Por Paula Freire Santoro e Carolina Heldt D’Almeida

Há algum tempo as cidades já têm sentido os impactos do aluguel de curta temporada, já comentado em post aqui. Dentre eles: o aumento de preços da terra para comprar ou alugar nos bairros onde estes se concentram; a migração de imóveis de aluguel de longa duração para curta duração diminuindo o parque para locação mais permanente; produção de unidades para o investimento no aluguel, voltados para uma rentabilidade de longo prazo e manutenção do alto preço apesar da vacância dos imóveis; deslocamento involuntário dos moradores que não conseguem mais pagar aluguel nestas áreas valorizadas e com escassez de imóveis para aluguel de longa duração; sem falar nas crises nos condomínios que convivem com o ir-e-vir dos que alugam por temporada, por vezes gerando incomodidades e impactos na qualidade de vida dos moradores; entre outros.
Vários destes impactos poderiam ser evitados ou mitigados por regulação e controle público da atividade, no entanto, não basta cobrar impostos, é preciso compreender e evitar os impactos urbanos do aluguel temporário. Atualmente encontramos três grupos de regulação mobilizados por diferentes cidades no mundo.
Um primeiro grupo seria o da regulação que, por exemplo, reconhece a atividade e cobra impostos sobre estas transações. Não se trata portanto de uma regulação do aluguel temporário, mas um “deixar rolar” (tradução livre de “laissez-faire”, que defende a mínima interferência do Estado na economia) e tirar da clandestinidade as plataformas e os aluguéis.
Recente matéria na Folha de S. Paulo mostrou a disseminação desta ideia, identificando alguns municípios brasileiros recentemente aprovaram leis para cobrar ISS (Imposto sobre Serviços) dos aluguéis de curta temporada, tributo hoje pago por hotéis. Outros teriam projetos de lei apresentados, mas ainda não aprovados. Outros solicitaram dados das plataformas, entendendo que pessoas físicas estariam sujeitas ao ISS, sendo que um município, Bonito/MS ajuizou ação para obrigar o compartilhamento desses dados.
Estas tentativas fazem emergir a discussão se o aluguel temporário é um aluguel, como estabelecido no Código Civil, sobre o qual os proprietários de imóveis pagam imposto de renda, e/ou se é uma prestação de serviços, que incluem a ideia de aluguel como serviço, mas também das plataformas como prestadoras de serviços e não fornecedoras de moradia.
O debate não é novo, Bianca Tavolari já tinha trazido a disputa em torno do que é considerado “serviço de moradia” no Brasil. Ela sinalizava para o debate se o aluguel temporário poderia não se enquadrar como aluguel e, portanto, não deveria se submeter à lei do inquilinato. Concluiu que, no país, não definimos que tipo de atividade as plataformas de aluguel desempenham, elas fazem contratos atípicos, não são nem de locação, nem hospedagem. E essa indefinição interessa aos envolvidos neste negócio, proprietários e plataformas. Além do fato da polêmica encobrir os impactos urbanos da atividade.
Tavolari, ao elencar impasses regulatórios para o compartilhamento de moradia, apresentou questões que aqui recupero como necessárias para o desenho de uma política para aluguéis temporários, que vão além da cobrança de impostos. Estas seriam: a necessidade de se definir o papel e responsabilidade das plataformas de aluguéis temporários nas transações feitas via plataforma; se e como integraria a relação contratual entre hóspede e anfitrião, suas responsabilidades na relação locatícia, quem recolhe taxas e impostos (se a plataforma ou o anfitrião); o necessário enfrentamento dos desafios de distinção entre usuários esporádicos, geralmente pessoas físicas, e empresas ou proprietários de um número grande de unidades ofertadas na plataforma; os desafios do controle público desta atividade ou do desenho de uma política de regulação e o enfrentamento da discussão sobre o controle ou acesso à informação, inclusive as estratégias utilizadas pela plataforma para evitar as iniciativas de regulação e fiscalização da atividade das plataformas; entre outros.
Estas questões seriam enfrentadas por um segundo grupo de normativas encontradas pelo mundo, que envolvem a permissão do aluguel temporário com certas restrições, que podem ser (i) quantitativas, que incluem a limitação da quantidade de acomodações, da quantidade de visitantes ou dias permitidos para aluguel e a quantidade de vezes que uma habitação pode ser alugada por ano; (ii) de densidade, que limitam o número de unidades para aluguel temporário em determinados bairros, por exemplo; ou (iii) qualitativas, que definem o tipo de acomodação, requisitos específicos de segurança (como a instalação de um detector de fumaça, p. ex.) também se enquadram nessa categoria.
A restrição de densidade em alguns bairros procuraria superar os efeitos urbanos concentrados: poucos bairros contém grande parte das unidades ofertadas, como no caso de Nova York onde apenas três bairros foram responsáveis por um terço de toda a hospedagem via Airbnb; enquanto que unidades em subúrbios e periferias mesmo que ofertadas, raramente são alugadas, mostrando que a localização importa muito para os lucros obtidos com o aluguel temporário.
Essas restrições são frequentemente combinadas com a obrigação de os anfitriões obterem uma autorização ou licença para alugar (partes) de sua casa. Algumas cidades possuem plataformas públicas com os autorizados a desenvolver a atividade. Outras possuem, na regulação urbana, a necessidade de distinção entre usos comerciais e residenciais, que pode ser no zoneamento mas também em tipologias de uso de edifícios que impedem o aluguel temporário (como existe em Nova York).
As permissões com restrições exigem um controle público da atividade, que se fossem transpostas para as cidades brasileiras, exigiria uma estrutura institucional e de fiscalização, que não existe atualmente no país. E nem sempre elas dão conta de superar os impactos urbanos do crescimento desta atividade.
Nesta direção, um terceiro grupo de regulação, mais radical e apontado como necessário por vários movimentos de inquilinos, envolveria a proibição total da atividade temporária. Sabe-se que Barcelona, na Cataluña, pretende eliminar gradualmente as licenças de aluguel temporário até 2028. Berlim, na Alemanha, proibiu em 2014 e retomou com restrições em 2018. Nova York, nos Estados Unidos, que desde 2023 permite o aluguel temporário de partes da casa e apenas se o proprietário estiver no imóvel quando ele for alugado.
O tema tem sido mobilizado por ativismos, e é possível notar um aumento das lutas em prol de regulações do mercado de aluguel, especialmente do temporário, que compete com as moradias permanentes, de longa duração. Suas pautas visam evitar os efeitos negativos como: o aumento de aluguéis nos bairros turísticos ou centrais; as mudanças de moradia e de bairro por parte da população que não consegue acessar imóveis para aluguel permanente face à maior rentabilidade obtida com aluguel temporário que suga os imóveis para esta atividade; ou mesmo o pagamento de preços altos que crescem nas áreas que concentram oferta dos temporários; ou ainda o aumento das rescisões de contrato de aluguel permanente para que este migrar para esse mercado. Além disso, os incômodos são generalizados, por exemplo, em relação à qualidade de vida e à disponibilidade de moradias em diferentes cidades.
Pautas propositivas associadas propostas pelos movimentos estes são: ampliação do parque imobiliário para locação de longa duração; estruturação de garantias aos inquilinos; pela manutenção (contrárias ao desmonte) dos parques de imóveis com preços regulados; medidas de resistência aos despejos, evitando-os; e a busca de alternativas e políticas urbanas e habitacionais dirigidas à população com rendas mais baixas ou sem renda.
Alguns casos dessas lutas diante da crise do aluguel foram debatidos em Seminário realizado em 2024 e resumido em post publicado aqui. São exemplos de organizaçoes e lutas em torno do tema, a Federación de Inquilinos Nacional na Argentina e uma rede multisetorial de organizações sociais em Buenos Aires; a Plataforma de Afectados por la Hipoteca (PAH) e o Sindicat de Llogateres (SL) em Barcelona e na Catalunha; o Movimiento de Inquilinas e Inquilinos de Caracas na Venezuela; a organização dos inquilinos em Nova York, nos Estados Unidos, são exemplos de movimentos que conquistaram avanços na regulação dos aluguéis em cidades no mundo, bem como representam o fortalecimento da mobilização social de inquilinos.
Estas lutas ampliam a visão sobre os efeitos urbanos e habitacionais do aluguel temporário, para além do debate sobre os impostos. Inspirados nelas poderíamos incidir no debate público brasileiro sobre aluguel, trazendo para o debate medidas que visem desmercantilizar paulatinamente o aluguel e não apenas tentativas de abocanhar os ganhos (hoje imensuráveis) de plataformas e proprietários.
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