O Ministério Público discutiu o perímetro de atuação do Conselho Gestor (CG) das Quadras 37 e 38 em reunião recente, provocada por um abaixo-assinado entregue por moradores e conselheiros eleitos. O documento pede a ampliação da participação para todos os que vivem na Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) C-108, que alcança nove quadras no bairro de Campos Elíseos. A restrição ao perímetro é imposta pela Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), por insistir que apenas estas duas quadras sofrerão intervenção. Entretanto este não parece ser o caso, já que as intervenções previstas para a área são muito mais amplas.

Ainda assim, como Paulo Rogério, morador de uma pensão na Al. Dino Bueno, disse ao Observatório logo após uma reunião com a prefeitura no fim de junho, “O problema de lá se reflete aqui. Tanto é que o policiamento tá tudo ostensivo aqui por causa daqueles dois quarteirões. O problema é só aqueles dois quarteirões [onde está a cracolândia], mas a região toda tá sofrendo, a região toda sofre”.

O Conselho Gestor é o espaço para formular, analisar e decidir sobre intervenções que venham a ocorrer nas Quadras 37 e 38. O Plano Diretor Estratégico (PDE) exige a instalação de um Conselho antes da elaboração de propostas de intervenção em qualquer ZEIS habitada na cidade. No fim de junho (30/06), o Ministério Público protocolou Ação Civil Pública pedindo a ampliação do perímetro de atuação do CG. O processo está em avaliação no judiciário, e pode inclusive suspender a constituição do atual Conselho.

Enquanto prefeito e governador avançam em decisões ações que envolvem pelo menos mais quatro projetos, a Sehab nega conhecer qualquer intervenção além das quadras 37 e 38. O Observatório de Remoções, por meio de pesquisa documental e levantamento em campo, identificou mais os seguintes projetos:

    • PPP Complexos Hospitalares: A Secretaria de Estadual de Saúde definiu a quadra ocupada 36 da ZEIS-3C 108, para receber o novo Hospital Pérola Byington, a ser construído através de uma parceria público-privada. Em levantamento de campo, a equipe do Observatório encontrou vários moradores dessa quadra que já receberam notificação para desocupar seus imóveis em até 60 dias. Apesar do susto, moradores desconfiam da veracidade dos documentos de imissão na posse – quando um órgão público paga ao proprietário mais de 80% do valor do imóvel e pede à justiça para remover os moradores;
    • PPP Habitacional do Centro: iniciativa do Governo do Estado para a construção de habitações destinadas, por meio de sorteio, a famílias com renda entre 1 e 10 SM, inscritas em cadastro da Agência Casa Paulista e com comprovação formal de trabalho e/ou moradia no centro expandido. Contabilizaram-se 172 mil famílias cadastradas e já estão em construção as torres residenciais do 1º lote da PPP, na quadra 49. Porém, há outros lotes já concedidos para a PPP e outros ainda em negociação;
    • Projeto Redenção: parceria entre Prefeitura e Governo do Estado cujo objetivo geral seria ‘a requalificação da região da Luz’, por meio de articulação intersetorial entre as secretarias municipais e estaduais de Assistência e Desenvolvimento Social, Direitos Humanos, Habitação, Saúde, Segurança Urbana e Urbanismo e Licenciamento. Encontram-se em desenvolvimento atividades do Programa Centro Aberto, as intervenções na quadra 37 e 38 e já estão sendo realizados os levantamentos sobre o Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Campos Elíseos.
    • PIU Terminal Princesa Isabel (PIU-TPI): Após anunciar a intenção de remoção total da Favela do Moinho, a Prefeitura apresentou o PIU-TPI, que é um projeto de intervenção para viabilizar a reestruturação urbana desta área considerada subutilizada, mas com potencial de transformação. Na prática, os PIU’s flexibilizam a legislação urbanística para aumentar a densidade populacional e construtiva no perímetro, abrindo espaço para a transformação do uso do solo com a qual lucra o mercado imobiliário. O projeto em Campos Elíseos prevê a concessão do terminal à uma empresa com permissão para explorar comercialmente o terminal e um raio de 600 metros. Para orientar a ‘transformação urbanística’ do entorno do terminal, que chega até a Av. São João, serão elaborados Planos Urbanísticos Específicos (PUEs). A fase de consulta pública deste projeto Já foi encerrada.

Se este território é, hoje, alvo de uma série de projetos que sinalizam o grande interesse do poder público e do mercado imobiliário, também é um lugar habitado por população de baixa renda, com grande número de cortiços, pensões, ocupações e áreas demarcadas como ZEIS, conforme mostra o mapa abaixo.

A forma como os processos de intervenção vem sendo conduzidos pela Prefeitura pelo Governo do Estado parece desconsiderar a área não se encontra desocupada, ignorando a população que há anos mora, trabalha, estuda e convive naquele pedaço da cidade. O diálogo entre sociedade e poder público praticamente inexiste, e tem sido marcado por atropelos, ilegalidades, criminalização e repressão do(a)s moradore(a)s do bairro. Campos Elíseos aparece nestes projetos como um espaço vazio social e economicamente, o que não condiz com a realidade. A ideia de ‘revitalização’ desconsidera as vidas que há muito tempo se instalaram ali, construindo vínculos, lembranças e cultivando raízes.

Durante os trabalhos em campo do Observatório de Remoções é comum ouvir relatos de moradores sobre os efeitos destes projetos, bem como das expulsões por eles ocasionadas. Paulo Rogério, que já foi removido três vezes na vizinhança, esperava que a última mudança fosse definitiva.

“Não. Agora tá chegando em mim. Se eu mudar pra outro quarteirão, que seja neste perímetro, amanhã eu vou ter outro problema de novo. Ou seja, tá trabalho de formiguinha, onde eu tô indo eles tão indo, onde tô eles tão. Então tem que ir pra longe daqui. Daqui a pouco tá tudo no chão. E você tem que ir, e você tem que ir. E o problema tá indo atrás de você.”