Fábrica_dos_sonhos

*Por Rodrigo Faria G. Iacovini

Com o objetivo de centralizar os barracões das escolas de samba do Grupo Especial, a Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) criou o projeto da Fábrica dos Sonhos, uma das intervenções incluídas na revisão da Operação Urbana Consorciada Água Branca (OUCAB), pela Lei nº 15.893/2013.

Idealizado pela São Paulo Turismo (SPTuris – empresa de turismo e eventos cuja sócia majoritária é a PMSP) e em implementação desde 2008 sob responsabilidade da SP Obras, o projeto da Fábrica dos Sonhos é inspirado na Cidade do Samba carioca e tem como missão estruturar e profissionalizar o carnaval paulistano e, ao mesmo tempo, criar um espaço voltado à memória do samba na cidade, tornando-se inclusive uma nova atração turística, de acordo com a Prefeitura

Hoje, os barracões das escolas de samba se encontram espalhados pela cidade, muitos deles situados em terrenos públicos cedidos pela prefeitura e em condições precárias, sujeitos inclusive a inundações, como registram algumas reportagens. Além disso, por estarem descentralizados, ensejam intervenções complexas no trânsito para deslocamento dos carros alegóricos até o sambódromo no período do carnaval, causando problemas graves de mobilidade segundo estudo da Prefeitura de São Paulo.

Para tentar reverter essa situação, a Fábrica pretende reunir, em terreno localizado junto à Ponte da Casa Verde (a aproximadamente 1,5km do sambódromo do Anhembi), os 14 barracões das escolas de samba que fazem parte do Grupo Especial. Estes barracões, cada um com aproximadamente 2.200 m² de área construída, serão cedidos em regime de comodato por um ano. Isso porque a cada ano, de acordo com os resultados do desfile de carnaval, muda o conjunto de escolas que compõem o Grupo Especial.

Um dos pontos controversos do projeto é o fato de a Fábrica estar sendo construída em área pertencente à Prefeitura de São Paulo. Na atual situação de escassez de terras públicas para desenvolvimento de projetos, seria importante que a definição sobre a utilização dessa e de outras áreas se desse a partir de um planejamento amplo, que levasse em conta o conjunto de propriedades do município e as diversas necessidades de intervenção demandadas pela cidade como um todo.

Era com esse objetivo que o Plano Diretor Estratégico de 2002 determinava, no art. 87, a elaboração de um Plano Diretor de Gestão das Áreas Públicas. Apesar da criação da Comissão de Patrimônio Imobiliário do Município de São Paulo (Decreto 45.952/2005), a quem incumbiria sua elaboração, o Plano infelizmente nunca foi construído.

Este instrumento poderia ser importante, por exemplo, para dialogar com a situação das escolas de samba Águia de Ouro e Mancha Verde, que hoje ocupam áreas públicas no perímetro da OUCAB, mas não possuem o devido Termo de Permissão de Uso e, portanto, estão em situação irregular, segundo informações fornecidas pela Prefeitura de São Paulo ao Grupo de Gestão da OUCAB. Antes de definir o seu destino – retirá-las das áreas ou regularizar sua situação – um plano seria importante para perguntar quais usos devem estar ou não em áreas públicas. Constata-se, assim, que até hoje, aproximadamente 12 anos depois de elaborado o Plano Diretor de 2002, a questão da utilização e da gestão da terra pública em São Paulo ainda não está devidamente equacionada, e a Fábrica dos Sonhos é mais um exemplo.

No caso, está sendo destinada uma área pública de 83 mil m² para um projeto que pode não vir a efetivamente solucionar a situação das escolas de samba da cidade, conforme críticas tecidas por integrantes das próprias escolas de samba em Audiência Pública realizada em 19 de julho deste ano para discutir as intervenções prioritárias no âmbito da OUCAB.

Como se destina exclusivamente às escolas que fazem parte do Grupo Especial, a Fábrica não servirá àquelas que se encontram no Grupo de Acesso, que então se veem obrigadas a possuir barracão próprio. Mesmo as escolas do Grupo Especial também terão que manter os barracões que ocupam hoje, já que, caso sofram rebaixamento, precisarão da mesma forma de um espaço para produzir suas alegorias. Não se otimiza, portanto, o uso das áreas públicas já ocupadas pelos atuais barracões destas escolas, nem mesmo se soluciona a situação de precariedade de suas instalações, apontada pela própria Prefeitura como motivação para o projeto.

Além disso, representantes das agremiações apontaram outra questão: o fato de que ensaios não poderão acontecer na Fábrica. Como já é tradição, estes ensaios continuarão a ser realizados nas quadras das próprias escolas, apartados do local de produção de suas fantasias e carros alegóricos.

Isso significa que uma área pública considerável está sendo destinada a um projeto cujo objetivo básico (melhorar a condição das escolas de samba para a produção do desfile carnavalesco de São Paulo) tem grandes chances de não se realizar. Perde-se, assim, a oportunidade de usá-la, no âmbito da OUCAB, para outros usos, como a construção de parques ou de equipamentos públicos culturais e de lazer efetivamente voltados aos moradores da área, necessários à cidade e à renovação urbanística que se pretende promover a partir de uma Operação Urbana.

Estas questões que desafiam os pressupostos do projeto muito provavelmente não são novas e já devem ter sido colocadas para o poder público municipal, o que nos leva a perguntar qual teria sido de fato a finalidade da construção da Fábrica de Sonhos…  A resposta a esta pergunta ainda não está clara, mas precisa ser urgentemente respondida como forma de justificar a valiosa terra pública disponibilizada e os mais de R$ 124 milhões de recursos públicos que serão gastos, dos quais R$ 106 milhões aparentemente sairão do caixa da OUCAB. Esta questão dos recursos também precisa ser discutida, por isso será abordada em breve aqui no blog.

*Rodrigo Faria G. Iacovini é advogado e mestre em planejamento urbano pela FAUUSP e faz parte da equipe do observaSP.

Imagem: Projeto da Fábrica dos Sonhos
Fonte: Estudo de Viabilidade Ambiental, Prefeitura Municipal de São Paulo