Foto: Victor Moriyama

Por Augusto Aneas*

Uma nova ameaça tenta capturar o Parque Augusta, em São Paulo, um dos últimos respiros de área verde no Centro da Cidade, cuja existência é o resultado do trabalho de ativistas com a colaboração de inúmeros segmentos da sociedade, frente à destruição fruto da combinação da sanha imobiliária na cidade com a omissão do poder público.

A última ameaça é um projeto de lei, de autoria do vereador Rodrigo Goulart (PSD), que quer associar o nome Bruno Covas ao Parque Augusta como uma homenagem póstuma ao ex-prefeito de São Paulo, falecido em maio de 2021. Esse projeto de lei (PL 299/2021) foi aprovado, às pressas, em primeira votação na Câmara dos Vereadores de São Paulo, antes do recesso de meio de ano, sem nenhuma discussão ou participação popular.

A história do Parque Augusta já é conhecida por muitos. Seus registros hoje ecoam em diversas teses e pesquisas em  instituições do Brasil e do mundo, além de vários registros na grande imprensa e em diversas redes sociais (além deste próprio LabCidade). Essa memória acumulada e registrada demonstra que a realização do Parque Augusta é a consequência de décadas de demanda e mobilização popular pela oficialização desse parque na cidade – e não uma iniciativa do poder público, em suas diversas gestões e partidos políticos, que atravessaram essa luta comunitária.

Pelo contrário, essa longa história de disputa pelo Parque Augusta só se justifica justamente porque nenhuma dessas inúmeras gestões, e nenhum de seus prefeitos, demonstraram interesse em enfrentar os interesses imobiliários de poderosas incorporadoras da cidade. E foi através de uma persistente inteligência ativista e comunitária, que posteriormente foi aliada a uma estratégia jurídica consistente do Ministério Público de São Paulo, que virou o jogo dessa área verde condenada à destruição.

O cruzamento entre a memória do ex-prefeito Bruno Covas e a memória do Parque Augusta é muito breve: Bruno Covas foi o prefeito da ocasião que assinou o ‘Acordo Parque Augusta’ e a escritura pública do parque que transferiu sua posse para a municipalidade. Estes certamente foram momentos expressivos nos avanços em relação a esse parque, mas podemos afirmar que a presença de Bruno Covas nesses momentos foi estritamente protocolar.

O ex-prefeito nunca se apresentou como um entusiasta do Parque Augusta. Vale lembrar que ele mesmo demonstrou completa indiferença por essa causa e por seus movimentos sociais quando era Secretário Estadual do Meio Ambiente entre 2011 e 2014. E algumas das suas marcas deixadas em São Paulo, como a concretagem do Vale do Anhangabaú e a pressão pela privatização dos parques, demonstram ações contrárias à agenda ambiental.

Porém, esse desempenho de Bruno Covas em relação ao meio ambiente e espaço público de São Paulo não tira o mérito da sua dignidade e do seu bom senso sobre a sua real participação na realização do Parque Augusta. Para aqueles que estavam presentes junto ao ex-prefeito nesses dois momentos mencionados, a assinatura do acordo e da escritura de posse, encontraram com um Bruno Covas humilde e consciente de que esse parque só se tornava realidade pelo grande esforço de décadas de ativistas, coletivos e movimentos sociais. Além de expressar as dificuldades e limitações da Prefeitura de São Paulo na criação de novos parques e na gestão dos parques existentes.

Portanto, qual é o significado de nomear o Parque Augusta hoje como Bruno Covas? Através da aprovação desse projeto de lei na calada da noite, qual a mensagem que os vereadores estão transmitindo para a cidade de São Paulo? Certamente essa atitude intempestiva e autoritária não evoca uma memória social e democrática do nosso ex-prefeito.

Parece justo encontrar um símbolo que possa eternizar a passagem de Bruno Covas por São Paulo, principalmente quando nos lembramos de seu grande esforço em manter suas atividades enquanto lutava bravamente contra uma doença muito difícil que por fim o venceu. Mas é preciso criar uma memória justa e digna para o ex-prefeito. E não forjar uma memória manipulada criada através do aparelhamento do trabalho comunitário e do desprezo pela ação coletiva que representa o Parque Augusta, e que nomeou esse parque como tal.

*Arquiteto e urbanista. Ativista do Movimento Parque Augusta.