Por Pedro Rezende, Aluízio Marino, Pedro Lima e Raquel Rolnik*

 

Como de costume durante as eleições, a cartografia é mobilizada como ferramenta para visualizar os resultados das apurações e para apontar padrões geográficos no comportamento eleitoral. Porém, os mapas que geralmente são publicados pela imprensa, com ampla circulação nas redes, reproduzem um vício de linguagem que pode levar a interpretações incorretas sobre os resultados da disputa. 

Um método de representação bastante mobilizado é a classificação de regiões pelos vitoriosos, em que perímetros (geralmente municípios ou estados) são coloridos com uma única cor representando o candidato que obteve o maior número de votos. Essa operação esconde a quão acirrada ou concentrada foi a disputa dentro desses perímetros e, numa leitura descuidada, deixa a impressão de que os territórios, identificados com uma única cor, foram “vencidos” ou “conquistados” por um dos candidatos.

 

Mapas produzidos pelo G1 indicam, em escala de cor vermelha, os municípios onde Lula venceu, e em azul, os municípios onde Bolsonaro saiu vitorioso. Fonte: G1

Essa representação poderia ter algum sentido caso estivéssemos nos Estados Unidos, onde a conquista dos distritos eleitorais, de fato, decide o resultado das eleições, já que o candidato mais votado em uma região leva todos seus votos. Este sistema é diferente do brasileiro, no qual cada pessoa tem um voto e a vitória se dá por maioria simples. Por isso, essa forma de representação cartográfica não nos ajuda a compreender a real dinâmica eleitoral do nosso país, simplificando a leitura e reforçando o discurso do “nós contra eles”, por exemplo na contraposição, repleta de preconceitos, entre o sudeste e o nordeste do país, como já criticamos nas eleições de 2018.

Além disso, nestes mapas as áreas inteiras dos municípios (ou estados) são coloridas por uma ou outra cor, distorcendo seu peso eleitoral, que nada tem a ver com sua área. Numa eleição que se vence por maioria simples, é o número de eleitores a informação que realmente importa. Essas duas formas de representação combinadas comunicam que vastas áreas têm uma expressividade muito grande na eleição de um candidato, quando, na verdade, são estados e municípios muito extensos em área mas muitas vezes com populações pequenas e, portanto, com poucos votos em disputa. 

Para contribuir para a compreensão do voto no primeiro turno para presidência de 2022, o LabCidade produziu leituras cartográficas que abrangem dimensões não exploradas nos mapas que foram publicados na imprensa até o momento.

Nos mapas abaixo, mapeamos a diferença entre os percentuais de votos válidos de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) por município. As maiores diferenças a favor de Lula ocorrem no Amazonas e no interior da região Nordeste, mas também há áreas com mais votos em Lula no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais. Nas áreas rurais de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás, o voto bolsonarista tem uma vantagem menor sobre o voto em Lula. Bolsonaro tem vantagem mais ampla na chamada fronteira agrícola (norte de Mato Grosso e Rondônia) e também nos estados de Roraima e no litoral de Santa Catarina. Na anamorfose, vemos que as regiões com mais eleitores têm margens mais apertadas entre os candidatos, indicando uma disputa mais acirrada nas maiores cidades.

A seguir, vemos o percentual de abstenção por município. No primeiro mapa, vemos que a abstenção foi mais forte nos estados da região Norte e Centro-Oeste do país, e também em municípios na parte norte de Minas Gerais. Em seguida, apresentamos um mapa com a técnica de representação por anamorfose, em que distorcemos os municípios conforme o total de eleitores aptos a votar. Nele, vemos um percentual de abstenções relativamente menor nos municípios com maior número de eleitores.

Para observar em mais detalhes essa disputa interna aos municípios, mapeamos também a votação por zona eleitoral nas regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Nos mapas abaixo, é possível ampliar a imagem com a rolagem do mouse.

Nesses mapas, optamos por mostrar os votos inválidos (brancos e nulos), abstenções e votos em candidatos fora do segundo turno de forma conjunta, apontando os desafios e possibilidades de expansão da base eleitoral na nova fase da corrida eleitoral. Os gráficos indicam que ainda há margem para disputa em todos os territórios, e que ambos os candidatos vencedores receberam votações expressivas em cada zona. Em respeito aos eleitores de todas as regiões, é necessário reconhecer que não existem nem municípios, nem bairros petistas ou bolsonaristas – mas que todos os territórios estão em constante disputa.

Nos próximos dias, com a divulgação dos boletins de urna compilados por estado, o LabCidade voltará a publicar novos mapas e análises com mais granularidades – agregados pelos locais de votação ou colégios eleitorais. Com isso, esperamos contribuir para aprofundar a compreensão sobre a distribuição geográfica do voto e as mudanças trazidas por esta eleição. 

* Pedro Rezende é pesquisador do LabCidade; Aluízio Marino é pós-doutorando e coordenador do LabCidade; Pedro Lima é doutorando e pesquisador do LabCidade; e Raquel Rolnik é professora FAUUSP e coordenadora do LabCidade.