 2009-2012 e 2013-2016). A desavença nasceu da contestação sobre o aumento do IPTU do município catarinense, sede da empresa de Hang, mas só foi crescer mesmo quando o véio da Havan decidiu colocar-se contra a construção de ciclovias na cidade, consideradas por ele prejudiciais aos seus negócios por tirarem espaço dos automóveis. A oposição seguiu também sob as constantes queixas do empresário contra a instalação de radares para reduzir as velocidades.

O que vemos em solo paulista, por parte da prefeitura, é esta mesma postura de defesa do rodoviarismo, do automóvel, um não-reconhecimento do necessário movimento de transição energética que claramente condena o rodoviarismo.

* Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e coordenadora do LabCidade