Foto: De Olho nos Ruralistas

Por Larissa Lacerda *

Se os principais focos de contágio do coronavírus são as cidades, fazendo uma questão de saúde pública ser também uma questão urbana, os caminhos de contaminação do vírus têm se expandido a cada dia rumo aos territórios de povos tradicionais espalhados pelo país. O que acende ainda mais um alerta vermelho sobre o acirramento de conflitos e a deterioração das condições e formas de vida dessas populações.

Como alerta o Mecanismo de Especialistas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas, órgão vinculado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, alguns povos irão sofrer com a doença de forma desproporcional. Em comunicado lançado no dia 6 de abril de 2020, o órgão apresenta o temor de que muitos indígenas venham a morrer não apenas em decorrência da covid-19, mas também pelos conflitos e violências vinculados à escassez de recursos que podem acirrar disputas históricas nestes territórios. Dessa forma, o Mecanismo de Especialistas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas solicita ao Estados que se comprometam a acabar com as remoções, a redução ou a mobilização de terras indígenas para fins de atividades militares, reiterando que a proteção territorial é um componente vital dos esforços dos Estados para proteger os povos indígenas da propagação da doença e para sua recuperação depois da crise. O documento completo pode ser acessado aqui.

Indo na contramão dessas recomendações, o governo federal brasileiro publicou uma resolução, no Diário Oficial da União de 27 de março de 2020, que autoriza a remoção e o reassentamento de famílias que vivem no Território Quilombola de Alcântara, no Maranhão. A medida pode afetar cerca de 800 famílias, que vivem em 30 comunidades quilombolas na região desde o século XVII. A justificativa para a remoção é a liberação da área para a consolidação do Centro Espacial de Alcântara. Se a medida em si mesma já é muito questionável, causa espanto que ela venha no meio da crise ocasionada pela pandemia. Assim que a resolução foi publicada, as famílias quilombolas e diversas organizações e coletivos pela garantia dos direitos dos povos tradicionais se mobilizaram para pressionar o governo federal, o que resultou em um acordo firmado entre o Ministério da Defesa e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e o Ministério Público Federal, no dia 3 de abril, em que o governo se compromete a não remover as famílias enquanto perdurar a crise.

Ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes. Foto: Governo do Maranhão
*Doutoranda na FFLCH-USP e pesquisadora do LabCidade.