Por Paula Santoro* e Pedro Lima**

Desde os debates que motivaram a revisão da lei da Operação Urbana Consorciada Água Branca, em 2013, é grande a luta dos moradores dos conjuntos habitacionais que compõem a Comunidade Água Branca para que a Prefeitura promova uma reforma emergencial no local. Esta será a primeira obra com recursos da nova Operação, o que destoa de todas as Operações Urbanas anteriores, que privilegiaram outras intervenções, como obras viárias.

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A Comunidade Água Branca no perímetro imediato da OUCAB. Imagem: Pedro Lima, sobre base Google Earth (2015).

Parte desta conquista se deve a uma das novas regras propostas na revisão da Operação Urbana. A nova lei determina que, de todos os recursos arrecadados pela venda de certificados de potencial construtivo adicional (Cepac),22% obrigatoriamente devem ser destinados à habitação de interesse social.

Esse é um avanço importante, considerando que em operações anteriores, e mesmo na primeira fase da OU Água Branca (Lei Municipal 11.774/1995), não havia reserva especial de recursos para moradia popular. Isso ajuda a entender a tendência do instrumento em viabilizar intervenções viárias e obras que valorizam os empreendimentos e deixar as obras de interesse público para etapas posteriores.

Na OUC Água Branca, os recursos arrecadados no primeiro leilão de Cepacs, realizado em março de 2015, mesmo que tenham ficado muito abaixo do esperado, foram suficientes para custear a primeira etapa das reformas.

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Comunidade Água Branca. Imagem: Pedro Lima, sobre base Google Earth (2015).

Não menos importante tem sido o processo participativo na construção e gestão da Operação. O fato de a reforma emergencial na Comunidade Água Branca ser a primeira obra desta nova fase representa uma vitória dos movimentos sociais da região que lutaram pela inclusão da intervenção durante o processo de revisão do instrumento em 2013. E que, posteriormente, incidiram ativamente junto ao Grupo de Gestão da Operação Urbana Água Branca para que fosse dada prioridade a essa obra. Além disso, cobraram da Secretaria Municipal de Habitação a criação de um conselho de Zeis – um dos poucos de que se tem notícia na cidade –, o que ocorreu no final de 2014. Esse espaço também foi palco de disputa por essa reforma. Inclusive, vários debates sobre as necessidades da comunidade e a urgência da intervenção foram documentados por integrantes do conselho.

A Comunidade Água Branca é um dos poucos núcleos habitacionais contidos no perímetro imediato da operação, e o único de baixa renda. Sua composição certamente serve como um histórico das políticas habitacionais paulistanas nas últimas décadas. Originalmente conhecido como Favela da Água Branca – ocupação de áreas residuais alagadiças na várzea do Rio Tietê, datada dos anos 60 –, o assentamento começou a ser urbanizado e reconstruído com casas-embrião na gestão Mario Covas (1983-86), dando origem ao núcleo urbanizado Funaps Mutirão. Em momentos seguintes, optou-se por propostas de conjuntos verticais. A gestão Luiza Erundina (1989-92) construiu ali a primeira experiência de verticalização de favelas da cidade, o conjunto conhecido como Funaps Prédio. E a gestão Paulo Maluf (1993-97) ainda construiu o conjunto Prover Água Branca, com a tipologia padrão do Projeto Cingapura.

 

Conjunto habitacional Prover Água Branca, ou Cingapura. Foto: Paula Santoro (fevereiro de 2015).
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Rua B. À esquerda, Prover Água Branca, e à direita, Funaps Prédio. Foto: Paula Santoro (fevereiro de 2015).

Apesar do objetivo de “desfavelamento“ dessas ações, as margens do Córrego Água Branca, vizinho à comunidade, sempre foram uma área de ocupação irregular persistente e de grande precariedade. Ali ficava a Favela do Sapo, violentamente removida a partir de 2009, na gestão Gilberto Kassab. Mesmo com a construção em etapas, a comunidade hoje entende esses conjuntos como um único lugar,compondo a única Zeis 1 (C008) marcada no perímetro imediato da Operação.

A reforma emergencial é necessária porque os moradores estão expostos a situações de risco à vida e a condições de insalubridade decorrentes de uma diversidade de problemas, muitos relacionados à inconsistência das políticas habitacionais precedentes ou à obras anteriores mal executadas. Há trechos da rede de drenagem entupidos ou subdimensionados, que provocam alagamento e acúmulo de água; telhas faltando ou mal presas, que se soltam; queda do reboco das fachadas; caixas d’água de amianto; quadros de eletricidade com infiltração de água; trechos de via com pavimento incompleto; brinquedos do parque infantil e vestiários da quadra esportiva destruídos, entre outros.

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Situação de risco: telhado do Prover Água Branca sem as telhas, que voaram. Foto: Paula Santoro (fevereiro de 2015).
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Outra situação de risco: condição do reboco na fachada do Funaps Prédio. Foto: Paula Santoro (fevereiro de 2015).

Todas essas condições foram documentadas em um relatório de risco, produzido em diálogo com os moradores, que foi encaminhado ao Grupo de Gestão, discutido no Conselho de Zeis e acompanhado pelo Ministério Público.

A primeira etapa da reforma emergencial foi contratada em dezembro de 2015, mas as obras efetivamente começaram após o Carnaval, com previsão de conclusão em setembro de 2016. Nesta fase, será retirado e refeito o revestimento externo dos prédios, e serão feitas obras de drenagem, rede elétrica e pavimentação, além da troca de telhas. A segunda etapa – que envolve soluções para o fornecimento de gás, troca das caixas d’água, instalação de equipamentos contra incêndio, pintura e reforma da quadra esportiva – ainda não tem custeio garantido pela Operação, pois não foram arrecadados recursos suficientes. Por isso, a previsão é de que sejam necessários recursos orçamentários da Secretaria Municipal de Habitação.

O início das obras deve ser considerado uma vitória da mobilização social e um avanço nos mecanismos de gestão de recursos das Operações Urbanas Consorciadas. Mas a insuficiência de recursos para a segunda fase e os desafios maiores que a comunidade ainda enfrenta – como o isolamento, o acesso precário ao corredor de ônibus e às estações de trem próximas, a falta de áreas comerciais na região, o adensamento excessivo, entre outros – devem manter os movimentos sociais mobilizados para que o tema da habitação continue sendo pauta prioritária nesta Operação Urbana.

*Paula Santoro é arquiteta e urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e uma das coordenadoras do observaSP. É também representante da sociedade civil no Grupo de Gestão da OUCAB.

**Pedro Lima é estudante de graduação do curso de arquitetura e urbanismo da FAUUSP, bolsista de iniciação científica com o projeto “Desafios e perspectivas do instrumento Operação Urbana Consorciada para a produção de habitação de interesse social: uma leitura crítica da OUC Água Branca em São Paulo”, apoiado pela Fapesp, sob orientação da Profa. Dra. Paula Santoro, e integra a equipe do observaSP.