É preciso estabelecer limitações aos automóveis e regulamentar plataformas digitais de  entrega rápida. Proibir motos nas marginais culpabiliza a vítima e não resolve o problema estrutural

Por Raquel Rolnik*

A proibição da circulação de motociclistas na via expressa da Marginal Pinheiros sentido Castelo Branco começou a ser fiscalizada pela CET (Companhia de Engenharia e Tráfego) na última quinta-feira (20/6). Vale lembrar que a Prefeitura já havia adotado medidas  semelhantes na Marginal Tietê.

As medidas fazem parte de um Plano de Segurança Viária,  que a Prefeitura de São Paulo tem implementado com o objetivo de reduzir mortes no trânsito. Dados da CET apontam que em 2018 morreram 849 pessoas no trânsito de SP, número que cresceu em relação ao ano anterior. Destes, 366 eram motociclistas. Esta foi a primeira vez, desde 1979, em que morreram mais motociclistas do que pedestres, historicamente os campeões de mortes.

Reduzir as mortes no trânsito, estabelecer uma meta e adotar medidas nesta direção é louvável. Mas cabe pergunta aqui. Ora, se quem morre mais no trânsito é o motociclista, e as Marginais e outras vias expressas são os pontos que concentram os acidentes de motoqueiros, a melhor solução  é impedir os motociclistas de circular? Em outras palavras, por que apenas as potenciais vítimas são responsabilizadas por todo o ônus da sua própria morte? Aqui temos dois pontos a considerar. O primeiro é: em que pese a imprudência por parte dos motoristas de moto, não há dúvida de que a forma como os sistema viário é monopolizado pelos automóveis – com pouquíssimas restrições de velocidade – também tem grande responsabilidade na ocorrência dos acidentes. Carros atropelam e matam, mas sua onipresença na cidade não é considerada no Plano de Segurança da prefeitura. Inclusive desde o início da gestão Doria os limites de velocidade em determinadas vias de circulação, reduzidos na gestão Haddad, foram novamente elevados, sob o lema “acelera, São Paulo”.

Outro ponto a considerar quando nos colocamos diante do desafio de reduzir as mortes de motociclistas é a crescente participação deste modo de circulação na região metropolitana. De acordo com a última edição da pesquisa Origem e Destino, realizada em 2017, a participação das motos  na mobilidade da cidade aumentou 42% nos últimos dez anos, muito acima percentual geral de aumento de viagens no período, que foi de 9%. O uso de motocicletas já vinha aumentando, mas tem sofrido uma verdadeira explosão como a entrada no mercado das empresas de aplicativos digitais de entrega rápida. De acordo com os dados do Sindimoto, dos 200 mil motociclistas de São Paulo, entre 30 e 40 mil são motofrentistas trabalhando com apps.

Para quem usa os aplicativos, parece um milagre: com um clique, mercadorias chegam na porta da casa ou trabalho, uma verdadeira “revolução na mobilidade, ou a logística do futuro”, de acordo com os anúncios presentes nos sites das empresas. Porém o paradoxo é que a esta hiper modernidade confortável implica uma espécie de volta a um tipo de exploração do trabalho do final do século 19, quando as pessoas esperavam nas ruas e portas das fábricas a oportunidade de oferecer seu trabalho por hora ou por dia.

Neste setor, os entregadores, denominados “parceiros” pelas empresas, são  microempreendedores individuais que recebem por entrega e para poder ganhar “rodar” precisam trabalhar muito rapidamente, se expondo a riscos, inclusive a morte. Algumas empresas, inclusive, oferecem bônus a quem cumpre e supera a meta das entregas.

Diante deste quadro, proibir que os motociclistas circulem na marginal é fazer da vítima seu próprio algoz. Para não tocar nem questionar os outros elementos que fazem parte desta equação macabra.

 * Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade. Coluna originalmente publicada no UOL.