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*Por Luanda Vannuchi, Paula Santoro e Daniel Guth

A Câmara Municipal de São Paulo aprovou no último dia 3/6 o Projeto de Lei 312/2013, que concede, por até 30 anos prorrogáveis, áreas públicas da cidade para a criação de edifícios-garagem por empresas privadas.

Para poder explorar comercialmente uma área pública, a empresa que ganhar a licitação deverá arcar com os custos de planejar, construir e implantar as novas garagens, ou requalificar as já existentes. O lucro da operação viria principalmente da tarifa de estacionamento de veículos, mas a área cedida também pode ser explorada comercialmente direta ou indiretamente pela empresa.

Resta apenas a sanção do prefeito Fernando Haddad para que o projeto vire lei e entre em vigor, o que deverá ocorrer em breve.

Por que não da forma proposta?

A ideia, da forma que está, pode ser um tiro no pé.

A principal justificativa para o PL é que a cidade de São Paulo carece de áreas de estacionamento, especialmente se integradas a terminais metroviários, ferroviários ou rodoviários, articulando o transporte individual com o sistema de transporte público.

Articular os diferentes modais é preciso e é sim uma boa ideia. Entretanto, não há sentido em estimular edifícios-garagem sem associá-los a medidas de restrição à circulação de automóveis, como remoção das vagas livres e rotativas no viário, cobrança de estacionamento na via ou mesmo a polêmica implementação de um pedágio urbano.

Simplesmente ampliar as vagas de estacionamento pode ter o efeito reverso de estimular o uso do carro em áreas como bairros mais afastados do centro expandido e municípios vizinhos, onde a taxa de motorização é atualmente bem menor. Uma vez estimulado o uso, não há garantias de que o transporte público coletivo, já saturado, seja atrativo à migração de modal – as pessoas podem continuar optando por fazer o trajeto integral de automóvel.

A preocupação de articulação com outros modais deveria envolver também (e principalmente) os modos ativos de deslocamento, como ir a pé ou de bicicleta, responsáveis por mais de 30% das viagens na Região Metropolitana de São Paulo, não poluentes e antenados com a proposta da atual gestão.

Outro problema é que o Substitutivo do Projeto de Lei aprovado na Câmara não menciona quais áreas da cidade precisam de vagas. Ou seja, pelo texto que está indo para as mãos do prefeito, os estacionamentos poderão ser feitos em qualquer lugar, e não necessariamente precisam estar articulados com transporte coletivo, minando o objetivo maior da proposta.

Os locais de implantação para os edifícios-garagem poderiam estar de acordo com os previstos no Plano de Mobilidade, no Plano Diretor ou na nova Lei de Zoneamento. Porém, o Substitutivo também suprimiu qualquer articulação com estes três instrumentos.

O PL de Zoneamento (Lei de Uso e Ocupação do Solo) recém enviado à Câmara de Vereadores, por exemplo, demarca uma série de perímetros especialmente próximos a terminais de transporte coletivo, nos quais a construção de edifícios-garagem seria incentivada (via isenção do pagamento de outorga onerosa).

Mas o PL dos Estacionamentos não se articula com o de Zoneamento, não limitando a possibilidade de criar estacionamentos apenas nestes perímetros.

Pior. Se esta combinação de leis deveria acontecer, ela não pode se dar de qualquer forma, pois os resultados podem ser catastróficos. O PL do Zoneamento propõe a isenção do pagamento de outorga onerosa apenas para os edifícios-garagem situados em determinados perímetros. Já o PL dos Estacionamentos é muito mais abrangente, pois se refere a qualquer estacionamento, inclusive os edifícios-garagens. Ao combiná-los, é possível que a isenção do pagamento de outorga onerosa possa ser estendida a QUALQUER estacionamento e área comercial, em QUALQUER área da cidade!

Isso ameaça todo o avanço obtido no Plano Diretor em relação ao não estímulo aos estacionamentos de veículos, pois shoppings centers, por exemplo, entrariam nesta conta!

Com o Plano Diretor, conquistamos a redução de vagas em garagem nos chamados Eixos de Transformação da cidade – ao longo dos corredores de ônibus e no entorno das estações de transporte público coletivo. O objetivo é exatamente estimular as pessoas a usar o transporte coletivo e os modos ativos de deslocamento. Na contramão dessa vitória, o PL dos Estacionamentos incentivará a criação de milhares de novas vagas para automóveis nos mesmo Eixos de Transformação, e em áreas públicas.Tem alguma coisa errada aí.

Outros receios

Zonas Especiais de Interesse Social

O Plano Diretor permite que usos institucionais possam ocupar 100% de áreas demarcadas como Zonas Especiais de Interesse Social. As ZEIS são destinadas prioritariamente para o reconhecimento ou construção de habitações de interesse social.

Se o uso para estacionamentos for considerado “institucional”, há a brecha para que os estacionamentos e seus usos comerciais previstos no PL dos Estacionamentos as ocupem, inviabilizando sua priorização para moradia popular.

Históricos similares já existem: algumas ZEIS de São Paulo já foram ocupadas com pátio de manobra do Metrô ou terminal de ônibus. Uma emenda muito pertinente ao PL excluindo essa possibilidade foi sugerida, mas não aprovada pelos vereadores, mantendo as ZEIS sob ameaça.

A incógnita dos Planos Urbanísticos Específicos

O PL propõe ainda que a empresa ganhadora da licitação do estacionamento – iniciativa privada – tenha de elaborar e executar Planos Urbanísticos Específicos (PUE) para um raio de mil m² de cada área concedida. O conteúdo de tais planos não está definido nem há regulamentação para eles. Trata-se, portanto, de uma figura desconhecida e estes PUEs devem seguir as diretrizes do Plano Diretor, além das do próprio PL que envolvem, dentre outras, a qualificação da área com alargamento de calçadas e implantação de um sistema cicloviário.

Também não está claro se os Planos Urbanísticos Específicos precisam ser aprovados em lei específica – deveriam, considerando que interferirão em lotes privados para alargar calçadas ou exigir fachadas ativas.

Esta carta em branco pode se traduzir em uma ameaça à regulação conquistada no Plano Diretor, que prevê maior adensamento construtivo no entorno de estações e terminais de transporte coletivo, com mais gente morando, menos garagens e aproveitando-se do transporte coletivo.

O Plano Diretor propõe a figura dos Projetos de Intervenção Urbana para tais casos e indica as Áreas de Estruturação Local como instrumento urbanístico voltado para tais projetos situados ao longo dos Eixos de Transformação Urbana previstos, localizados no entorno dos corredores de ônibus e das estações de transporte público. 

Concessão de áreas públicas

Destinar uma área pública para concessão privada só é defensável quando tal destinação é objeto de interesse público. A exploração de estacionamentos de veículos individuais e de áreas comerciais é de interesse privado!

Enquanto cedemos áreas públicas para carros ficarem estacionados, a justificativa para não se fazer as 55 mil moradias ou as creches prometidas pela Prefeitura é justamente a falta de terrenos. Como explicar isso para os cidadãos paulistanos?

A geração de estacionamentos tampouco precisa necessariamente dar-se em área pública. O próprio PL 312/2013 possibilita a desapropriação para construção de estacionamentos de veículos, desde que paga pelo ente privado (art 4º, § 2º). Mas também desapropriações só são justificáveis quando há interesse público.

E a participação social?

O PL dos Estacionamentos havia sido enviado aos vereadores pelo próprio Executivo há dois anos. Passou 2013 tramitando por diferentes comissões, ficou parado ao longo de 2014 e, finalmente, na mesma semana em que a revisão da Lei de Zoneamento (Lei de Uso e Ocupação do Solo) entrou na Câmara, acabou voltando ao plenário e sendo aprovado em definitivo por 40 votos contra 9. Se você tiver tempo, vale a pena ler debate dos vereadores sobre o PL dos Estacionamentos, ocorrido em 2013 e disponível do site do Diário Oficial de 7/11.

O resultado que está indo para a aprovação do prefeito está completamente desconectado com os debates que estão ocorrendo no Legislativo, pois tanto o Plano de Mobilidade como a revisão da Lei de Zoneamento são pauta atual da Câmara de Vereadores!

Além disso, ao contrário de tais normas, o PL 312/2013 não foi publicamente debatido, mas resgatado e aprovado às pressas, dias antes da Casa dar início ao debate sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Por que as organizações, os movimentos sociais e os grupos que militam e se debruçam sobre o tema não foram convidados a participar do debate?

Somos CONTRA a concessão de área pública para estacionamentos na forma como o Executivo encaminhou e foi aprovada pela Câmara de Vereadores. Haddad, não sancione! Leve o tema para o debate público e construa uma política para os estacionamentos na cidade!

Afinal, quais são as prioridades desta gestão? Terrenos públicos para habitação popular, creches e estímulo ao uso dos modos modos coletivos de transporte (ônibus, trem e metrô) e ativos (notadamente a pé e bicicleta)? Ou estimular mais ainda o uso do carro, motivo central do porque chegamos à atual crise de mobilidade na cidade, por meio da liberalização de regras e incentivos para construção de mais estacionamentos para carros?

*Luanda Vannuchi é geógrafa, mestre em estudos urbanos pela Vrije Universiteit Brussel e faz parte da equipe do observaSP.

*Paula Santoro é arquiteta e urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e coordenadora do projeto ao qual o observaSP é vinculado. 

*Daniel Guth é consultor em políticas de mobilidade urbana, diretor de
participação da Ciclocidade e diretor-geral da Rede Bicicleta para
Todos.

SUBSCREVEM ESTE MANIFESTO:

LABCIDADE/FAUUSP – INSTITUTO PÓLIS – UNIÃO DOS CICLISTAS DO BRASIL (UCB) – INSTITUTO DE POLÍTICAS DE TRANSPORTE E DESENVOLVIMENTO (ITDP) – REDE BICICLETA PARA TODOS – EU VOU DE BIKE – PEDALA SP – CICLO BUTANTÃ – ALIANÇA BIKE – GREENPEACE – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS ASSOCIAÇÕES DE MORADORES (CONAM) – FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES COMUNITÁRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FACESP) – MOVIMENTO POR MORADIA E REFORMA URBANA SUSTENTÁVEL (MMRUS / MRU) – NÚCLEO DE MORADIA DA ASSOCIAÇÃO PROJETO GERAÇÕES (N.M.PROGER) – MOVIMENTO UNIDOS PELA HABITAÇÃO (MUHAB) – MOVIMENTO POR DIREITO À MORADIA (MDM)