Foto: Agência Brasil

Isadora de Andrade Guerreiro, Paula Freire Santoro e Raquel Rolnik*

Foi anunciado na última quinta-feira (15/09) um corte de 95% no orçamento do Programa Casa Verde e Amarela contida na proposta orçamentária do governo federal para o ano de 2023, que passará de R$ 665,1 milhões para R$ 34,1 milhões. É mais um corte sobre vários que já aconteceram durante o governo Bolsonaro, reduzindo a participação do orçamento no programa praticamente a zero. Assustador, mas é mais do mesmo em um governo que nunca teve como objetivo enfrentar a crise habitacional que assola o país.

Ainda sob a designação de Minha Casa Minha Vida, de 2019 para 2020 já tinha sido realizado corte de 45% (o que representava naquele momento R$ 2,1 bilhões) e, no ano seguinte, em abril, 98% do que restou foi cortado, chegando ao valor de apenas R$ 27 milhões para todo o país – aproximadamente o custo de um conjuntinho de 150 unidades residenciais. Portanto, não é nenhuma novidade este corte atual, apenas o que já era esperado – e declarado pelo governo Bolsonaro.

Ao lançar o Casa Verde e Amarela, o governo Bolsonaro extinguiu a construção de novas unidades habitacionais para a chamada “Faixa 1” do Minha Casa Minha Vida – que já minguava desde 2016 com paralisação das obras. Para se ter uma ideia, desde 2009 quando foi lançado  até 2016 (governo Dilma) haviam sido contratadas 1,76 milhões de unidades do Minha Casa Minha Vida nesta faixa de renda e, após este período, foram apenas 20mil até a decretação de morte desta modalidade no programa. Ou seja, já tinha pouco recurso, e deste, nada para os mais pobres, quem realmente precisa. Na chamada Faixa 1 eram atendidas famílias com renda mensal de até R$1.600 com altíssimo subsídio (que chegava a até 96% do valor do imóvel), que vinha de recursos a fundo perdido, ou seja, sem retorno, do Orçamento Geral da União depositados no FAR (Fundo de Arrendamento Residencial). As demais faixas de renda atendidas (de R$1.600 a R$7mil de renda mensal familiar) eram financiadas pelo FGTS, e permaneceram desta maneira no Casa Verde e Amarela.

O FAR recebeu recursos apenas da Febraban desde então, para financiar regularização fundiária  – justamente os bancos colocando recursos em uma frente de política habitacional que  viabiliza a expansão das finanças  – interrompendo a construção de novas unidades habitacionais. Portanto, já estava anunciado que o governo Bolsonaro não colocaria mais recursos do Orçamento da União para subsídios habitacionais para as faixas mais baixas de renda, de até dois salários mínimos, que representam cerca de 75% do déficit habitacional atual. O corte atual apenas finaliza este projeto que, na verdade, inclui uma estratégia de endividamento da população mais pobre do país através da mobilização da propriedade como garantia de empréstimos, e de inúmeras formas de “captar” novos clientes para empréstimo, como as recentes e absurdas proposta de uso do FGTS futuro para arcar com prestações maiores do que a capacidade de endividamento normal das famílias. Se perderem o emprego no meio do processo, herdam a dívida – mesmo sem ter salário para tanto. Sem casa, sem emprego e com dívida!

Assim, tais cortes atuais só finalizam o projeto que já estava em curso desde o início: exclusão das famílias prioritárias ao acesso à moradia, cuja cidadania só será alcançada via endividamento abusivo, enquanto mantém o acesso das baixas classes médias via crédito hipotecário e endividamento.

*Professoras da FAU-USP e coordenadoras do Labcidade