Por Raquel Rolnik* e Pedro Mendonça**

No último dia 21 de dezembro, a Prefeitura de São Paulo lançou para consulta pública a minuta do edital de concessão do transporte coletivo municipal. A proposta, entre outras questões, prevê uma nova divisão das linhas de ônibus da cidade, em três grupos – estrutural, de articulação regional e local. As linhas serão distribuídas em 29 contratos com empresas diferentes.

O rearranjo será feito a partir da troncalização do sistema, ou seja, a reorganização do trajeto das linhas, de modo que algumas sejam destinadas ao fluxo das principais avenidas (rede estrutural) e outras tenham a função de aproximar a população destes principais eixos de transporte (redes de articulação regional e local). Com isso, aumenta a necessidade de integração entre as linhas. Embora este modelo pareça lógico, a troncalização, na forma como está sendo proposta, não implica necessariamente melhoria no serviço prestado.

Isso porque essa nova rede prevê uma redução no número de linhas nos principais corredores da cidade. A justificativa para esse corte é a tentativa de diminuir o número de ônibus nestes corredores, evitando a sobreposição de linhas e a ociosidade e, com isso, aumentando a fluidez dos veículos e, portanto, a oferta de lugares para os usuários.

Mapa 1: variação de linhas diurnas: Rede existente x Rede proposta / LabCidade[/caption]

 


Mapa 2: variação da oferta de lugares por minuto no pico da manhã: Rede existente x Rede proposta / LabCidade[/caption]

Com esses cortes, as baldeações entre ônibus devem aumentar para quem faz grandes deslocamentos na cidade. Mas, considerando que existem poucos corredores de ônibus, e que eles estão distribuídos de modo desigual entre as regiões da cidade, nada garante que a qualidade do serviço melhorará. Para suportar o alto fluxo de ônibus na rede estrutural, é necessário investir em novos corredores exclusivos e em faixas de ultrapassagem que evitam que se formem grandes filas de veículos nas paradas. Também é importante melhorar as próprias paradas, aumentando sua capacidade e disponibilizando informações detalhadas sobre o funcionamento da rede.

Outro problema a ser enfrentado na troncalização é a alta lotação dos ônibus. Quando as linhas ligam os bairros a áreas centrais, ainda que o sistema seja pouco eficiente, o passageiro sabe que conseguirá entrar no veículo. Mas quando as linhas são seccionadas, o passageiro pode ter problemas ao tentar embarcar em linhas estruturais, já que vai competir por espaço com usuários de outras linhas fazendo a baldeação no mesmo ponto. Nesses casos, a troncalização pode se tornar um pesadelo.

Mais uma vez, não é possível separar o debate sobre a diminuição da sobreposição de linhas da discussão sobre a ampliação e qualificação do sistema, ainda mais quando se trata de algo que afeta o cotidiano de milhões de usuários.

No nível das redes local e de articulação regional, é importante reconhecer a importância da contribuição de quem mora ou trabalha nos bairros para redefinir o desenho dessas redes. O transporte pode cumprir um papel importante para a integração dos bairros, fortalecendo atividades locais, centralidades comerciais, espaços públicos e lugares de encontro. Para isso, é necessário que a concessão do serviço abra espaços de discussão localizados nos bairros.

Além do debate urbanístico, há um conjunto de outras discussões relacionadas ao modelo da concessão deste serviço, como as formas de remuneração, a avaliação da qualidade, entre outras. Mas estes temas serão abordados nos próximos posts.

//

* Raquel Rolnik é urbanista, professora de Planejamento Urbano da FAU USP e coordenadora do LabCidade. Livre-docente pela FAU USP e doutora pela New York University, foi coordenadora de urbanismo do Instituto Pólis, diretora de Planejamento Urbano da cidade de São Paulo, secretária de Programas Urbanos do Ministério das Cidades e relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. É autora dos livros “O que é a Cidade”, “A Cidade e a Lei”, “Folha Explica São Paulo” e “Guerra dos Lugares”. Lattes

** Pedro Mendonça é estudante do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU USP. Pesquisa parcerias público-privadas (PPPs) utilizadas como instrumento de implementação de projetos urbanos, especialmente as PPPs Habitacionais do Estado de São Paulo. Integra a equipe do ObservaSP desde 2015. Lattes