Por Guilherme Carpintero de Carvalho, Carolina Lunetta, Samira Rodrigues, Gabriella Nunes e Silva Palmeira (*)

Neste esquenta para o 8M, movimento pela vida das mulheres que acontece no dia 08 de março, e para nosso próximo Seminário Lutas Urbanas Feministas em São Paulo reunimos uma síntese sobre o debate da habitação que se deu no Seminário Internacional anterior de novembro de 2023, que antecedeu o que acontecerá agora em março, ambos apoiados pela Urban Studies Foundation. Aliás, #save the date: no dia 12 de março, das 10h às 18h, o seminário de São Paulo será reproduzido em streaming pelo YouTube do LabCidade em português!

Em post anterior escolhemos algumas reflexões feministas e feministas recentes. Falamos da imperdível palestra da Verónica Gago, e agora recuperamos o debate em torno da habitação.

O seminário abriu com duas sessões destinadas ao tema da habitação. Uma primeira, onde foram debatidas melhorias urbanas e habitacionais, que contou também com alguns textos que tratavam a relação da moradia com o endividamento. E uma segunda sessão, com apresentações sobre a política habitacional.

Os trabalhos mostraram uma continuidade de processos. Reconheceram que as mulheres sempre estiveram na base dos movimentos sociais e no centro da luta por moradia, reivindicando também equipamentos e infraestruturas, relacionados ao seu papel na reprodução da vida.

Mas os trabalhos apresentados no seminário revelaram novas dimensões do protagonismo feminino nesse campo. Uma das dimensões está nas lutas que rumaram, nas últimas décadas, para uma luta por representação na construção de políticas territoriais, em seus conselhos setoriais. Esta luta imprimiu estudos que procuram tirar da invisibilidade e mostrar o papel das mulheres na construção de territórios, expondo formas de resistências a partir de práticas cotidianas e coletivas de cuidado, bem como a complexidade e contradições destes processos.

Kelly Komatsu, pós-doutoranda pelo IEAUSP apresentou sua pesquisa que analisou o programa de melhoramentos de bairros na Cidade do México. A partir de histórias e perspectivas das mulheres participantes, discutiu as razões pelas quais as mulheres são a maioria nos projetos comunitários. Apresentou também, as contradições enfrentadas por lideranças femininas ao participarem em projetos de melhoramento que, ao mesmo tempo, empoderam as participantes e reforçam papéis de gênero existentes.

A argentina Antonela Mitidieri apresentou sua pesquisa sobre a participação das mulheres de bairros populares na produção das infraestruturas urbanas, tendo a Argentina como objeto de estudo. Usou como metodologia a etnografia feminista para compreender a relação do corpo com a produção das infraestruturas urbanas. Observou que a gestão da infraestrutura pelas mulheres de bairros populares em Buenos Aires é um ato político, na medida em que são mantidas e geridas a partir de práticas sociais, afetivas e materiais do corpo.

Ana Cristina da Silva, moradora do Jardim Macedônia, onde pesquisa, apresentou como se deu a participação das mulheres e a construção de lideranças comunitárias na história da construção do bairro. Revela que apesar desse território ter sido construído a partir de muita mobilização e organização comunitária das mulheres, esse reconhecimento não é refletido na representatividade política. A maioria dos nomes de representantes políticos e das referências de mobilização no bairro ainda são homens.

Yohana Alves apresentou sua pesquisa sobre bairros construídos através de programas habitacionais em Vitória e Velha, no Espiríto Santo, pela perspectiva das mulheres que lá habitam, trazendo análises sobre a vulnerabilidade das mulheres na conciliação do trabalho produtivo e reprodutivo.

Letícia Ueda, por sua vez, apresentou a pesquisa que analisa os impactos da pandemia para as mulheres, comparando três cidades, São Paulo (Brasil), Cidade do Cabo (África do Sul) e Ruhr (Alemanha), observando antes, durante e depois da pandemia e utilizando uma plataforma de pesquisa qualitativa georreferenciada. A pandemia foi um evento que articulou redes e aproximou lutas nas estratégias de resistência pelo cuidado.

Rachel Coutinho e Leslie Loreto analisaram territórios periféricos através da assessoria técnica junto a Coletiva Popular de Mulheres da Zona Oeste do Rio de Janeiro buscando trazer os debates de autonomia, reconhecimento e emancipação das mulheres participantes deste movimento.

Outra dimensão observada nos trabalhos foi a do endividamento. A palestra da Verónica Gago, já abriu o evento trazendo o tema, e a pesquisa de Thais Moreno e Bruna Santiago na sequência analisou a empresa Vivenda, primeira empresa com foco em melhorias habitacionais para pessoas de baixa renda no Brasil que capta recursos do mercado financeiro vendendo kits de reforma para melhorias habitacionais. Apresentam os limites e processo de endividamento que esta nova modalidade coloca, discutindo a expansão da financeirização nas periferias a partir desse novo produto de mercado. Elas explicam que esse produto é atrativo para mulheres de baixa renda, mas revelam que a maioria das participantes não consegue pagar os empréstimos feitos e que a reforma não resolve o problema da qualidade da moradia, mas sim leva ao endividamento dos mais pobres.

Outra dimensão tratou no enfrentamento do modo hegemônico patriarcal e racializado que as cidades são construídas.

Bárbara Rodrigues partiu dos conceitos de território, corpo-território, comum e feminismo comunitário para discutir a ocupação para mulheres em situação de violência chamada Mirabal e questionar o modo hegemônico patriarcal da construção das cidades.

Mariana Assef discutiu sobre a despossessão da terra, no centro antigo de Salvador, por conta das ações de “requalificação” urbana e suas transformações no cotidiano da população, através de uma leitura com abordagem de gênero e raça.

Foram falas inspiradoras mostrando como mulheres periféricas usam seus corpos para defender o território, para a produção de habitação e promover melhorias urbanas. Esses estudos mostram as complexidades das lutas urbanas feministas de resistência a partir de práticas cotidianas e coletivas de cuidado.

Se quiserem saber mais sobre o Seminário Internacional realizado em novembro, vejam o programa final, os Anais com os resumos apresentados e selecionados, ou os vídeos na íntegra, e a playlist no youtube com os vídeos, permitindo uma visão ampla das pesquisas sobre o tema.

 

(*) Guilherme Carpintero de Carvalho, arquiteto urbanista, doutorando pela FAUUSP; Carolina Lunetta, arquiteta urbanista, professora e pesquisadora no IHS; Samira Rodrigues, arquiteta e urbanista, mestranda pela FAUUSP e conselheira municipal de habitação; Gabriella Nunes e Silva Palmeira é pesquisadora de iniciação científica e graduanda FAUUSP.