Por Centro de Defesa Ferreira de Sousa e Raquel Rolnik *

A zona norte da cidade de Teresina está em conflito. Desde  2008 a Prefeitura Municipal da cidade lançou um mega projeto de revitalização urbana, o Programa Lagoas do Norte – PLN, financiado pelo Banco Mundial. São mais de 800 milhões de reais sendo executados pelo Programa  envolvendo 13 bairros e afetando diretamente quase 100.000 pessoas, 10% da população da cidade.

Nessa mais de uma década de implementação do projeto, pelo menos 1.000 famílias já foram removidas e, até 2021 (prazo em que se encerra o Programa), outras 2.200 devem também ser deslocadas. Para além dos deslocamentos, são também questionáveis as soluções apresentadas de saneamento e drenagem. Estes processos têm sido acompanhados por  denúncias de violações do direito à moradia, já que as soluções propostas não levam em consideração a natureza do lugar e seus habitantes. Ali vivem – e inclusive preexistem à própria implantação da capital – diversas comunidades tradicionais e ribeirinhas: são pescadores, oleiros, rezadeiras, vazanteiros, praticantes de Bumba Meu Boi e povos de terreiros com mais de 400 lugares de culto afro brasileiros. Estas  comunidades sempre viveram às margens dos rios e lagoas e suas vidas estão em sintonia com o ciclo das águas. Entretanto, estas mesmas formas de morar hoje são marcadas como “áreas de risco” e fadadas a desaparecer.

Região onde o projeto Lagoas do Norte pretende ser implantado, em Teresina (PI).

Na implantação do PLN é evidente o contraste entre duas lógicas de cidade, marcadas pela distância que existe entre os planos de (re) vitalização urbana, em projeto contratado pelo poder público e elaborado por um escritório europeu, e os desejos da população moradora no território local, que denuncia as poucas oportunidades que teve de participar de forma propositiva, a partir de suas linguagens.

Território popular e autoconstruido, a região em questão é o  último pedaço de terra ainda preservado no perímetro urbano teresinense, próximo ao Centro e da zona nobre da cidade, sendo hoje um grande objeto de desejo para a expansão do mercado  imobiliário.

O painel de inspeção do Banco Mundial, mecanismo importante de ouvidoria do Banco, foi acionado para que, a partir da iniciativa do próprio Banco, estes procedimentos sejam mudados e o projeto rediscutido. Um projeto que anuncia sustentabilidade ambiental e melhoria da qualidade de vida de quem vive ali teria que, no mínimo, levar em consideração suas vozes**.

Essa e as fotos abaixo são de Maurício Pokemon, fotógrafo e artista visual de Teresina

* Associação de Moradores da Zona Norte de Teresina; Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade.
** Mais informações sobre o caso, vale acompanhar a página Lagoas do Norte Para Quem? no Facebook e a este dossiê produzido pelo Centro de Defesa Ferreira de Souza.