Linha de trem em Liverpool, na Inglaterra, na década de 1950. Recentemente, as linhas de trem do país, da empresa East Coast, foram renacionalizadas (Foto: Creative Commons)

Por Raquel Rolnik, publicado originalmente no UOL.

O Governo Federal acaba de editar uma medida provisória (MP 852, de 21 de setembro de 2018) que entre outras coisas permite que a Secretaria do Patrimônio da União, vinculada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, contrate instituições financeiras e empresas privadas para criar e gerir um Fundo Imobiliário com seus imóveis. Fundos imobiliários transformam imóveis em ativos financeiros, permitindo que investidores possam transacionar cotas juntamente com outros papéis, para finalidades puramente especulativos. Essa mesma ação já foi adotada pelo Governo do Estado de São Paulo, e a prefeitura de São Paulo propôs iniciativa semelhante para projetos de operações urbanas e concessões.

Coincidentemente, no mesmo dia em que esta medida foi anunciada, eu participava em Liverpool, na Inglaterra, de um debate com o secretário de política urbana da cidade de Londres, para discutir a precária situação habitacional e a pobreza que atinge percentuais cada vez maiores entre os residentes nas cidades do Reino Unido, decorrente entre outros fatores da péssima qualidade e alto custo dos serviços públicos, amplamente privatizados desde os anos 1980.

Um dos consensos da mesa que participei foi justamente o papel estratégico que as terras de propriedade pública podem ter ao poder ser imediatamente mobilizadas para aumentar a oferta não apenas de moradia social, mas também de equipamentos, serviços e espaços públicos que as décadas de políticas de austeridade fiscal e liberalização do Estado precarizaram.

Dentro do Partido Trabalhista inglês há um reconhecimento de que a aposta nas parcerias publico privadas, na “democratização” do crédito e na privatização dos serviços públicos – o tripé da politica urbana neoliberal, apoiada inclusive pelo Labour sob o comando de Tony Blair, tiveram um efeito contrário do anunciado, ao concentrar mais a renda, empobrecer vastos setores da sociedade e deteriorar suas condições de vida. Mais ainda, o próprio governo Tory no ultimo mês de maio teve que renacionalizar a East Coast, uma das companhias de trem que havia sido privatizada. E mais renacionalizações devem ocorrer.

Por isso hoje o chamado Corbynismo, ou a crítica mais aguda ao consenso neoliberal, vem ganhando cada vez mais espaço, não apenas entre as fileiras do Partido, mas também na sociedade britânica. Dentre as propostas que estão sendo debatidas sob a liderança de Jeremy Corbyn estão a reversão da privatização de serviços essenciais como água, eletricidade, gás e correios, além da retomada de construção de moradia publica de aluguel pelos municípios.

Reverter a legislação que obriga os entes públicos a vender suas terras para a maior oferta e participar de fundos imobiliários também está entre as medidas propostas por Corbyn. Particularmente neste tema, a atual gestão de Londres por exemplo enfrenta tem dificuldades para passar terras de sua propriedade para cooperativas de moradia , em um momento em que diante da absoluta falta de alternativas de políticas de aluguel social, explode um mercado de aluguéis privado inseguro, caro e de baixa qualidade.

Vale lembrar que várias outras cidades europeias, como Barcelona, Paris e Berlim estão também revendo neste momento suas políticas. Paris acaba de remunicipalizar a rede de água e Barcelona lançou sua própria companhia comercializadora de eletricidade. Ou seja, 30 anos depois, as avaliações, até mesmo por parte de um jornal claramente liberal como o Financial Times, são de que é necessário rever seriamente o paradigma das privatizações. Enquanto isso, aqui ainda insistimos em embarcar nelas, mesmo quando a experiência internacional já demonstrou sua total incapacidade de entregar o que prometeu.

Para saber mais:
Pioneiro, o Reino Unido repensa as privatizações (íntegra em inglês)