Demolições, lacramentos, remoções, incêndios, violência policial e internações forçadas são situações recorrentes na região da Luz, no centro de São Paulo, desde 2005, quando foi lançado o projeto Nova Luz. No entanto, levantamento histórico feito pelo Observatório de Remoções mostra que estas  violações nunca foram tão frequentes como desde maio deste ano. E mais: os picos de violações aos direitos de moradores e frequentadores sempre coincidem com grandes projetos de renovação urbana.

 

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O território que compreende os bairros Luz e Campos Elíseos é marcado por violações, violências e remoções sofridas por quem mora, circula e trabalha por ali, especialmente a população mais pobre, maioria dos que habitam o território. Com foco no período entre 2005 e 2017, o mapa e a linha do tempo interativa mostram, em seqüência espaço-temporal, a truculência das polícias civil, militar e da guarda civil metropolitana (incluindo homicídio e tortura), as demolições e os lacramentos de imóveis habitados,os incêndios em áreas de moradia precária e as internações forçadas dos sujeitos-usuários de substâncias químicas em situação de rua. As fontes para os registros das ocorrências foram mídias digitais, como Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, Diário de São Paulo e Jornalistas Livres, denúnicas do grupo A Craco Resiste e a pesquisa de campo que o Observatório de Remoções desenvolve na região.

O objetivo desta cartografia é denunciar práticas que pioram a situação em que se encontram os sujeitos-usuários de substâncias químicas em situação de rua e as famílias-residentes em pensões, ocupações de moradia e/ou assentamentos precários. A violência policial também atrapalha políticas de assistência social e de moradia implementadas pelo próprio Estado e por uma rede de organizações da sociedade civil, que ao longo do tempo procuraram respeitar a dignidade dos sujeitos que ali habitam e melhorar suas condições de sobrevivência.

Muitas operações policiais foram realizadas nesse território com a justificativa do “combate ao tráfico”, mas o resultado prometido nunca foi alcançado. Pelo contrário, entre 2016 e 2017 o número de usuários de drogas que frequentam a cracolândia aumentou 160%, enquanto a proporção de mulheres também subiu de 16,8% para 34,5%. Os dados são do Levantamento do Perfil dos Usuários de Drogas na Região da Cracolândia, realizado pelo governo do estado de São Paulo em parceria com o PNUD.

A população pobre, que reside em pensões, ocupações e outros conjuntos autoconstruídos, também sentem os efeitos das políticas de repressão, sendo expulsas múltiplas vezes de suas moradias. Em outras palavras, a “guerra às drogas” se transformou em justificativa para remover sujeitos considerados indesejados e abrir espaço para outras pessoas ocuparem aquele pedaço da cidade. Este quadro apenas agrava problemas mais amplos e estruturais como a falta de moradia adequeda, o genocídio da juventude negra e o encarceramento em massa.

Mais do que uma coincidência, a análise histórica e geográfica questiona os interesses em torno das violações nesse território. Sob a justificativa da internacionalmente fracassada guerra às drogas, o Estado abre espaço para uma política de reestruturação urbana excludente e violenta. É isso que o mapeamento mostra. Na região da Luz, o aumento de violações de direitos humanos acontece paralelamente à definição e execução de projetos urbanísticos, como o projeto Nova Luz, a Parceria Público-Privada (PPP) Habitacional da Região Central e a PPP do novo Hospital Pérola Byington. Essas PPPs ameaçam, hoje, diretamente os moradores de três quadras inteiras, sendo que numa delas diversas pessoas já receberam notificação com prazo para desocupar suas casas e comércios. Agora, surgem outros projetos, como o “Redenção” e o Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Terminal Princesa Isabel.

Tempo de violações

O projeto urbanístico “Nova Luz”, proposto entre os anos de 2005 e 2012, previa a “revitalização” do bairro. Um discurso estranho para a região que possui taxa de densidade demográfica entre as mais altas do centro expandido. Quem conhece a região sabe que vida ali nunca faltou.

Uma das ações vinculadas ao Nova Luz foi a “Operação Limpa Cracolândia”, que dispersou os usuários e demoliu uma série de imóveis em uso. A antiga rodoviária foi demolida neste contexto, quando já havia virado um shopping. Após a demolição, o grande terreno permaneceu vazio por cerca de sete anos.

MAPA 2005-2008

Durante a tentativa de implantação do projeto Nova Luz, a Favela do Moinho também sofreu uma série de incêndios. Ali residem inúmeras famílias em situação precária, apesar da área ser uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS 3) desde 2004.

MAPA 2009-2012

O ano de 2012 é marcado pela“Operação Sufoco” e a consequente “procissão do crack”. Quando policiais militares e guardas civis metropolitanos reprimiram violentamente o “fluxo”, usuários foram obrigadosa circular pela região para conseguir fazer uso da droga. A partir de então, verifica-se um deslocamento das ações de repressão para o entorno da Rua Helvetia. Foi ali onde o fluxo se instalou depois das operações policiais do Nova Luz.

A partir de 2013, depois do projeto ser interrompido, observa-se uma diminuição das ações de repressão contra o “fluxo”. Pela primeira vez são experimentadas estratégias alternativas de atuação do poder público, como o programa “De Braços Abertos”, que oferecia de moradia e trabalho para dependentes químicos. Entretanto, mesmo com a inserção de novas ZEIS na região, entre 2013 e 2016, insegurança e vulnerabilidade permanceceram rondando a população local. Nesse período, especialmente na Favela do Moinho, a relação com a prefeitura se torna bastante tensa e acontecem diversos protestos devido a novas ocorrências de incêndio e outras reivindicações históricas. Os moradores foram duramente reprimidos pela guarda civil metropolitana.

MAPA 2013 – 2016

Em 2017, apesar do reconhecimento da mídia e de pesquisadores afirmando  que a repressão policial não resolve os problemas da região, há uma intensificação das violações, violências e remoções. O número de ocorrências entre os meses de maio e julho são os maiores desde 2005. Evidencia-se também uma maior violência por parte do Estado, com denúncias de tortura e assassinato de um morador da Favela do Moinho por policiais militares. Em outro episódio um jovem perdeu a visão de um olho devido a um disparo de bala de borracha contra os usuários na Praça Princesa Isabel, também por policias militares.

MAPA 2017

Nota metodológica:

A cartografia foi realizada na plataforma CARTO. Todas as matérias, vídeos e demais referências estão elencadas com o título e o hiperlink em cada uma das ocorrências mapeadas. A iconografia utilizada para representar as violações estão disponíveis no “Manual de Mapeo Colectivo” desenvolvido pelo grupo argentino “Iconoclasistas”.

Importante destacar que o mapeamento é subdimensionado, ou seja, não contempla todas as violações, violências e remoções que aconteceram durante o período analisado. Isto pois a grande maioria das ocorrências é invisibilizada.