Por Adamo Bazani*
As cidades brasileiras enfrentam diversas dificuldades para oferecer condições dignas de vida aos seus moradores e visitantes. Um dos desafios é proporcionar deslocamentos rápidos e eficientes, respeitando as limitações financeiras que são grandes em todos os municípios brasileiros, independentemente do porte.
O dinheiro é da população. Sendo assim, deve ser respeitado. Os investimentos devem levar em consideração aspectos estritamente técnicos, acima de qualquer intenção de ordem política e partidária.
E é diante deste quadro que surgem as dúvidas em relação à eficácia dos monotrilhos.
A primeira pergunta que deve ser feita é: Este tipo de solução de mobilidade é realmente adequada à realidade das cidades brasileiras?
Os exemplos no estado de São Paulo apontam que não.
A começar pela linha 15 Prata, que deve servir a zona Leste de São Paulo. A promessa de entrega total era para 2012. Passados três anos do prazo, dos 26,7 quilômetros prometidos, apenas 2,9 estão em operação parcial. A promessa inicial era de que o monotrilho custasse aos cofres públicos R$ 6,4 bilhões. Agora, está estimado em R$ 7,1 bilhões e há mais dez aditivos contratuais que vão encarecer ainda mais a obra. Isso significa que o quilômetro do monotrilho deve custar em torno de R$ 265 milhões.
O anúncio oficial é de que, se for concluído plenamente, o modal atenda a 500 mil passageiros por dia.
O número é contestável. Em média, um sistema de monotrilho tem capacidade para atender de 25 mil a 40 mil passageiros por hora/sentido.
Um sistema bem estruturado de corredores de ônibus BRT – Bus Rapid Transit pode transportar até 51 mil pessoas hora/sentido, como é o caso do Transmilênio, da Colômbia, inspirado no modelo de Curitiba. No entanto, o Transmilênio é o exemplo extremo. Um BRT atende, habitualmente, uma demanda entre 20 mil e 40 mil passageiros por hora/sentido.
A grande diferença a que a sociedade deve estar atenta é que este sistema de corredores de ônibus atende a mesma quantidade de passageiros que o monotrilho, ou até mais, custando quase 10 vezes menos. Enquanto o quilômetro do monotrilho não sai por menos de R$ 265 milhões na prática, o quilômetro de um BRT custa em torno de R$ 30 milhões com todos os equipamentos, como estações de embarque e desembarque, bilhetagem, informações aos passageiros, sinalização e obras paisagísticas.
Os monotrilhos até o momento têm representado dor de cabeça, incertezas, vultosos recursos sem retorno, e já começam a gerar constrangimento nos bastidores entre técnicos da Companhia do Metropolitano.
O Governo de São Paulo prometeu entregar, entre 2012 e 2015, um total de 59,7 quilômetros de monotrilhos em três linhas. Os 2,9 quilômetros que estão em operação, entre as estações Oratório e Vila Prudente, da linha 15 Prata, ainda funcionam com horário menor que o dos trens, metrô e ônibus.
Duas linhas, a 15 Prata (zona Leste) e a 17 Ouro (zona Sul), que somam 44 quilômetros, estão em construção, sendo que 21,9 quilômetros foram congelados.
Além da situação negativa atual, com canteiros inacabados, dúvidas em relação a projetos e até mesmo à construção dos trens, especialistas apontam para problemas futuros, como a viabilidade econômica da operação e o impacto urbanístico.
As cidades são feitas (ou deveriam ser) para pessoas. Assim, as discussões sobre mobilidade urbana nunca podem deixar de lado o viés humano.
A verdade é que as cidades, como estão hoje, oprimem as pessoas. É muito cinza para todos os lados e o simples ato de olhar para o céu é dificultado por barreiras de concreto.
As cidades precisam ser funcionais, práticas, econômicas, mas, ao mesmo tempo, proporcionar bem-estar.
Os monotrilhos, com suas vigas, vão justamente contra isso.
Sempre que possível, é interessante buscar soluções que evitem ao máximo estruturas elevadas, como viadutos em excesso e “minhocões”, por melhor tratamento paisagístico que possam receber.
As cidades que derrubaram essas estruturas, ou que ao menos não investiram em novas, tiveram resultados positivos. É o caso, por exemplo, da cidade de Nova Iorque, que em 2009 inaugurou o High Line Park, um parque verde construído na área dos trilhos de uma estrada de ferro elevada que foi desativada, ou de São Francisco, na Califórnia, que demoliu uma espécie de minhocão de 2,6 quilômetros e transformou o local em um bulevar, conhecido como Embarcadero, hoje um dos principais pontos turísticos da cidade.
Sobre as linhas 15 e 17, já que as obras começaram, há quem defenda que então sejam concluídas. Mas e os outros projetos? Não é hora de repensá-los antes de escolher uma solução cara e com eficácia duvidosa?
É o caso da linha 18 Bronze, o chamado monotrilho do ABC.
Com 15,7 quilômetros de extensão, entre São Bernardo do Campo e a estação Tamanduateí, da CPTM e Metrô, o modal deve ter um custo de R$ 4,2 bilhões. A previsão de demanda atendida é de 314 mil passageiros por dia.É muito dinheiro para pouca gente atendida.
Para se ter uma ideia, somente o corredor de ônibus Diadema/Brooklin, que nem chega a ser um BRT, atende a 340 mil passageiros por dia, em 12 quilômetros de extensão, de acordo com dados da SPTrans e EMTU, gerenciadoras de trânsito municipal e metropolitana, respectivamente.
Com o dinheiro do monotrilho do ABC, é possível pagar metade do valor de um metrô pesado em trajeto semelhante, ou então construir 140 quilômetros de corredores BRT que poderiam atender juntos 4,2 milhões de pessoas, levando em conta a extensão e a capacidade de atendimento por quilômetro.
Isso sem contar que, em parte do trajeto do monotrilho do ABC, há o corredor de ônibus do sistema São Mateus – Jabaquara, da EMTU. De acordo com a mais recente pesquisa da ANTP (Associação Nacional dos Transportes Públicos), realizada em 2014, esse corredor tem índice de aprovação por parte dos passageiros superior à do metrô de São Paulo: 75% de avaliações positivas,enquanto para o metrô o índice é de 65% de aprovação.
Com os recursos do monotrilho, é possível qualificar e expandir este sistema já existente, com a vantagem de distribuir melhor a oferta de transportes. Esta, inclusive, é uma das características dos corredores de ônibus: a capilaridade, ou seja, consegue ir aonde as pessoas estão, não sobrecarregando determinados eixos.
Além do custo de implantação, deve ser levado em consideração o custo de operação. Hoje o passageiro de um monotrilho custa em torno de R$ 6,90 para ser transportado por causa da complexidade do sistema. O custo de um corredor de ônibus é de R$ 3,79 por passageiro. Ou seja, além de ser mais caro para construir, o monotrilho vai exigir muitos subsídios.
A sociedade deve estar atenta para que escolhas erradas não sejam práticas comuns.
*Adamo Bazani, do Blog Ponto de Ônibus, é jornalista especializado em transportes. Os dados citados neste texto têm como fontes a UITP e o Embarq.
Em palavras singelas, o monotrilho é um “abacaxi.” Só é interessante para quem negocia “abacaxis”…
“Os monotrilhos (…) já começam a gerar constrangimento nos bastidores entre técnicos da Companhia do Metropolitano”
Quanta bondade do autor! Os monotrilhos, desde sua concepção, foram enfiados goela abaixo dos técnicos do Metrô, mesmo daqueles mais alinhados com o governo…