Planos anunciados para as áreas são mais cartadas na disputa corporativa pelos negócios em torno da F1 do que algo que se realizará 

Por Raquel Rolnik*

A competição de Fórmula 1 acontece em São Paulo, no Autódromo de Interlagos, desde 1972. Em 1978 e no período de 1981 a 1989, foi realizada no Autódromo de Jacarepaguá, voltando no ano seguinte para a capital paulista. Atualmente a prefeitura de São Paulo tem contrato assinado com os promotores do evento até 2020. No mês passado, entretanto, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que há 99,9% de chance da corrida acontecer no Rio de Janeiro, onde será construído um novo autódromo em Deodoro.

É claro que o evento movimenta muito dinheiro em função dos turistas que se hospedam nos hotéis e consomem na cidade. Só em 2018, o GP Brasil de F1 rendeu R$ 334 milhões, de acordo com a prefeitura de São Paulo. Esta procura, é claro, mobiliza o interesse das prefeituras. Mas, para muito além do interesse declarado das duas cidades, esta é uma briga entre os promotores do evento, tanto o promotor da F1 no Brasil quanto o atual dono da marca F1, que é uma empresa de mídia norte-americana. Ambos são atores do mundo corporativo atuando no universo esportivo. E protagonizam esta disputa que basicamente é por quem assume e a que estratégias vai recorrer para ganhar mais com a exploração da cadeia de entretenimento corporativo, que inclui o agenciamento de marcas, controle de direito de difusão, entre outros.

É chocante observar como a disputa entre estes interesses corporativos interfere nas decisões do poder público sobre o destino de áreas inteiras da cidade. E é sobre isto que queremos chamar atenção. Só em São Paulo, nos últimos três anos, pelo menos cinco projetos diferentes foram anunciados para a área na qual está localizado o Autódromo de Interlagos. Um deles falava em privatização e transformação em mega operação imobiliária. Mas a esse respeito já se voltou atrás, e recentemente inclusive foi aprovada pela Câmara de Vereadores apenas a concessão à iniciativa privada, mantendo assim suas características que permitem continuar recebendo o GP e outros eventos automobilísticos. Outra das ideias anunciadas para a região é o Projeto de Integração Urbana (PIU) Arco Jurubatuba, que tampouco é o primeiro projeto anunciado para a área – e dentro dele se fala de um futuro Plano Estratégico para Interlagos.

Já no Rio de Janeiro se anuncia a construção de um autódromo e a prefeitura se apressa a assinar uma licitação para conceder esta área para um consórcio de empresas. Porém, por se tratar de uma área de mata e em função de um EIA RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) que sequer foi realizado, e muito menos aprovado, o próprio Ministério Público contesta o resultado do certame.

O que me parece é que o anúncio destes planos, e mesmo sua aprovação nas Câmaras, não significa necessariamente que eles serão feitos. No cenário da disputa entre os grupos empresariais envolvidos, eles nada mais são do que cartadas, como em um jogo de pôquer, para valorizar mais ou menos as ofertas e chances das corporações em disputa.

O triste é que é o destino da cidade que vai sendo negociado neste jogo. É uma pena, porque Interlagos, em São Paulo, ou Deodoro, no Rio de Janeiro, são regiões muito importantes para as respectivas cidades. E portanto mereceriam, no mínimo, uma discussão muito mais qualificada sobre o seu futuro.

* Professora da FAU-USP e coordenadora do Labcidade. Coluna originalmente publicada no UOL.