GCM invade as instalações no Atende II, 25 de novembro de 2019 (acervo do Coletivo A Craco Resiste)

 

Por Aluízio Marino e Ariel Machado *

Mesmo que ainda não existam dados oficiais sobre pessoas infectadas no fluxo da cracolândia, a pandemia da covid-19 já está impactando essas pessoas. As medidas de isolamento paralisaram parte dos serviços públicos e implicaram no fechamento das “bocas de rango” – restaurantes que oferecem de forma voluntária alimento a população em situação de rua. Além disso, vulnerabilidades anteriores como a inexistência de banheiros públicos e acesso à água potável impõe desafios para a proteção dessa população.

Para piorar essa situação a prefeitura afirmou que irá fechar amanhã, 08 de abril, o Atende II, o último equipamento municipal que provê assistência aos usuários no território. Mais conhecido como “Tenda”, esse equipamento abrigou até 2016 oficinas e atividades do antigo Programa De Braços Abertos. Atualmente, embora totalmente precarizado e em constante conflito com os pequenos traficantes que atuam no entorno, esse espaço oferece diariamente refeições e pernoite a cerca de 180 usuários. Trata-se da continuidade do desmonte dos equipamentos e serviços de assistência e proteção realizado nos últimos três anos, estratégia que já se mostrou fracassada.

Ao observamos as estratégias adotadas desde 2017, podemos afirmar que a ausência dos serviços de assistência social não irão diminuir o fluxo de pessoas da Cracolândia. A aglomeração de pessoas irá permanecer no lugar onde a droga está. A permanência dos usuários e do tráfico, somado à total falta de assistência social, irá aumentar a vulnerabilidade e a tensão no território.

É evidente que uma situação como essa irá justificar outras ações violentas contra os usuários, com a utilização de bombas de efeito moral e balas de borracha, como acontece quase cotidianamente. Entretanto, agora existe um fato novo que não pode ser ignorado: com a prorrogação da quarentena a polícia já está autorizada a agir para evitar aglomerações, inclusive prendendo aqueles que não respeitarem às ordens de voltar para casa.

Aí teremos outros problemas ainda mais graves. Em primeiro lugar, é impossível realizar uma ação de prisão em massa dos usuários, o que acarretaria em uma dispersão de parte dessas pessoas para outros locais da cidade, dificultando o acompanhamento dos profissionais de saúde e assistência. Em segundo lugar, para onde iriam os usuários presos? O sistema carcerário já está lotado e sem condições de lidar com uma doença como a Covid-19, imaginem qual será o impacto se parte dos usuários já estiverem infectados (mesmo que assintomáticos) e levem a doença para dentro das cadeias?

Evidentemente que não defendemos a manutenção da cracolândia como ela se encontra. Mas será a violência e a prisão dessas pessoas a única alternativa? Afirmamos veementemente que não. A história recente nos mostra isso, mesmo com inúmeras ações policiais articuladas desde maio de 2017, o fluxo de usuários e o tráfico não pararam.

Bebedouro instalado no mês de março próximo ao Largo General Osório (acervo do Coletivo Paulestinos)

Na contramão da política “porrada e bomba”, atuam coletivos e instituições de diferentes áreas – em especial na saúde mental, redução de danos, urbanismo humano, arte e cultura – que estão articulados na defesa e na garantia de direitos dessa população. Com muita resistência e persistência, esses coletivos tem conseguido avanços que prefiguram uma alternativa para esse local. Exemplos disso são as ações de orientação e prevenção com distribuição de materiais de higine e água; e a instalação de bebedouros próximo ao Largo General Osório, conquista que já há muito tempo era reivindicada.

Evidentemente que a ação desses grupos é insuficiente para lidar com os complexos desafios colocados. Mas apontam o que fazer (e o que não fazer) para proteger os usuários e toda a população da covid-19. O fechamento do Atende II é uma péssima medida em um momento em que os usuários desse serviço estão ainda mais vulneráveis. Ao invés de fechar equipamentos e interromper serviços é necessário reforçar às políticas e a infraestrutura de assistência e saúde existentes no território. Mais do que isso, é fundamental avançarmos em alternativas de moradia para essa população.

*Doutorando em Planejamento e Gestão do Território (UFABC), pesquisador do LabCidade;
Graduando em Geografia pela Universidade de São Paulo e membro do coletivo autônomo A Craco Resiste