Em 19 de abril de 2015, pessoas organizadas no Movimento Terra de Nossa Gente, que compõe a Frente de Luta por Moradia (FLM), ocuparam um imóvel abandonado, localizado à Rua Honduras, 175, no Jardim América, em São Paulo. O lote de 300 m² contém um sobrado em precárias condições de conservação, e foi chamado pelos ocupantes de “mansão”.
As pessoas e famílias que ocuparam a mansão partilham de um histórico de luta comum: elas se conheceram na ocupação de um terreno no Alto Alegre, na zona leste da cidade de São Paulo, em 2007, onde vivenciaram, junto com mais de oitocentas famílias, uma violenta reintegração de posse, quando viram seus barracos serem destruídos pela Polícia Militar.
Sem receber atendimento e removidas de suas casas, as famílias montaram um acampamento no linhão da Eletropaulo, próximo à área de onde tinham sido removidas. Em decorrência dessa nova ocupação, uma parte das famílias foi cadastrada no programa Minha Casa, Minha Vida, em 2009, e recebeu atendimento habitacional provisório que consistiu em três meses de auxílio-aluguel, no valor de R$400,00 mensais.
Vencido o auxílio-aluguel, as famílias se reorganizaram e organizaram um novo acampamento, dessa vez, em frente à Prefeitura, no Viaduto do Chá. A pressão resultou no atendimento emergencial de trinta meses de auxílio aluguel e, novamente, a promessa de inclusão cadastral no programa Minha Casa, Minha Vida, dessa vez em 2010. No entanto, ao fim do prazo de trinta meses e sem respostas concretas sobre suas moradias definitivas, o movimento lançou mão de diversas estratégias ao longo dos anos seguintes: os ex-moradores do Alto Alegre foram para ocupações da FLM na rua Ipiranga, 708; na rua da Consolação; ocuparam a Câmara e a av. São João, na altura do número 288 – que rendeu atendimento para alguns na Vila dos Remédios –; no Lord Hotel; e, finalmente, na Rua Honduras, 175, mobilizando as pessoas que ainda estavam sem moradia digna.
Algumas das moradoras são Erika, Maria Lucia, Silvia e Maria Angélica, cuidadoras e que trabalham também como autônomas, com estética, cozinha e limpeza. Gilneide trabalhou como metalúrgica e agora está desempregada. Geraldo sempre trabalhou em obras, mas agora está desempregado. Mário tem problemas de audição e vive de pequenos trabalhos. Noemi vende doces e Iraci trabalha com reciclagem e sonha em voltar para o Alto Alegre. Erika é a mais jovem do grupo, com 32 anos e uma filha de sete; as demais têm entre 40 e 60 anos, e hoje enfrentam dificuldades em conseguir trabalho. Logo, das mais de oitocentas famílias que ocuparam o terreno do Alto Alegre, essas não receberam nenhum atendimento habitacional.
Considerando o perfil das famílias – idosas, mãe solteira, pessoas portadoras de deficiência – a alternativa habitacional pensada e proposta pelo movimento para o poder público foi a da política de locação social.
https://observasp.wordpress.com/2015/04/22/pela-retomada-dos-programas-de-locacao-social/
https://observasp.wordpress.com/2015/06/22/o-programa-de-locacao-social-em-sp-uma-revisao-necessaria/
Segundo a proposta dessa política, as pessoas não se tornam proprietárias do imóvel, mas podem dispor dele para fins de habitação por períodos determinados, pagando aluguel ao poder público. O valor desse aluguel é subsidiado, levando em consideração a renda familiar – e não o valor de mercado do imóvel – o que pode garantir à família o direito à moradia digna inclusive nas regiões mais consolidadas da cidade.
A mansão da Rua Honduras é de propriedade da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), recebida em doação em 2008 e vazio desde então, sem cumprir sua função social. A proposta de transformá-lo em um espaço para locação social, entretanto, esbarrava no zoneamento da região, cuja revisão – que acaba de ser aprovada na Câmara Municipal – manteve a regra de que os imóveis nos bairros dos Jardins só podem ser destinados a um uso estritamente residencial e unifamiliar.
Restou, alternativamente, a reivindicação pelo movimento de moradia de atendimentos emergenciais aos moradores. No entanto, a portaria 131/2015 da Secretaria de Habitação, aprovada e publicada sem participação popular e sem anuência do Conselho Municipal de Habitação, dificultou ainda mais atendimento aos ocupantes da Rua Honduras.
A Portaria impõe critérios para atendimentos provisórios; uma das condicionalidades é a comprovação de situação de “extrema vulnerabilidade” cuja definição, segundo a portaria, restringe-a a mulheres que sofrem violência doméstica; idosos com mais de 60 anos; portadores de deficiência; e crianças em situação de desabrigo. Outros critérios da portaria incluem o candidato ao atendimento ter sido removido de áreas de impacto de grandes projetos urbanos, ou de áreas ameaçadas de risco geológico-geotécnico, ou, ainda, alvo de desastres socioambientais.
Os ocupantes da Rua Honduras, 175, não se enquadram nessas categorias – estão há anos vivendo de ocupação em ocupação – e ficaram, especialmente após a publicação da Portaria, numa espécie de limbo no atendimento habitacional.
A Unifesp, por sua vez, após a ocupação, entrou com um pedido de reintegração de posse do imóvel, deferido pelo juiz da 22º Vara Cível e cumprido em 24 de março de 2016. Com a saída forçada, os moradores foram acolhidos em outra ocupação da FLM, a ocupação do Lord Hotel, na região central da cidade.