Profª. Paula Santoro, uma mulher branca, de cabelos grisalhos, trajando um vestido na cor verde, um colar escuro e óculos. falando ao microfone. Ao fundo, cortinas verdes e um auditório com bancos, na cor bége e pessoas com rosto desfocado.
Profª. Paula Santoro apresenta resultados de pesquisas conduzidas pelo LabCidade que apontam possíveis fraudes nas HIS de SP

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga fraudes nas políticas de incentivo às Habitações de Interesse Social (HIS) na cidade de São Paulo recebeu nesta terça-feira, dia 30/09 a professora da FAU USP e coordenadora do LabCidade, Paula Santoro, que apresentou resultados de pesquisas sobre as dinâmicas imobiliárias recentes no segmento econômico e o fenômeno das “Fake HIS”.

Confira a apresentação

A tese central da equipe Regulação Crítica do LabCidade (já apresentada em artigo da PosFAUUSP e no XXI Enapur) é que o mercado imobiliário paulistano estaria promovendo um “social housing washing” (lavagem da moradia social), onde empresas criam uma falsa ideia de estarem produzindo moradia popular, mas, na realidade, produzem “fake HIS”. Esta “falsa habitação de interesse social” é a produção do segmento econômico de mercado, estimulada por incentivos urbanísticos, financeiros e fiscais, que o Estado contabiliza como atendimento às metas habitacionais, mas que não resolve as necessidades habitacionais reais.

Incentivos falsos e financiamento inacessível

A pesquisa do LabCidade aponta que a HIS se torna “fake” por diversos fatores, começando pelos próprios incentivos urbanísticos. Embora 80% do déficit habitacional se concentre na faixa de renda de até três salários mínimos (s.m.) (conforme o Plano Municipal de Habitação – PMH de 2016), os incentivos se estendem até 5,5 s.m. (HIS 2).

Além disso, a destinação das unidades é feita de forma autodeclaratória, sem controle rigoroso sobre quem de fato as adquire.

Um dos pontos mais críticos levantados é a inacessibilidade do financiamento para a população de baixa renda. Segundo a professora e as evidências de campo, as construtoras não aceitam o financiamento pelo programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). Vereadores questionaram se a recusa ocorre porque o MCMV impõe controle de renda.

O custo total de aquisição se mostra inviável para as famílias que realmente precisam de uma política de HIS. As condições de pagamento exigem entradas e parcelas na entrega das chaves que podem somar mais de 60% do valor do imóvel.

As tipologias dessas unidades também são consideradas inacessíveis: o preço total da unidade é de R$ 350 mil (teto do segmento econômico), mas são unidades minúsculas (até 35 m²), com um preço por metro quadrado (m²) altíssimo, maior que R$10 mil.

Segregação e elitização dos eixos de transporte

A análise da dinâmica imobiliária entre 2008 e 2022 demonstra que a produção imobiliária na cidade dobrou, chegando a 79 mil unidades anuais em 2021, com 104 mil unidades lançadas em 2024, o melhor ano da série histórica. O segmento econômico (unidades com preço até R$ 350 mil) também dobrou no período, atingindo 66,33% da produção total da cidade em 2020-2022).

No entanto, houve um “enxugamento” da produção imobiliária que saiu dos miolos dos bairros para os eixos de mobilidade de média e alta capacidade. A produção nos eixos saltou de 12,7% entre 2008 e 2013 para 32,4% do total a partir de 2017. Mas as unidades produzidas são das mais caras (preço acima de R$ 750 mil), portanto, para os mais ricos, o que reforça o modelo de segregação socioterritorial. Enquanto isso, a densidade demográfica aumenta nas bordas da metrópole (segundo outro artigo do LabCidade), onde a população negra está majoritariamente concentrada.

Em relação ao segmento econômico (até R$ 350 mil), a maior quantidade de unidades produzidas está fora dos eixos. Embora o lançamento de unidades do segmento econômico nos eixos tenha crescido de 5,9 mil entre 2008 e 2010 para mais de 31 mil entre 2020 e 2022, o percentual ficou em 22,22% do total de unidades econômicas lançadas no município. Parece concentrada pois os Eixos ocupam apenas cerca de 4% da área do município.

Conexão com a plataformização do aluguel

A professora também conectou o fenômeno do “fake HIS” com a crescente plataformização e expansão do aluguel temporário em São Paulo, especialmente em áreas valorizadas e na área central. Unidades minúsculas e bem localizadas são frequentemente utilizadas para investimento, com empreendimentos inteiros desenvolvidos para alugar (os “multifamily”) por fundos de investimento.

Pesquisas em andamento sobre áreas onde as unidades para alugar se concentram em São Paulo, parecem sinalizar que o número de imóveis que entra para alugar na plataforma é maior que o número de unidades lançadas pelo mercado imobiliário, sugerindo que parte da produção habitacional nova, que recebe incentivos, está sendo usada para aluguel temporário, e não para moradia.

Propostas e judicialização

A pesquisa desenvolvida pela professora Paula Santoro e equipe (incluindo Laisa Stroher, Deiny Façanha, Gabriela Azzolini, Henrique Canan, Luiza Hespanhol e Paula Victória Souza) foi utilizada no Inquérito Civil que o Ministério Público do Estado de São Paulo que originou a Ação Civil Pública de janeiro de 2025 que tratou das irregularidades no controle dos incentivos urbanísticos.

Para reverter o quadro, a professora deixou perguntas no ar, que sugerem que o poder público atue indicando a demanda de forma direta, recuperando unidades (e não apenas recursos), regulando o tamanho e preço das unidades produzidas pelo mercado, regulando os preços do aluguel e o aluguel temporário.

Além disso, comentou sobre os valores das multas às empresas que desvirtuar a destinação para HIS. Atentou para os limites de se cobrar apenas o valor de Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) que corresponde ao incentivo urbanístico não cobrado pela Prefeitura quando o empreendedor produz habitação de interesse social. O cálculo da Outorga geralmente tem preços baixos – que segundo pesquisas de Camila Maleronka e Fernanda Furtado correspondem a 1% do Valor Geral de Vendas total dos lançamentos – resultando em valores cobrados nas multas muito baixos se comparados ao que agregam em termos de rentabilidade, por permitirem construir e vender mais unidades, ao Valor Geral de Vendas (VGV).

Confira a apresentação da professora Paula Santoro na íntegra.

Confira a sessão completa na Rede Câmara SP